Balanço 2017: O fim do Novo Banco e o início da economia azul

PorJorge Montezinho,30 dez 2017 6:43

O fecho do Novo Banco marca o ano económico em Cabo Verde. O fecho e as repercussões que vão continuar a sentir-se ainda durante bastante tempo. Crescimento, Doing Business, economia azul e desenvolvimento económico local, foram outras das palavras-chaves de 2017.

Foi a novela económica do ano e teve vários capítulos. Em Março, um artigo do Expresso das Ilhas alertava que faltava só a luz verde por parte do Banco de Cabo Verde para que a Caixa Económica comprasse os activos do Novo Banco e que fora da operação ficavam os créditos que não tinham garantias reais e os empréstimos feitos a devedores em situação económica e financeira difícil ou insolvente. Nesse mesmo dia, o Banco Central agendou uma conferência de imprensa para anunciar o fecho da instituição.

O Novo Banco foi um negócio ruinoso para o Estado desde o início e a factura a pagar pelos contribuintes vai ser elevada. Criado em 2010, em período de pré-campanha eleitoral, vocacionado para a economia social e para o microcrédito, com uma estrutura que deveria ser pequena e barata, nunca cumpriu nenhum destes objectivos.

O Novo Banco começou a ser projectado em 2008. Um ano depois, em Novembro, a então ministra das Finanças, Cristina Duarte, explicava que a instituição, além de combater a exclusão financeira, teria por objectivo apoiar as instituições vocacionadas para a economia social e conceder crédito aos serviços técnicos para as actividades empresariais com projectos que contribuíssem para o desenvolvimento económico sustentado de Cabo Verde.

O Novo Banco começou a funcionar no dia 27 de Setembro de 2010, sob a forma de Sociedade Anónima, com um Capital Social de 300.000.000$00. Em Dezembro de 2012, o Capital Social do Novo Banco foi aumentado em 100%, ascendendo a 600.000.000$00 (seiscentos mil contos). A 29 de Julho de 2015, o Capital Social do Novo Banco foi aumentado novamente para 849.500.00$00.

Os sucessivos aumentos de capital tinham sempre um objectivo, responder aos contínuos maus resultados da instituição bancária. A primeira irregularidade do Novo Banco foi a não publicação das contas. Mas o principal problema, na verdade ilegalidade, foi o facto dos fundos próprios serem inferiores ao capital mínimo exigido aos bancos, por causa da acumulação de resultados negativos. Além disso, a instituição não cumpria outras exigências prudenciais, nomeadamente a respeitante à solvabilidade, como era visível nos documentos analisados pelo Expresso das Ilhas. Uma conclusão que saltava assim que se liam os relatórios era que a instituição, além da acumulação de resultados negativos, não era viável por causa do seu modelo de negócios.

Esperar-se-ia que, face à missão expressa do Novo Banco, o microcrédito fosse a forma de crédito dominante do Banco. Decorridos sete anos, as contas diziam exactamente o contrário. Nos finais do primeiro semestre de 2016, o Novo Banco tinha concedido cerca de 2,2 milhões de contos de crédito aos clientes, dos quais apenas 209 mil contos sob forma de microcrédito, ou seja, 9,4% do total. Era igualmente revelador que o Novo Banco tinha, no final do primeiro semestre de 2016, um dos níveis mais elevados de crédito vencido do sector bancário, cerca de 18% (399 mil contos) do crédito total aos clientes. Ou seja, num curto espaço de tempo (2010-2017) o Novo Banco atingiu um nível de incumprimento praticamente igual ao dos outros bancos que já estão na praça há muito mais tempo.

Como dissemos no início, esta novela teve vários episódios, e uma semana depois o Expresso das Ilhas revelava que por duas vezes o governo do PAICV teve a oportunidade para acabar com o Novo Banco e ambas teriam impedido uma perda tão grande como o que se registou com o fim da instituição: um milhão e oitocentos mil contos, que sairão dos bolsos dos contribuintes cabo-verdianos.

Como contávamos em Março, primeiro em 2012 e, mais tarde, em 2014. Nestas duas datas, o governo poderia ter dado um fim ao Novo Banco. Tinha dados mais do que suficientes para concluir que o projecto tinha arrancado mal e que nunca conseguiria dar a volta à situação, mas preferiu manter a instituição a funcionar. No fundo, o Novo Banco foi uma bomba relógio desde praticamente o primeiro dia e o descalabro que aconteceu no início desse mês era apenas uma questão de tempo. E todos os envolvidos sabiam que a contagem decrescente estava a decorrer.

Em 2012, os accionistas, avisados pelo Banco de Cabo Verde sobre os riscos poderiam ter optado pela liquidação voluntária do banco, com perdas mínimas, porque o balanço ainda era diminuto. Na altura, depois de analisados os indicadores, chegou-se à conclusão de que os resultados dos dois primeiros anos tinham sido negativos e não se previa que fosse possível inverter a situação nos anos mais próximos. Ou seja, o governo já sabia onde estava a meter-se quando, em 2012, e apesar de todos os avisos do Banco Central, decidiu avançar com a primeira recapitalização do Novo Banco.

Se o NB ainda conseguiu fechar as contas de 2013 em situação de conformidade, graças ao empréstimo do INPS, desde 2014 a situação torna-se diferente e o banco passa a estar em situação de ilegalidade e com insuficiência a nível da solvabilidade, como se pode verificar nas contas publicadas. Nesse ano, o Banco de Cabo Verde concluía que a situação do Novo Banco era mais grave do que se pensava, uma vez que a instituição não conseguia sair do vermelho.

