Há um pequeno arquipélago subsaariano, remoto, sem recursos naturais, com um mercado exíguo e susceptível a choques externos que se tornou o 25º país do mundo em termos de negócios. A República das Maurícias foi considerada inviável logo após a independência, passou por uma ditadura, tornou-se uma democracia e evoluiu de uma economia de baixa renda baseada na monocultura da cana do açúcar, para uma economia diversificada orientada para a exportação. Conseguiu-o em cerca de 40 anos. Nos anos 60, o governo das Maurícias adoptou uma política de substituição de importações, optando pelo proteccionismo do mercado nacional, com o objectivo de combater o desemprego, aumentar a qualidade de vida dos mauricianos e diminuir a pobreza. Esta medida não trouxe os benefícios esperados devido ao diminuto tamanho do mercado doméstico e à falta de conhecimento técnico, o desemprego aumentou para os 20 por cento no final da década. Nos anos 70, mudou-se para uma estratégia orientada para as exportações, com o estabelecimento de zonas de exportação (as EPZ – Exporte Processing Zone), criadas para encorajar o assentamento de empresas de manufacturação intensiva. Os objectivos eram combater o desemprego, abrir a economia e aproveitar o acesso preferencial aos mercados europeus dentro da Convenção de Lomé (e actualmente do Acordo de Cotonou). Este plano levou o país a um caminho sustentável de desenvolvimento. A partir dos anos 80, as EPZ atraíram principalmente indústrias têxteis de Taiwan, Hong Kong e Singapura, que usaram as Maurícias como uma ponte de África para a Ásia, Europa e América. Em 2007 e 2008 começaram também a chegar empresas chinesas. O turismo emerge igualmente como um dos pilares da economia e torna-se num importante gerador de postos de trabalho, mas a estratégia de diversificação da economia continua a ser expandida nos anos 90 com a consolidação do sector de serviços financeiros, com apostas nos bancos comerciais, seguradoras e nos negócios globais. Nos anos mais recentes, fez-se uma aposta forte no sector das Tecnologias de Informação e Comunicação, principalmente orientado para os serviços para fora. De 1991 a 2010, a economia das Maurícias cresceu numa média de 4,9 por cento ao ano e para diversificar ainda mais a economia do país o governo tem apostado no desenvolvimento de sectores como o turismo de saúde, a indústria biomédica, a biotecnologia, a indústria do conhecimento, as energias renováveis, a economia do mar e a indústria cultural. Um dos nomes por trás desta revolução económica é Dev Chamroo, que presidiu a agência de investimento das Maurícias e actualmente é um consultor sénior. Dev esteve recentemente em Cabo Verde e falou com o Expresso das Ilhas.
Dev, tenho de começar com esta pergunta: como é que conseguiram?
O foco não deve estar em fazer, fazer, fazer, mas sim em fazer acontecer. Se olharmos desta maneira, todo o sistema muda. Cabo Verde tem um enorme potencial, agora é o tempo de fazer as coisas acontecer. No caso das Maurícias, quando nos tornámos independentes, mais de 90 por cento da nossa economia dependia da cana do açúcar, tínhamos um desemprego elevadíssimo, dinheiro suficiente para duas semanas de importações, no fundo, éramos um país de empregados públicos e trabalhadores nas plantações. Dois prémios Nobel [James Meade e VS Naipaul] disseram que as Maurícias eram um caixote do lixo e as suas recomendações foram, por favor, mandem o vosso povo para Inglaterra. Mas isso não era o que o país queria, tínhamos aspirações. Foi então que os nossos líderes apareceram e disseram, ok, importamos muito, mas em vez de importarmos, vamos começar nós a produzir. Há vantagens e desvantagens, a desvantagem era o tamanho do nosso mercado – uma vez que ainda não estávamos abertos ao exterior, mas como vantagem permitimos que o nosso povo se tornasse empreendedor.
Mas depressa descobriram que não podiam crescer só assim.
