Criadores de pombos-correio querem tornar desporto mais conhecido em Cabo Verde

PorSheilla Ribeiro,29 mar 2021 7:16

Durante os períodos de guerras na Idade Média, e não só, os pombos desempenharam um papel importante como transportadores de mensagens. Mas, com o passar dos tempos, o homem foi encontrando outras formas de se comunicar e enviar mensagens até chegar à era digital em que se vive actualmente. Hoje, a criação dos pombos-correios tornou-se num desporto reconhecido a nível internacional. Em Cabo Verde, esta prática de columbofilia é ainda pouco divulgada, apesar de já existir há décadas. Seus praticantes estão a organizar-se em associações e querem ganhar mais adeptos e superar os desafios.

A columbofilia consiste na criação de pombos-correio para competição. Em Cabo Verde existe uma longa tradição de criação de pombos de fantasia ou pombos ornamentais. Entretanto, segundo o presidente da Associação Columbófila de Santiago, Ailton Tavares, a criação de pombos-correio para competição data da década de 70.

“Já tínhamos alguns columbófilos em São Vicente. Também aqui em Santiago, mais concretamente na Cidade da Praia, temos uma longa tradição de criação de pombos-correio para competição”, narra, acrescentando que, apesar da longa tradição no que diz respeito a criação de pombos-correio para competição, pouca gente sabe da existência dessa modalidade porque ela não é divulgada.

Para as corridas, competem, especificamente, os pombos-correio que têm uma capacidade inata para regressar à sua casa. Para aqueles que desejam adquirir esse tipo de pombos, terão de contactar os pombais que os importam de outros países.

Actualmente existem três associações columbófilas a nível nacional. A Associação Cabo-verdiana de Columbofilia, sediada em São Vicente, a Associação Columbófila da Praia e, mais recentemente, a Associação Columbófila de Santiago.

Adução

Conforme o nosso entrevistado, o processo de adução é importante na columbofilia, porque se trata de acostumar as crias dos pombos, os “borrachos”, ao pombal. Ou seja, depois do borracho ser separado dos pais, começa o processo onde lhe é mostrado por onde deve entrar ao voltar para o pombal.

“Depois começámos a soltá-lo à volta do pombal para conhecer o espaço, a área. Em seguida, soltámo-lo a uma distância de dois quilómetros, posteriormente cinco, dez, até que o pombo esteja preparado para ser solto a qualquer distância e voltar para a sua casa”, descreve.

O processo de adução é “extremamente importante” porque, explica Ailton Tavares, para além de garantir a orientação do pombo, prepara-o fisicamente para ser um atleta.

A Associação Columbófila de Santiago

A Associação Columbófila de Santiago foi criada a 26 de Setembro de 2020 e é constituída por sete membros, os sete sócios fundadores. Também é constituída por sete equipas, o Pombal Lobo D´Ferro, Pombal MVP, Pombal Vulcão do Fogo, Pombal Burkan, Pombal Relva, Pombal Raíz di Pilon e Pombal Salgadinho Doce.

“A associação surgiu de uma iniciativa minha e do Odair Teixeira, depois de termos participado em outras associações. Quisemos criar uma associação que englobasse todos aqueles que estivessem interessados na prática da columbofilia, ou seja, queríamos uma associação que congregasse todos os interesses dos columbófilos e, acima de tudo, uma associação que desse protagonismo ao pombo”, fundamenta Ailton Tavares.

Na sua criação, a associação assentou-se em três eixos estratégicos, sendo o primeiro o reforço institucional, onde conta com o apoio de alguns columbófilos e também da Associação Columbófila do Distrito de Setúbal, Portugal, que a apoia, não só no envio de pombos, mas, principalmente, na gestão dos pombais, mesmo a nível administrativo.

O segundo eixo tem a ver com o desenvolvimento, a capacitação e formação dos columbófilos, que passa pela organização de formações, workshops e também seminários com o apoio dos columbófilos portugueses, no sentido de que todos os membros da associação estejam preparados a nível competitivo.

O último eixo refere-se à divulgação e a dinamização da columbofilia, propriamente dita. “Nesse eixo, para além da criação dos nossos sites, redes sociais para a divulgação, também iremos organizar seminários, feiras e leilões para divulgar o pombo-correio e a organização das próprias competições”, avança Ailton Tavares.

Competições

No mês de Fevereiro, a Associação Columbófila de Santiago arrancou com um Torneio de Abertura “Carlos Sousa Silva” que, por um lado, visou a preparação do atletas para o campeonato e, por outro, homenagear o amigo e columbófilo português Carlos Sousa e Silva, que muito tem colaborado com a Associação. Agora, prepara o campeonato do “Pombo Ás” no próximo dia 26 de Março.