Apesar desta análise de 2014 recomendar a aplicação de medidas correctivas, considerava-se que a situação do banco era muito difícil. E o BCV observava mesmo que se justificava a aplicação da medida mais gravosa, a resolução, ou seja, o fecho do banco. Desde 2014, o BCV tinha razões e os poderes (novo quadro legal) para pôr um fim ao NB. Mas só em Janeiro de 2016 viria a impor temporariamente medidas restritivas da actividade da instituição bancária. Acabando por encerrá-lo em Março deste ano.

Este ano, Cabo Verde subiu duas posições no índice “Doing Business 2018”. O relatório “Doing Business 2018: Reformar para Gerar Empregos”, do grupo Banco Mundial, analisou as medidas tomadas, entre Junho de 2016 e Junho de 2017, por 190 países para criar empregos, atrair investimento e aumentar a competitividade e segundo o documento o arquipélago passou do lugar 129 para o 127, mesmo assim, muito longe do top 50, que é um dos objectivos do governo. Esta melhoria é o resultado da implementação de três reformas nas áreas de obtenção de alvarás de construção, do comércio internacional e da resolução de insolvências.

Dentro da CPLP, Portugal, Brasil, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau pioraram a sua classificação na lista e Timor-Leste manteve a posição.

Globalmente, os países em desenvolvimento realizaram 206 reformas, respondendo por 78% do total global, sendo que a África Subsaariana executou 83 reformas, número recorde para a região pelo segundo ano consecutivo.

A economia azul foi outro dos destaques do último ano. Em Maio, o Mindelo foi o palco onde se discutiu, durante três dias, o crescimento económico usando o mar e Cabo Verde é o único país integrado no projecto Crescimento Azul conduzido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) que aceitou ajustar as instituições e definir a política para a promoção do programa. A economia azul como “motor do desenvolvimento” do continente africano faz parte do projecto da União Africana “Agenda 2063 – a África que queremos”, adoptado em 31 de Janeiro de 2016.

“Suponho que para alguns países é o único caminho, porque podemos imaginar que os oceanos são uma grande preocupação, não só economicamente, mas também devido a questões sociais e culturais”, disse ao Expresso das Ilhas Joseph Catanzano, coordenador do Programa Crescimento Azul em Cabo Verde. “Para os pequenos estados insulares penso que é o caminho mais importante. Temos de mudar a visão da economia azul e pensar nos potenciais para o desenvolvimento e crescimento”.

“Dado a nossa localização geoestratégica no Atlântico Centro, Cabo Verde oferece vantagens comparativas excelentes que poderão ser alavancadas para vantagens competitivas no vasto sector da economia azul”, resumiu, no Mindelo, o ministro da economia José Gonçalves.

E por falar em oceanos, a passagem por Cabo Verde em Março, do navio Esperanza, da Greenpeace, serviu como mote para analisar a actual depredação do mar na África Ocidental. Os principais perigos? Pesca ilícita, destruição das zonas costeiras, exploração exagerada dos recursos.

A sobrepesca e a pesca ilegal nas águas da África Ocidental é uma ameaça à segurança alimentar, à reserva de peixes e à saúde dos oceanos. A ONU estima que a pesca ilegal retira à economia global mais de 23 mil milhões de dólares por ano, uma realidade que, quando associada ao fraco controlo das águas marítimas em África, passa de preocupante a ameaçadora.

Se houvesse uma tabela para medir as zonas do mundo que sofrem mais com a pesca ilegal, o continente africano ocuparia o lugar mais alarmante. E dentro do continente, a zona de maior incidência de ilegalidades é a África Ocidental. Cruzando os dados de várias fontes, 30 a 40 por cento do peixe apanhado na sub-região é feito de forma ilegal, não declarado e não regulamentado. As perdas anuais cifram-se em 1.3 biliões de dólares, pouco menos do PIB de Cabo Verde.

E em Outubro, e ao longo de quatro dias, o Estádio Nacional, na Praia, foi o epicentro do diálogo mundial em torno do desenvolvimento económico local. Para Cabo Verde, o evento foi também uma oportunidade de estabelecer parcerias e alianças, trocar experiências e olhar caminhos.

Sob o tema central de “Desenvolvimento Económico Local (DEL) como meio para se alcançar a igualdade, equidade e coesão no quadro da localização dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentado (ODS)” o evento desenvolveu-se em três linhas temáticas com um foco especial nos Pequenos Estados Insulares em desenvolvimento (PEIDs). Em discussão intensa estiveram, por exemplo, os desafios da desigualdade, o trabalho digno, a coesão territorial e social, as mudanças climáticas, economia social e solidária e muitos mais, num programa em que o DEL se quis promover de um modo integrado.

O Fórum foi o maior evento alguma vez realizado em território nacional e a sua dimensão está patente nos números que, em jeito de balanço, foram compilados. No total, envolveu 2800 participantes (2200 nacionais e 600 estrangeiros), de 85 países, que ao longo dos quatro dias puderam assistir a 50 sessões, proferidas por cerca de 200 oradores.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Jorge Montezinho,30 dez 2017 6:43

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  30 dez 2017 6:43

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