Sim, depressa descobrimos que não conseguíamos crescer só assim, não tínhamos mercado, então resolvemos mudar para uma economia exportadora. O problema era que não tínhamos matéria-prima e os mercados estavam longe. O que fizemos foi ver o que se passava no mundo, aprendemos e estabelecemos uma série de zonas económicas exclusivas. Aprendemos com Taiwan, com Hong Kong, mas a grande diferença é que considerámos todo o nosso país como uma zona económica exclusiva. Ou seja, desde que uma empresa esteja a exportar, torna-se numa empresa orientada para a exportação. E isso criou uma mudança imediata. As empresas de Hong Kong moveram-se para as Maurícias, as empresas chinesas também. Começámos a ter uma série de companhias e tornamo-nos, em certa altura, o segundo maior exportador de produtos transformados de lã do mundo. Em cada dez t-shirts que se compravam no mundo, uma tinha origem nas Maurícias. Como aprendemos depressa, num curto espaço de tempo empresas maurícias deixaram de lado o açúcar e começaram a investir nos têxteis. Entretanto, começou a aparecer uma nova geração com melhor formação e educação. Em 1968 a maioria da população tinha 6 anos de escolaridade, mas isso não chegava. Começámos a investir nas pessoas e passado pouco tempo a maior parte da população já tinha 12 anos de escolaridade. E depois, as pessoas começaram a ir para as universidades. E essas pessoas que passaram a ter 12 anos de escolaridade deixaram de querer trabalhar na cana do açúcar, de querer trabalhar como empregados fabris nos têxteis. Então o que fizemos? Criámos um novo cluster para o turismo. Hoje, quando se olha para os hotéis nas Maurícias, pensa-se que o turismo é uma indústria enorme, mas representa apenas 7 por cento do PIB, aliás, assim que se sai do aeroporto o que se vê, em todo o lado, é cana de açúcar. E as pessoas então pensam, afinal o açúcar é que é a grande indústria. Na verdade é apenas 1,7 por cento do PIB. Depois ouve-se falar das Maurícias como uma grande centro off-shore e pensa-se que essa é a grande indústria. Mas os bancos e as empresas financeiras são apenas 11 por cento do PIB. O que as pessoas não vêem é a nossa indústria de manufactura, essa sim representa 70 por cento do PIB. Esta é a beleza das Maurícias, os empresários apenas querem que o governo crie as oportunidades.
Como conseguiram que os sectores público e privado trabalhassem em conjunto?
O nosso sector público/privado é um dos pilares da nossa governança. Há uma regra, o sector público não investe, quem o faz é o sector privado. Mas este precisa do público para que este crie oportunidades e é isso que fazemos, estamos sempre à procura de oportunidades.
Mas criar oportunidades leva tempo.
Leva cerca de dez anos para criar oportunidades. Da agricultura à manufactura, os planos começaram nos anos 70 e tornaram-se um sucesso nos anos 80. O turismo começou a ser planeado nos anos 60 e tornou-se um sucesso nos anos 70. Os serviços financeiros começaram a ser planeados nos anos 80 e tornaram-se um sucesso nos anos 90. Depois, começamos a pensar tornar as Maurícias num centro de conhecimento, isso começou a ser planeado no início de 2000 e está a acontecer agora. E actualmente estamos a pensar em como tornar as Maurícias numa economia baseada no Oceano, sabendo que vai acontecer na próxima década. O grande objectivo é sempre dar uma resposta às aspirações do nosso povo. Porque quem sai agora das universidades não quer trabalhar no turismo, cabe-nos a nós criar oportunidades para essas pessoas.
Como funciona o vosso sistema de ensino superior?
Neste momento temos 4 universidades públicas e 2 privadas, mas temos 52 universidades estrangeiras a liderar programas nas Maurícias – inglesas, francesas, australianas, sul-africanas, indianas.
Ou seja, o conhecimento torna-se um dos pilares da economia.
Sim. Por exemplo, queremos também promover o turismo de saúde, uma vez que temos a maior percentagem de médicos por população em África. Mas há outros números, a seguir à Malásia somos o país do mundo com mais contabilistas per capita, ora se nós temos cerca de 440 fundos domiciliados nas Maurícias, se temos 30 mil companhias envolvidas em negócios globais, precisamos de contabilistas, de advogados, o nosso papel é sempre o de criar condições para a próxima geração.
Desviámo-nos da primeira pergunta, ainda não acabamos a questão do caminho que as Maurícias traçou.
