“Foi trabalhar dois meses para as obras para ter dinheiro para casa, para a família, para poder comer”, disse Bruno Carvalho, menos de 24 horas após Pina se ter qualificado para as meias-finais da categoria de -51 kg do torneio masculino de boxe.
No boxe, ambos os semifinalistas asseguram uma medalha de bronze, o que, no caso de David de Pina, constitui a primeira medalha da história de Cabo Verde em Jogos Olímpicos.
O pugilista já tinha participado em Tóquio2020 através de um ‘wild card’, mas conseguiu a qualificação directa para Paris2024 “na última qualificação mundial, em Banguecoque”, depois de “largar tudo” para se preparar com o seu treinador, em Odivelas.
O processo incluiu “13 saídas internacionais”, até ao momento em que “o dinheiro acabou”.
“Ele tem uma bolsa de solidariedade olímpica de 750 dólares [688 euros] por mês, o que é muito pouco. Também tem família, uma mulher e dois filhos. Houve uma altura em que disse que tinha de parar para ir trabalhar”, explicou o treinador do Privilégio Boxing Club de Odivelas, desabafando: “Isto é tudo muito engraçado, mas ninguém suporta nada nem ninguém até conseguir o resultado. Ele fez um esforço brutal e foi recompensado”.
Bruno Carvalho e David de Pina conheceram-se quando o atleta cabo-verdiano obteve o ‘wild card’ para Tóquio2020 e estagiou “em vários clubes de Lisboa” para se preparar para o desafio.
Nesse percurso, “ficou fascinado” com a metodologia do actual técnico e, assim que foi eliminado em Tóquio, pediu-lhe para fazer uma carta no sentido de obter um visto para treinar para Paris2024 em Portugal.
“Largou a sua vida toda em Cabo Verde e veio trabalhar para o nosso clube. Foram três anos de muito trabalho, mas isto era impossível sem o talento dele, que é descomunal”, destacou Bruno Carvalho.
O foco do pugilista, no entanto, nunca esteve em questão.
“Sempre disse que vinha para aqui com a missão de conseguir uma medalha”, acrescentou o técnico.
Desde a chegada a Lisboa, a evolução de David de Pina também foi notória e o trabalho desenvolvido tornou-o num “atleta com um estilo de boxe universal”.
“Faltava-lhe técnica, especialização na parte estratégica, ter ferramentas para lidar com outros estilos de adversários. Isto foi o culminar de três anos de muito trabalho, mas era impossível sem o talento dele”, insistiu Bruno Carvalho.
O trabalho do treinador, de resto, foi reconhecido pelo seu pupilo instantes após derrotar o zambiano Patrick Chinyemba, nos quartos de final, triunfo que garantiu pelo menos o bronze.
“Ele [Bruno Carvalho] é o engenheiro de todas as minhas lutas. Não dormia, todas as noites estudava o jogo. Eu apenas faço o que ele me diz para fazer”, revelou David de Pina à Associated Press, instantes após o triunfo nos quartos de final.
O elogio foi retribuído por Bruno Carvalho durante a conversa que manteve com a agência Lusa: “Espero que a vida dele mude porque, se alguém o merece, é este menino. É um menino de ouro".
A convicção do técnico, de resto, assenta na dedicação de David de Pina, que momentos após ‘escrever’ uma página na história do desporto cabo-verdiano já estava “na sauna a perder peso” para assegurar a pesagem para o combate das meias-finais.
“É uma loucura! Só um atleta com uma capacidade mental ‘top’ é que consegue, após um combate, ainda tirar peso sem comer. É uma loucura! Uma loucura ao alcance de poucos”, exultou o treinador.
Nas meias-finais, no domingo, a partir das 16:50 locais (13:50 na Praia), David de Pina vai enfrentar o uzbeque Hasanboy Dumatov, nada menos que o actual campeão mundial e medalha de ouro no Rio2016, mas a estratégia está a ser planeada “passo a passo” e “combate a combate”.
Por isso, David de Pina e Bruno Carvalho não descartam qualquer cenário.
“Viemos aqui para conquistar e vamos tentar executar o melhor plano para conseguirmos ainda mais. Viemos para vencer e esse é o objectivo: vencer o próximo combate. Passo a passo”, apontou o treinador.
David Pina assegurou na sexta-feira a primeira medalha de sempre de Cabo Verde em Jogos Olímpicos, ao qualificar-se para as meias-finais da competição de -51 kg de pugilismo em Paris2024.
O pugilista natural de Santa Cruz, de 27 anos, qualificou-se para as 'meias', que nesta modalidade atribuem pelo menos a medalha de bronze, ao derrotar o zambiano Patrick Chinyemba, por decisão unânime.
O porta-estandarte de Cabo Verde na cerimónia de abertura de Paris2024 já garantiu a terceira medalha da África lusófona, depois dos dois 'metais' da moçambicana Maria Mutola, campeã nos 800 metros em Sydney2000 e bronze em Atlanta1996.