“A nível do modelo competitivo vamos ter o Campeonato do Pombo Ás na especialidade de velocidade, teremos um Campeonato de Yearlings que são os nossos pombos jovens, os borrachos com anilha de 2020, e teremos um Concurso de Resistência que será uma solta feita na ilha do Sal, que são mais de 200 km. No final, teremos o Campeonato Geral do Columbófilo que é a soma de todos os pontos conseguidos pelos seus respectivos pombos”, explica.

Em cada especialidade, serão distribuídas medalhas de ouro, prata e bronze para os três primeiros pombos, além de taças e diplomas.

Para que os pombos sejam soltos no alto mar, a Associação conta com o apoio da CVInterilhas e dos seus tripulantes. Serão realizadas três provas de 100 km, três de 120 km, duas de 150 km e duas de 170 km.

A pontuação

“Normalmente, as nossas soltas são feitas em alto mar. Temos as coordenadas do local de solta, e temos as coordenadas dos pombais. Com essas duas coordenadas calculamos a referida distância da solta para o pombal. Depois temos a hora da solta e a hora de chegada dos pombos”, explana o columbófilo.

Com esses dados, prossegue, calcula-se a velocidade média. Uma vez que os pombais têm distâncias diferentes do local da solta, o vencedor não é quem chega primeiro, mas quem faz a melhor velocidade média.

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“Para isso, temos um método manual e um electrónico. No manual, recorremos ao aplicativo TimesStamp ENT onde podemos registar, através de fotos, a hora, o minuto e o segundo e as coordenadas do pombal. Com essas informações, que contam para o registo do pombo, depois iremos calcular a velocidade média”, diz.

Já com o método electrónico, o columbófilo tem um relógio, uma antena e os pombos têm um chip que está copulado ao número da sua anilha. Ao chegar ao pombal, logo que o pombo pisar na antena, esta envia todas as informações para o relógio que irá registar a hora, o minuto e o segundo, mesmo que o columbófilo não esteja em casa.

“O columbófilo normalmente fica em casa à espera do pombo, se o columbófilo tiver o sistema electrónico pode nem estar em casa. Nós fazemos o processo de encestamento na nossa sede, onde os pombos são registados e depois são entregues nos navios. Contamos com a colaboração dos tripulantes para soltarem os pombos no alto mar”, elucida.

Após a chegada dos pombos, com o registo, os columbófilos introduzem os dados no Excel que lhes permite fazer o cálculo das velocidades médias e depois colocar por ordem decrescente.

Desafios e perspectivas

Segundo Ailton Tavares, um dos grandes problemas da columbofilia em Cabo Verde diz respeito à alimentação dos pombos, que são alimentados de acordo com a época.

“Temos a época das competições, assim como a da criação, onde tiramos os borrachos, a da muda de pena e temos também a época onde são preparados os borrachos, que é fase de adução”, enumera, dando conta que, em cada momento, o pombo precisa de uma alimentação específica, mas que no país não estão disponíveis todos os tipos de rações.

“Temos algumas disponíveis, mas são rações de fraca qualidade. Ainda não temos um fornecedor ou alguém que traga rações específicas para cada momento da nossa columbofilia”, menciona.

Para compensar a falta de ração adequada a cada época, os columbófilos compram outros grãos, separadamente, de modo a reforçar a alimentação do animal. Por esta razão, o presidente da Associação Columbófila de Santiago, informa que a alimentação dos pombos custa.

Um outro desafio apontado por Ailton Tavares relaciona-se com a questão dos medicamentos, suplementos e o facto de Cabo Verde ser um país arquipelágico.

“As nossas soltas são feitas em alto mar, estamos sujeitos aos próprios horários dos navios e à disponibilidade das agências e das empresas de navegação marítima para cederem espaços nos navios e algum tripulante para fazer a solta”, refere.

Por outro lado, há o desafio da criação de uma Federação Nacional de Columbofilia. Isto porque, diz Ailton Tavares, para além de ser uma instituição que irá gerir toda a columbofilia, também terá um papel importante no reforço institucional.

“Ou seja, através de parcerias com outras Federações internacionais, poderemos ter alguns benefícios. A Federação terá um papel importante na emissão de anilhas oficiais e de títulos de propriedade. Todo o pombo-correio tem de ter uma anilha ao nascer, que é a sua identificação para a vida. Em Cabo Verde neste momento, como não temos uma Federação, a Associação em São Vicente tem-nos conseguido algumas anilhas de Cabo Verde, mas não são oficiais”, aponta.

A Associação Columbófila de Santiago pensa, no futuro, organizar uma competição nacional, onde poderão competir columbófilos das ilhas de Santiago e de São Vicente. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1008 de 24 de Março de 2021. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,29 mar 2021 7:16

Editado porAndre Amaral  em  3 jun 2021 23:21

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