Depois do turismo, quisemos desenvolver as Maurícias como um hub de comércio, por isso criámos os centros de logística e a distribuição. Fomos aprender como estavam a fazer no Dubai, na Irlanda, e adaptámos à nossa realidade, criando os freeports dentro das nossas zonas económicas exclusivas. Depois da logística fomos para os serviços financeiros, começámos a assinar acordos para acabar com a dupla tributação com outros países e criámos assim um elo com o mundo. Estamos hoje também a olhar para a indústria criativa. Recentemente vai ser lançado um filme – Serenity [thriller que tem Matthew McConaughey, Anne Hathaway e Jason Clarke como actores principais] – que foi filmado quase na totalidade nas Maurícias. E cerca de 1/10 dos filmes indianos [a maior produção cinematográfica do mundo] é feita nas Maurícias, porque, como vocês, temos sol o ano todo. Ou seja, mais uma vez, o nosso objectivo é criar oportunidades para todos e o governo acredita nessa missão: que o nosso papel principal é criar oportunidades para o nosso povo e para os investidores. E quando eles vêm para o nosso país, o nosso papel passa a ser facilitar-lhes a vida. Não é por acaso que temos sido sempre dos melhores países do mundo no Doing Business. Temos alguma experiência a partilhar. Queremos agora ser um jogador importante no contexto africano. Não temos a capacidade para investir em todos os países africanos, mas podemos ser um fio condutor. 3 por cento da nossa população tem descendência chinesa, 3 por cento descende de europeus, 60 por cento descende de indianos, por isso temos contactos na China, na Europa e na Índia.
Vêem isso como uma vantagem?
Claro que é uma vantagem. Ligamos tecnologia com mercado. E somos pessoas do mundo. E nos negócios é assim, a matéria-prima está em África, a tecnologia na Ásia e o mercado na Europa e na América, e nós fazemos a ligação entre todos esses pólos.
Não têm a discussão se são mais africanos, ou mais europeus, ou mais asiáticos?
Não, de maneira nenhuma. Afortunadamente, todos os nossos governos sempre promoveram a unidade: o ser mauriciano. Também é verdade que os poderes estão distribuídos. Ainda hoje, os principais donos dos terrenos são descendentes de europeus, muito do comércio está com os descendentes de chineses, muitos dos profissionais especializados são descendentes de indianos, por isso, o poder está distribuído de maneira igual. E os políticos assumem-se como mauricianos, pelo que esta sensação de ser mais europeu ou mais africano não existe. E o governo introduziu que não devemos esquecer as nossas raízes, promovemos a nossa cultura como um todo, é aliás obrigatório ensinar nas escolas uma língua ancestral. Hoje temos pessoas de origem indiana a aprender mandarim, pessoas de origem chinesa a aprenderem hindi, isto é liderança. E nunca esquecendo o grande objectivo: a criação de oportunidades para todos.
A diversificação da economia foi a chave?
O nosso processo de diversificação deveu-se à necessidade de encontrar respostas. Da agricultura, com a melhoria da escolaridade, passámos à manufactura, daí passámos para os serviços – 72 por cento do nosso PIB é serviços – portanto, fomos diversificando para irmos de encontro às aspirações das pessoas. Hoje, o turismo representa um papel importante, mas também temos muito expatriados a viver nas Maurícias e os filhos deles precisam de escolas com características europeias, por isso criámos essas escolas. Mas quem o fez? Não foram os estrangeiros, foram os nacionais. Os expatriados que vivem nas Maurícias precisam de bons hospitais, quem os criou? Os nacionais. E quem tem acesso a essas escolas e a esses hospitais? Todos os mauricianos. Falando no turismo de saúde, no ano passado tratámos dez mil pessoas. Temos clínicas italianas especializadas em cirurgia plástica, temos clínicas especializadas em inseminação artificial. Ainda não estamos ao nível do que se faz na Índia ou na África do Sul, mas estamos a construir e são investimentos feitos pelo nosso povo.
Porque criam oportunidades.
Sempre. O foco é sempre a criação de oportunidades. Eu sei que têm excelentes médicos cabo-verdianos na América. Tenho a certeza que eles gostariam de criar clínicas em Cabo Verde, portanto, há oportunidades, se forem construídas.
