No contexto literário estudávamos Eugénio Tavares, Baltazar Lopes, Germano de Almeida, entre outros autores e numa outra secção, não menos propalada, foram os obreiros musicais, onde a nossa diva dos pés descalços – Cesária Évora, Ildo Lobo, Zeca Nha Reinalda, Codé di Dona, entre outros, eram os expoentes máximos da nossa música tradicional.
Estava eu ainda na minha meninice!
Passados alguns anos, após a minha inserção no ensino secundário, era muito abordada a questão cultural por géneros musicais e gastronómicos como Morna, Coladeira, Funaná, pratos típicos como Xerém, katxupa, Djagacida, etc.
Se compreendia melhor a matéria! Afinal de contas éramos adolescentes e a capacidade de entendimento por parte de todos os estudantes eram melhores!
Depois de fazer o Ensino pré-Universitário, creio que a minha perceção sobre a cultura junto a dos meus colegas, era dogmatizado, rígido e inflexível.
A cultura estava exclusivamente estribada na música, política, gastronomia, literatura e artes (por exemplo: balaio de Tentê, pilón, binde cuscuz) …. E ponto final! Foi a perceção na qual vários educandos ficaram.
Acredito que as intenções dos nossos docentes eram as melhores, porém, construiu-se uma sociedade – falo também da minha geração – com algum véu de ignorância!!!
Não deixaram de estar certos os nossos professores, mas o alcance da nossa compreensão cultural era delimitado!
Nem só da música e escrita vive a cultura, digo eu! As distintas áreas sociais e o desporto, neste caso em apreço, são áreas também transversais à cultura.
Senão vejamos o impacto de Rosa Mota e Eusébio da Silva Ferreira em Portugal, Mohammad Ali e Mike Tyson nos E.U.A, Grebe Selassie na Etiópia e Maria de Lurdes Mutola em Moçambique, etc.
São eles também os símbolos culturais dos seus países, tendo sido reconhecidos com altos galardões do Estado.
Para reforçar a minha posição, o antropólogo britânico, Edward B. Tylor, dizia que a cultura nada é mais do que “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade".
Conforme a citação, ela é muito mais vasta do que a nossa perspetiva encurtada sobre a cultura! Não pode haver delimitações para a legitimação da cultura! É obvio!
Na minha modesta opinião, infelizmente, creio que até hoje é essa noção que a sociedade cabo-verdiana ainda codifica, não havendo sequer uma problematização pública desta temática.
Para a minha não surpresa, há alguns poucos dias, fiz a seguinte pergunta a alguns amigos próximos: Quem são as figuras atuais da cultura cabo-verdiana? A resposta por parte dos meus amigos foram: Elida Almeida e Cremilda Medina!
Não estavam errados, porém não tiveram a capacidade de ver mais além! Afinal de contas, o homem é o fruto da sociedade!
Ripostei-lhes: E o Desporto? É ou não um elemento cultural? Os Tubarões Azuis não fazem parte da nossa cultura? E o basquetebolista Edy Tavares o que é? É apenas desportista ou um também agente cultural cabo-verdiano?
Tal está Zeca Nha Reinalda para a cultura musical cabo-verdiana, como também está Antero Barros para a cultura desportiva cabo-verdiana. Tal está Elida Almeida para a cultura musical cabo-verdiana, como também está Edy Tavares para a cultura desportiva cabo-verdiana. São todos agentes culturais!
Mais, tivemos ao longo da história, diversos homens e instituições que deram os seus respetivos tributos para o desenvolvimento do desporto de Cabo Verde.
A nível pessoal e familiar
Começando com um dos cânones do desporto nacional, Fortunato Levy. Nascido na cidade da Praia, ainda jovem foi para Portugal, estando na base da criação do SL Benfica, sendo o primeiro capitão do clube encarnado e o primeiro medalhista da instituição. Dois anos depois, deixou Portugal para regressar às ilhas, contribuindo para um forte legado na fundação de alguns clubes – como foi o Vitória da Praia – e estando fortemente inserido no ramo dos negócios no país.
Em são Vicente, a família Barros e a Família Sena. As duas célebres famílias que tanto contribuíram para o progresso do desporto na ilha de Monte Cara, quer no futebol, ténis e críquete.
João Burgo, o primeiro diretor nacional do desporto em Cabo Verde. Cuja sua abnegação para um melhor desporto no país fora sui generis!
Antero Barros, por muitos considerado o Pierre de Coubertin Cabo-verdiano, na qual fundou algumas federações desportivas, dando origem ao Comité Olímpico Cabo-verdiano.
A nível de clubes
SC Mindelense e Sporting Clube da Praia. Dois clubes históricos. Um centenário e o outro, no próximo ano em vias de completar 100 anos!
Clubes que marcaram pelo menos 4 gerações, com competições, resultados, onde passaram várias figuras do desporto nacional, desde Ben David, Txabana, Adérito Sena, Lúcio Antunes, Babanco, Stopira, etc.
Federações – Tubarões Azuis
Segundo ecos, nunca houve na história de Cabo Verde, uma celebração equiparada a da 2013. Depois de um excelente resultado na CAN 2013, os Tubarões Azuis foram recebidos em apoteose, registando um número de afluência amplamente superior ao período de 5 de julho de 1975, época onde Cabo Verde conseguiu a independência.
Perante todos estes fatos irrefutáveis e diante do atual status quo, a representação internacional dos nossos atletas pelo mundo a fora, desde países de acolhimento da nossa emigração, passando por territórios onde não temos nenhum laço cultural, mas faz se presente algum atleta cabo-verdiano, resta dizer que o desporto é um dos grandes elementos transversais à cultura em todo o mundo, e em Cabo Verde não foge à regra.
Ele – o desporto – sempre teve um cunho cultural de enorme preponderância: começando pelos nossos homens, passando pelos nossos clubes e seleções nacionais, que andaram juntos com o povo das ilhas desde os primórdios do século XX até os dias de hoje.
Tal está Zeca Nha Reinalda para a cultura musical cabo-verdiana, como também está Antero Barros para a cultura desportiva cabo-verdiana. Tal está Elida Almeida para a cultura musical cabo-verdiana, como também está Edy Tavares para a cultura desportiva cabo-verdiana. São todos agentes culturais!