Neste livro, o 13.º Campeão Mundial de Xadrez, faz uma anologia entre o jogo do xadrez e a vida, relatando-nos situações passadas durante algumas das competições que jogou e apresentando soluções para problemas quotidianos através das mesmas artes e técnicas (conhecimento, preparação, estratégia, cálculo das variantes, etc.) necessárias para disputar um jogo de xadrez. Ao longo do livro, é-nos demonstrada que no xadrez, como na realidade, é necessário analisar, organizar o pensamento, entender as acções que podem ocorrer, ter soluções preparadas e explorar todas as variantes possíveis.
Sendo o xadrez um jogo milenar e considerando as suas características, é muito natural que seja frequentemente comparado a situações da vida real, como aconteceu num texto que encontrei, por estes dias, na internet.
Este escrito, publicado em finais de Março deste ano, no blogue “Butiá.digital”, da autoria de Joel de Bem, pretende fazer uma analogia entre o jogo de xadrez e o “cenário de incertezas sobre o que fazer com relação ao caos económico que estamos prestes a presenciar”.
Claro que o foco da comparação é a situação pandémica que naquelta altura se começava a viver.
Segundo o autor, nós (população) somos os peões, pois à semelhança do que acontece no jogo, “somos em maior número se comparados as outras peças. E as mais vulneráveis, pois estamos na linha de frente da batalha”.
O Bispos e os Cavalos, são comparados com os médicos e enfermeiros “que buscam de forma directa tratar do ataque á epidemia”.
Para as peças mais fortes, o autor considera as Torres como os pilares de sustentação, comparando-as às “instituições que comandam o país”. Para a Dama, a peça mais poderosa, é-lhe atribuido o papel dos “governadores” e, finalmente o Rei, é “obviamente o presidente”.
Concordo com a as comparações que o autor efectuou às chamadas peças menores, no entanto, relativamente às peças maiores, sendo eu a comparar, atribuia-lhes outras “funções”.
Assim, ás Torres, como pilares que são, comparava-as aos hospitais, centros de saúde e locais de isolamento e confinamento. Para a Dama, tendo em consideração a sua poderosa força de acção, a minha comparação ia para os decisores da saúde pública, ou seja o Director de Saúde e restante equipa.
O Rei, pode ficar com o Senhor Presidente, pois o seu papel é o de não se deixar aprisionar e, em determinada fase, ajudar as restantes peças a darem xeque-mate ao adversário.
Mas, neste jogo das comparações, introduzo um novo elemento: o jogador, “atribuindo-lhe” as funções de governo, pois serão as sua jogadas, entenda-se decisões, que conduzirão à almejada vitória ou à odiada derrota.
E é bom que este jogador seja um Grande Mestre, com capacidade de antecipar um grande número de lances do adversário e de ter um plano para esses movimentos, pois será essa capacidade que determinará quem sairá vencedor no jogo.
Se em vez de um Grande Mestre estiver a jogar um amador, que geralmente joga somente em reacção ao movimento adversário, então muito dificilmente conseguiremos alcançar a vitória contra este adversário manhoso.
Voltando ao texto publicado no “Butiá.digital”, o autor escreve que “para que alcancemos o nosso objectivo de aplicar o xeque-mate no rei adversário, precisamos do auxílio da grande maioria das peças, ou seja, desde os peões até as peças mais fortes. O sacrifício de peões por posições estratégicas, é um facto normal no jogo de xadrez, e a sincronia de um ataque planeado entre as peças é factor crucial para a vitória”, concluindo com uma citação de Sun Tzu, famoso general que inspirou a criação do best-seller sobre estratégias “A arte da guerra”:
“A estratégia sem táctica é o caminho mais lento para a vitória. Táctica sem estratégia é o ruído antes da derrota.”
Vamos tomar isso como um aviso de que devemos mirar nossas forças para o sentido correcto. E sempre com planeamento e estratégia pré-definidos, pois, na história da humanidade, já passamos por epidemias piores que esta, além do que, possuíamos muito menos recursos do que hoje para enfrentá-las.
E nesta altura vem-me á memória uma frase de um politico e estadista de excepção, daqueles que são sempre chamados para resolver situações de excepção que os outros, por não serem de excepção, não conseguiram resolver a excepção. Refiro-me a Sir Winston Churchill e a frase parece-me ajustadissima ao que se passa actualmente em todo o mundo:
É inútil dizer “estamos a fazer o possível». Precisamos de fazer o que é necessário.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 983 de 30 de Setembro de 2020.