Pretendi com essa publicação, através de duas histórias vividas comigo, exemplificar as boas e as más práticas entre jogadores de xadrez, principalmente os jovens, bem como culpabilizar, por essas práticas, os seus mestres e educadores.
Na história exemplificativa das boas práticas contava, resumidamente, o seguinte: durante uma partida entre dois jovens, o Lucas e a Sara, num torneio de xadrez em que eu era um dos árbitros, o jovem rapazito adormeceu e a sua oponente veio solicitar-me para acordar o seu adversário. Perante a minha recusa em fazê-lo, a jovem Sara, depois de alguns minutos de espera, decidiu ser ela própria a acordar o dorminhoco Lucas e assim, prosseguirem a partida, pois era para isso que lá estavam.
Em vez de esperar que o relógio avançasse e assim obter uma possível vitória por tempo, a Sara optou, e muito bem, por decidir o resultado da partida no tabuleiro e não na “esperteza”.
No final da partida, que terminou empatada, além de aplaudir o fair-play de quem foi para ali jogar xadrez e divertir-se e não ganhar a qualquer preço, augurei um futuro promissor para ambos os jovens.
Não foi preciso esperar muito tempo para que a minha premonição acontecesse pois, no passado dia 13 de Setembro, com apenas 14 anos, a Sara tornou-se na rainha do xadrez em Portugal, ao alcançar o título de Campeã Nacional Feminina. Este título, acontece pouco tempo depois, de se ter classificado em 3.º lugar nos nacionais da sua categoria (Sub 14) e torna-a na segunda atleta mais nova a vencer esta prova.
Depois daquela história com o Lucas, nunca mais me cruzei com esta jovem jogadora, mas por aquilo que me apercebi na altura, a humildade, o fair-play e a boa educação devem continuar com ela, pois embora não saiba quem são os seus mestres e educadores, acredito que lhe têm transmitido os valores do bom desportivismo e do são convívio.
Resta-me acrescentar que Sara Soares, é jogadora da Escola de Xadrez do Porto e que são exemplos como este que me fazem acreditar que ainda vale a pena correr pelo xadrez.
E já que estou a referir-me a uma jovem portuguesa que pratica xadrez, não posso deixar de falar da forma como três meninas naturais de Cabo Verde, me surpreenderam, pela positiva, em outras tantas competições em que participamos como equipa nacional.
Começo pelos jogos Africanos que decorreram o ano passado em Marrocos, onde a jovem Loide Gomes me surpreendeu pelo seu “à vontade” como encarou a competição, começando a pontuar logo no segundo encontro. O seu xadrez seguro, sem muitas invenções, foi-lhe proporcionando alguns pontos durante o decorrer das competições jogadas em Casablanca.
Pouco tempo depois, destes jogos de Marrocos, uma equipa nacional de Sub-16, deslocou-se a S. Tomé e Princípe para disputar o torneio Zonal de Equipas, daquela categoria.
Na primeira ronda, com uma vitória por 4-0 frente aos Camarões, a surpresa chamou-se Jacira Almeida que, com o seu jogo matreiro e cumprindo as indicações técnicas de Mestre Ortega, se foi revelando, ao longo da competição, uma dor de cabeça para os seus adversários.
Em 5 pontos possíveis obteve 4 e com isso, conquistou o título de rainha do 4.º tabuleiro.
Era a primeira medalha para o xadrez nacional.
Finalmente, a 3.ª surpresa, aconteceu durante a Olimpíada Online que decorreu recentemente, onde a jovem Katlene Martins, teve uma participação meritória, tendo demonstrado saber estar entre os grandes e apresentando qualidades para serem desenvolvidas.
Estas três jovens, Loide Gomes (17 anos), Jacira Almeida (12 anos) e Katlene Martins (12 anos), poderão vir a ser a base de uma futura equipa nacional feminina, pois têm qualidades e com trabalho e querer, podem vir a melhorar bastante a sua qualidade de jogo.
As suas idades dão-lhe um grande espaço de progressão qualitativa, podendo torná-las em jogadoras de outro nível a que se juntarão outras supresas que certamente irão surgindo.
Já poderíamos estar noutra fase de melhorias, não fosse um COVID qualquer ter vindo atrapalhar os nossos planos de desenvolvimente0 e de progresso qualitativo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 982 de 23 de Setembro de 2020.