A tecnologia é outro dos alvos actuais das Maurícias.
Em termos tecnológicos, criámos um parque de desenvolvimento de TIC em 50 hectares de terreno que criaram emprego para 25 mil pessoas, onde trabalham mais de 600 companhias, é como o Silicon Valley de África. E tudo isto aconteceu em menos de 15 anos. Hoje, as TIC contribuem com 7,2 por cento para o nosso PIB, muito perto do turismo e mais do que a indústria têxtil. TIC, serviços financeiros, hub de educação, hub médico. O truque é acrescentar valor aos nossos produtos. Temos hotéis nas Maurícias que cobraram 5 mil euros por noite, por isso a nossa questão sempre foi, queremos quantidade ou queremos qualidade? Temos 1,3 milhões de turistas por ano, que ficam em média 11,4 noites, queremos mais turistas ou queremos ter mais receitas? Essa sempre foi a nossa grande demanda, queremos fazer t-shirts normais, ou queremos fazer fatos da Hugo Boss? Tudo depende de como se olha para as coisas. Começámos com uma indústria têxtil que fazia cuecas, mas hoje fazemos fatos Hugo Boss, e isso consegue-se desenvolvendo o nosso povo. Hoje temos os nossos designers de moda, os nossos arquitectos, os nossos contabilistas e temos de lhes dar visibilidade. Falei aqui com os produtores de grogue e a nossa história é muito similar, os portugueses também começaram a plantar a cana do açúcar nas Maurícias para fazerem grogue para os marinheiros. É uma boa bebida, mas se quisermos tirar rendimento, temos de lhe acrescentar valor. O vosso melhor grogue é vendido a 20 euros, o nosso melhor rum chega a 255 euros a garrafa. Porque investimos em acrescento de valor. Não vendam o álcool, acrescentem valor. E vejo muitos turistas a partir sem comprar nada local.
Li uma entrevista sua, em que falava da questão do Doing Business, e onde dizia que ser o melhor de África era bom, mas que o objectivo era ser o melhor do mundo.
Aprendemos desde cedo a optimizar as nossas características. Tivemos a nossa independência 3 anos depois de Singapura, hoje o nosso PIB per capita é 13.000 dólares, o de Singapura é de 56.000 dólares, quatro vezes maior. Quando alcançarmos esse valor, Singapura já estará mais acima, portanto, a questão é sempre: como reduzimos essa diferença? Ser o número um em África é uma zona de conforto, sim, mas isso não chega. Outro dos nossos lemas é: não olhem só para o Ocidente, mas sim para o Oriente, o exemplo de Singapura, Hong Kong, o que estão a fazer, aprender com eles. Portanto, ser primeiro em África é apenas a parte da visibilidade, mas temos todos os ingredientes para sermos o número um do mundo: somos um país pequeno, as decisões são tomadas na capital e depois conseguimos fazer com que as coisas aconteçam. Por exemplo, quando Singapura conseguia registar uma empresa num dia, fomos aprender como faziam, mas quando implementámos o processo e conseguimos que se registasse uma empresa em 24h Singapura já tinha conseguido fazer isso em 30 minutos (risos), portanto ainda estamos muito longe deles. E hoje, em África, o Ruanda está a começar a aparecer, o Botswana, a Etiópia, portanto não é apenas a questão de correr, mas sim de correr mais depressa do que os outros. A minha ideia sempre foi, ser número um de África é bom, mas não nos deixemos cair na zona de conforto. Há sempre oportunidade para fazer melhor amanhã do que fazemos hoje e se não o conseguirmos estamos a perder o nosso tempo.
As Maurícias é um dos países mais aberto ao investimento estrangeiro. Não ouvem críticas do género, estamos a vender a nossa terra aos que vêm de fora, ou eles estão a chegar para roubar os nossos trabalhos?
