A paixão em viagem de uma Tokatina

PorPaulo Lobo Linhares,3 jul 2024 14:10

​Há anos atrás, quando havia aniversários, jantares ou simplesmente porque a lua estava bonita, quem sabia tocar, trazia os seus violões para as salas e quintais das casas e tocava-se pela música, pelo prazer de estar com ela, que na verdade era o prazer dos presentes estarem juntos e partilhar a música da forma mais bela que ela se oferece – a pureza.

Por entre as alegrias de uma koladera, a melancolia das inesquecíveis txoradinha que inclusive muitas traziam de arrasto o declamar de poemas, tudo se transformava em música em grupo onde a amizade era reforçada e não imposta.

Há mais anos ainda, juntavam-se os músicos nas praças e jardins e faziam-se serões ao som da música. Aí, objetivo dos músicos poderia também passar de diversão, para outro alvo onde o palco saia dos jardins e passava para a beira da janela da mulher amada ou alguém que se queria homenagear – eram então as serenatas.

Acima, falei da famosas e marcantes Tokatinas quedurante várias décadas sopravam liberdade-em-música na nossa sociedade - as Tokatinas.

As Tokatinas foram uma constante no panorama musical das ilhas que qualquer Cabo-verdiano de idade madura conserva carinhosamente consigo.

Aos poucos foram-se perdendo, mas nas nossas almas continuam bem presentes, quase que num passar musical de geração em geração. Basta evocá-las para que rapidamente o espaço abrace o público e músicos num só sentir.

Acontecem de forma espontânea e sem ensaio, obedecendo apenas ao facto de termos nascido com a música e de a trazermos na alma. Então, soleiras das portas, cafés ou jardins transformam-se em palcos intimistas, porém, festivos. Os acordes libertam-se dos violões, dos cavaquinhos e demais instrumentos pontuais e as vozes ecoam pelo ar. Canta-se e conta-se o quotidiano, ora na melancolia da morna, no embalar da coladeira, e mais tarde no ritmado batuko ou no vibrar de um funaná.

Normalmente, são ao cair da noite, quando a brisa das ilhas sabe a mar e amar é o estado que impera.

E assim foi, no final de tarde do dia 27 numa produção de uma label nacional para o pátio Txon di Morgado do Palácio da Cultura. Um grupo de amigos-músicos e convidados num palco – hoje transformado num acolhedor pátio de tocatina.

Djonsa Ramos, Jorge Figueiredo, Jorge Lima, Janito Mariano, Tober e Zay di Djon Pitata formam o grupo “Nos Tocatina”. Fizeram o momento onde cada um deles e o todo souberam passar a música embrulhada em pureza pura, onde a única regra era ser tudo feito por paixão e partilha. E como o fizeram. Tocaram, elevaram os compositores que rigorosamente eram citados em cada tema - ou não fosse a Tokatina de todos...arrastando aqui um papel educativo, numa sociedade onde as origens e a tradição perde cada vez mais para o lucrativo e para o mediático. Tambémchamaram músicos do público para também contribuírem com a música deles. Ouvimos a voz original de Armando e ainda de Tony Lima que, com a sua forte voz, nos lembrou momentos doutrora, fazendo (re)lembrar que as tokatinas vão para além dosbackstages, fogem ao imediatismo de hoje, viagem décadas atrás e projetam o futuro nos mais novos que a ouvem sem pretensões de ganhos material, mas sim, de preservação do tradicional. Também ensinam o real valor do intimismo - palavra hoje muitas vezes usada, em forma de autocolante para vender espetáculos... a interacção é vivida e não preparada.

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O grupo de amigos Nos Tokatina fez lembrar que a música não se esgota nos 50 mn de um palco pois este é secundário. A música sente-se em partilha de duas direcções pois o púbico...ou grupo de amigos também faz parte de tudo. É essencial ouvirmos este género de grupos para jamais nos esquecermos de uma fatia fundamental da nossa música.

O que passaram para o público foi de tal maneira fluido que todo o pátio se transformou num só momento - o momento Nos Tokatina onde sem qualquer tipo de receio afirmo que nesse dia, a Tokatina voltou de novo a se fazer sentir, por um grupo de músicos-amantes da música, que viveram e sabem o que é tocar sem ser visto…onde todos eles se transformam em música e essa passa a ser a parte visível de tudo.

Pessoalmente recuei anos e (re)vi(vi) tempos passados da minha infância, onde a Praia e creio que Cabo Verde tinha como banda sonora tais encontros musicais.

Assim, fica o pedido a todos os músicos que não deixem as Tokatinas serem esquecidas, “ka bsex dxa more, folklor di nox tera”. Que haja, pois, o reforçar das mesmas no cenário musical do nosso país.

Com músicos como o grupo Nos Tokatina aprendemos e com a tradição reforçamos o que somos, de um tempo (praticamente) ausente, que nas duas horas de atuação do grupo, ficou claro que é ainda presente tendo sabido a fresco o que foi vivido.

Nós, aguardamos mais...

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,3 jul 2024 14:10

Editado porAndre Amaral  em  4 jul 2024 13:58

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