Há duas maneiras de ver essa questão: se queremos criar, digamos, engenheiros de topo, precisamos, no mínimo, de 20 anos. Por isso, o que se faz durante essas duas décadas? É uma questão de política, vamos esperar 20 anos para ter os nossos engenheiros, ou vamos trazer essas pessoas para trabalharem no país e aproveitar para que nos ensinem? A indústria têxtil ensinou-nos uma lição, investidores de Taiwan, Hong Kong, Índia, vieram para as Maurícias, porque nós não tínhamos Know How, mas aprendemos e hoje temos indústria das Maurícias a operar no Sri Lanka, no Bangladesh, na China, na Índia, porque aprendemos com eles. Em resumo, na indústria mauriciana temos sempre espaço para absorver talento. Cerca de 5 mil estrangeiros pediram visto de residência nas Maurícias, e eu acho que podemos conseguir melhor do que isso. Temos muitos estrangeiros a trabalhar na indústria têxtil, mas eles não estão a roubar os nossos trabalhos, pelo contrário, estão a ajudar-nos. Claro que há áreas críticas onde não permitimos a entrada de estrangeiros. Por exemplo, temos muitos médicos, não precisamos de mais, mas se for um médico especialista é muito bem-vindo. Como disse no início, criamos oportunidades e condições, porque sem elas torna-se uma selva. Nos terrenos agrícolas, por exemplo, não se toca, mas há muito terreno sem qualquer préstimo, o que se faz com ele? Nas Maurícias, um país tão pequeno, temos nove centro comerciais, isso é uma das coisas que fazemos nos terrenos que não usamos. Temos oito campos de golfe internacionais. Tudo depende das regras e quem define as regras? Somos nós. Por exemplo, se quiser comprar um terreno para viver nas Maurícias – não é trabalhar, é viver – tem de fazer um determinado investimento e tem garantido o visto de residência para si e para a família enquanto for o dono dessa casa. A partir do momento que a vende, fica sem o visto de residência e passa a ser um turista como qualquer outro. Nós somos um país aberto, estamos isolados, mas não podemos viver em isolamento.
Políticas proteccionistas não fazem parte da vossa visão, portanto.
Não acredito nisso. Se queremos um país de empreendedores, damos-lhes condições, não protecção. É como a metamorfose das borboletas, nós não ajudamos a borboleta a sair do casulo, se o fizermos a borboleta nascerá com deficiências. Damos-lhe as condições para sair e deixamo-la voar. Quanto mais abrirmos a nossa economia, mais hipóteses temos. Claro que há coisas que queremos proteger: o ambiente e o nosso povo.
Li sobre as oportunidades de investimento nas Maurícias, cujas áreas são muito aproximadas às que temos em Cabo Verde: agro-indústria, agricultura, educação, serviços financeiros, serviços de saúde, smart citys (disto ainda não falamos em Cabo Verde), economia dos oceanos, energia renovável. Como está a ser a resposta dos investidores?
Na maioria dessas áreas, a resposta está a partir de empreendedores mauricianos. Suponhamos que criamos uma oportunidade na área da pesca, enquanto governo criamos as condições e a maneira de facilitar o negócio e depois trabalhamos com o sector privado, porque são eles que sabem o que se passa no terreno. Temos um sector privado nacional muito dinâmico, mas demorámos anos a criá-lo.Temos um problema com o sector privado cabo-verdiano que é viver muito à sombra do público.
Passámos pelo mesmo, até que o público decidiu retirar-se dessa função de investidor e deixar que fossem os privados a fazê-lo. E o que vimos foi que houve um trabalho dos nossos empresários para conseguirem parceiros internacionais. Os privados têm de estar esfomeados, ter sempre apetite por mais. E não há problema nenhum em ganhar dinheiro. É com esse dinheiro que se criam empregos qualificados, exportações, etc.
As Maurícias estão neste momento a trabalhar no mapeamento da sua zona marítima para desenvolver o sector da biotecnologia. Ou seja, já estão a desenvolver uma outra área para a próxima década?
Nós somos um país pequeno, mas sabes que temos a maior zona marítima exclusiva de África? E uma das cinco maiores do mundo? Portanto, porque temos de olhar para nós, Cabo Verde inclusive, como uma pequena economia terrestre? Vamos olhar para nós como uma grande economia marítima. Começámos esta discussão em 2002, como fazer das Maurícias uma economia marítima? Nessa altura ainda nem havia a expressão “economia azul”. E hoje olhamos para essa economia em quatro níveis, o que está na água, ou seja, o que podemos fazer para que as coisas aconteçam na água – transportes, bunkering, transhipment –, mas olhamos também para o que está debaixo de água – podemos pescar? Podemos fazer aquacultura? Podemos fazer crescer algas, etc. –, depois há a zona costeira – que actividades podemos desenvolver? – e depois temos o fundo do mar, o que há lá? Não sabemos. As Seychelles descobriram gás, será que também temos, não estamos assim tão longe, talvez lá haja algo. Ou seja, olhamos para o mar de forma holística, e é assim que olhamos para todos os outros sectores. Para desenvolver o sector marítimo precisamos de cientistas, de biólogos, mas a biotecnologia vai para além disso. Por exemplo, temos mais de 350 anos de experiência na agricultura, manufacturamos bom açúcar e temos experiência, mas isso não é suficiente, temos de ter boas sementes, bom fertilizante. Não podemos exportar produtos agrícolas para África, porque no continente também têm boa terra, mas podemos exportar tecnologia. Por isso agora exportamos esse know how para África e criámos um novo sector de exportação para África, melhores sementes, melhores técnicas agrícolas, ou seja, a biotecnologia criou um novo cluster.
Este ano apostaram muito em missões empresariais, inclusive para países como a Rússia, ou seja, não há o medo de expandir os perímetros tradicionais?
Nós olhamos para três níveis: um, consolidar o que temos, dois, diversificar, e três criar sempre novas oportunidades. Nas oportunidades que desenvolvemos vemos onde estão as pessoas e descobrimos que podíamos exportar marisco para a Rússia. Além disso, os russos bebem vodka, e poderíamos pensar que o rum das Maurícias não conseguiria competir com a vodka, mas quando pegamos num rum que custa mais de 200 euros e o pomos ao lado da vodka, o russo vai escolher o rum. É um nicho. Foi o mesmo quando começámos a exportar o nosso rum para o Japão, as pessoas começaram por dizer-nos que nunca conseguiríamos competir com o Saké e hoje exportamos contentores de rum para o Japão. Veja, nós exportamos chá para a China (risos) e agora temos empresas chinesas que estão a produzir chá nas Maurícias para exportar para a China. O nosso objectivo é sempre procurar novos e melhores mercados. E a Rússia proporciona-nos isso, tem pessoas ricas, que gostam de gastar dinheiro, com capacidade de comprarem casas nas Maurícias, que podem vir passar férias ao nosso país, etc.
Ser optimista é importante nos negócios?
O pessimismo é uma limitação. Quando temos alguma coisa que nos faz feliz, queremos sempre algo melhor e só o conseguimos alcançar quando somos optimistas. O pessimismo é apenas adicionar mais uma barreira, é como um corredor dos 100 metros que antes da partida dá um tiro no próprio pé. Isso é ser pessimista (risos). E o pior de ser pessimista, é que se mesmo com um pé ferido conseguir ganhar, vai acabar por dar outro tiro no outro pé. Sabes o que senti em Cabo Verde? Que há um optimismo no ar. Não sei se alguém já mediu o sentimento económico do país, mas para mim há um optimismo generalizado e isso é o mais importante que um governo pode ter.
Portanto, acha que há aqui uma porta aberta para qualquer coisa, mas também sabe que o tempo é limitado, quer dizer, as pessoas não vão ser eternamente optimistas.
Há uma janela e é preciso conseguir usar essa oportunidade. E olha que não vi isto acontecer em muitos países, este sentimento que as pessoas têm que são capazes de fazer. E acho que isso deve ser um forte indicador para os que fazem política.
Do que precisamos então?
Mudar do estamos a fazer para o fazer as coisas acontecer. Na gestão dizemos passar do output para o outcome [da “saída” para o “resultado”]. Não estou preocupado com quem faz o quê, estou preocupado com quem traz o quê. Portanto, o que interessa é o resultado, é o como fazemos acontecer.
Isto não é apenas conversa simpática de circunstância?
Não, está bem para lá disso. Este é o sentimento que tive, que sim, este país tem uma oportunidade. Acredito, enquanto profissional, naquilo que vejo. Não é fácil ser africano, começamos logo com uma imagem negativa (sorriso). Obrigado CNN (risos). Temos mudado essa imagem com muito trabalho. E sempre com a noção que não somos a rapariga mais bonita na festa. Assim que tivermos essa imagem, fazemos tudo para melhorar, de bom para óptimo. O maior entrave ao sucesso é sentirmo-nos bem, porque nunca tentaremos atingir o óptimo. E a competição está aqui à porta, há as Canárias, o Senegal, por isso há que trabalhar. Ver onde está o nicho e [estala os dedos] bang! Tive encontros com os decisores políticos e fiquei impressionado, mas só conversa não ajuda, é trabalhar o que se conversa que interessa. O meu sentimento é que se está a pôr as coisas nos carris. Levará o seu tempo, mas se continuarem o trabalho que têm realizado acredito que a descolagem não estará muito longe.
De qualquer maneira, temos um ambiente político que não é dos mais fáceis, onde a oposição, seja ela qual for, tem sempre como objectivo deitar abaixo o trabalho do governo, seja também ele qual for.
Isso nunca pode ser um problema. O que diz a oposição não interessa, porque eles só podem mesmo fazer isso, falar. Já fazer as coisas acontecer, essa é a responsabilidade de quem governa. Portanto, o que interessa é que o poder executivo, o poder administrativo, o poder judicial, estejam todos a trabalhar na mesma direcção. Isso é que conta. Trabalhei com muitos governos e para fazer as coisas acontecer são necessárias duas coisas: coerência política e alinhamento institucional, todas as pessoas devem seguir cada política que se faz e todas as instituições devem trabalhar para que se alcancem os objectivos. Ou seja, todos os ministérios têm de ter coerência, não pode cada um trabalhar para cada lado, e todas as instituições devem estar alinhadas com esse plano. Veja, o desafio do Doing Business foi assumido pelo próprio Primeiro-Ministro, isto não acontece em muitos países. Cabo Verde está num momento de definição, e qualquer momento tem uma janela curta, que tem de ser aproveitada para criar oportunidades. E as oportunidades não duram para sempre. Veja o caso do Botswana, durante cinquenta anos viveu à custa dos diamantes, mas nem os diamantes duram para sempre (risos) e hoje estão a pensar para além disso e a desenvolver outros sectores. E essa é a parte bonita, ver quando se começa a pensar para lá de. Acham que o turismo aqui vai durar para sempre? Haverá sempre uma rapariga mais bonita a entrar no baile, é preciso pensar para além de.
Penso que as Maurícias ensinaram duas grandes lições ao mundo. A primeira é que um país pequeno, sem recursos naturais, com uma tradição colonial, que passou por uma ditadura, pode chegar aos mais altos níveis de desenvolvimento. Concorda?
Hong Kong, Singapura, Maurícias, todos tivemos a mesma experiência e mostrámos que somos capazes. E nem sequer fomos os pioneiros, houve outros a fazê-lo antes de nós e a fazê-lo melhor. E nós usámos essa experiência para aprender. Não criámos nada de novo, nada. Sempre aprendemos e adaptámos, aprendemos e adaptámos.
E a segunda grande lição é que o James Meade estava totalmente errado.
(risos) Totalmente. Como estava enganado o VS Naipaul. A verdade é que há mais do que aquilo que conseguimos ver. Eles falaram do que conseguiam ver, mas nunca viram o espírito das pessoas das Maurícias. E esse espírito não conhece limites. Acreditamos que se há algo que pode ser feito é melhor que o façamos. Para falar é preciso primeiro conhecer o tamanho da ambição de um país, repito, de um país, essa é uma palavra muito forte. Se Cabo Verde acreditar que é 10 ilhas diferentes não vai a lado nenhum, tem de haver o sentimento de país. Vocês têm um grande país. Fala-se do turismo, mas o turismo é só 22 por cento do PIB, há aqui mais 78 por cento para explorar. Há oportunidades na manufactura, na agricultura, na energia. Vocês são um exemplo, uma história de sucesso saída da adversidade. Há desafios? Há, como a dívida pública. Mas também há oportunidades e razões para estar optimista. É o fazer acontecer que conta. O fazer acontecer.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017.