Quando as Nações Unidas declararam 2017 o ano internacional do turismo sustentável para o desenvolvimento, o objectivo foi promover “uma melhor compreensão entre os povos em todo o mundo, levando a uma maior conscientização sobre o rico património das diversas civilizações”. Ao mesmo tempo, recordava a ONU, era uma “oportunidade única para fazer avançar a contribuição do sector do turismo para os três pilares da sustentabilidade – económica, social e ambiental – aumentando a consciência sobre um sector que é frequentemente subestimado”. Ou, como resumiu então o presidente da Organização Mundial do Turismo Taleb Rifai, “O turismo é, merecidamente, cada vez mais reconhecido como um sector que pode ajudar a inaugurar um mundo melhor”.
Santiago quer entrar nesse caminho do turismo sustentável e que sustente o desenvolvimento das populações da ilha. E já foram dados os primeiros passos. A Associação de Turismo de Santiago (ATS), no terreno há cerca de três anos, resolveu eleger o que chama de case studies. São cerca de 20 empresas seleccionadas, algumas ainda nem sequer são empresas, são projectos ou ideias de empresas, de todos os municípios de Santiago. Entretanto, foi criada uma equipa técnica que vai trabalhar cada uma dessas empresas, ou ideia de empresas, para os ajudar a dar o salto. “Hoje são 20 empresas, dentro de 3 anos queremos que sejam 200 e dentro de 7 anos queremos que sejam 2000 empresas, envolvendo a ilha toda e trabalhando no sentido desse turismo sustentável e inclusivo, que vá ter com as pessoas”, diz ao Expresso das Ilhas Eugénio Inocêncio, presidente da ATS.
De entre essas 20 empresas, que funcionam como case studies, foram seleccionadas duas, em duas regiões do interior de Santiago: uma em Babosa, no concelho de São Salvador do Mundo, na Babosa, e outra em Bassora, no concelho de Santa Catarina. O objectivo é usar essas pequenas empresas como um ponto focal de uma entidade empresarial informal que vai aglutinar agregados familiares tradicionais daquelas zonas.
Em Babosa, por exemplo, foi seleccionada a Quinta da Vovó Joana, uma empresa já organizada, propriedade do arquitecto Jorge Teixeira. Depois da recuperação de uma casa centenária, está a ser desenvolvido um pequeno projecto turístico, com a construção de um hotel rural com 20 quartos. Esse será o ponto focal. “Este projecto só terá sucesso se for um projecto com impacto na comunidade, receber turistas e eles irem embora sem beneficiar o concelho e as diversas comunidades não interessa”, explica Jorge Teixeira. “O projecto surge neste quadro. Infelizmente, soube que os turistas que vêm para Cabo Verde regressam com dinheiro. A minha máxima é: se o turista traz dinheiro para gastar, tem de o gastar no destino. E se trazem para gastar que beneficiem as comunidades. A quinta é o núcleo, mas abrange as comunidades e isso é o meu sonho”.
Em relação às comunidades, o que se pretende? Um projecto duplo, por um lado a requalificação urbana de cada agregado, que passa pela definição do equipamento urbano necessário à volta dessas casas: uma pequena praça, arborização, água canalizada, electricidade e depois uma intervenção sobre esse agregado, nomeadamente ao nível da pintura e da electrificação. “Desafiando os nossos artistas para seleccionarem temas que podem ser desenhados no conjunto das casas”, explica Eugénio Inocêncio. “Por exemplo, o tema trapiche, em que um boi fica numa casa, outro boi noutra, um pedaço do trapiche fica noutra casa, etc. No fundo, que dê visibilidade, estamos a criar postais”. Por outro lado, esta requalificação urbana será acompanhada por pequenos programas de fomento empresarial. Ajudar cada uma das famílias a criar um negócio: um restaurante, um sítio para vender artesanato, um sítio para produzir esse artesanato. “Com uma preocupação importante”, sublinha o presidente da Associação de Turismo de Santiago, “é que as famílias que são agricultores continuem a ser agricultores. Que a agricultura beneficie, que não haja uma desertificação dessa zona, nem migrações para as cidades ou para as outras ilhas. Isso é muito importante e vai garantir a sustentabilidade do nosso turismo”.
Esse programa de fomento empresarial visa também apoiar as famílias que queiram construir um quarto, com casa de banho, internet, no fundo, todas as valências para receber turistas, com o fim de utilizar o turismo como motor de desenvolvimento das localidades e das famílias.
Em Bassora, o ponto focal é igualmente uma empresa que já existe, a pousada propriedade de Júlia Furtado e do marido. As comunidades em volta vão receber o mesmo tipo de apoios de Babosa, mas com uma diferença: como ao lado da pousada há terrenos que estão vagos, o plano é também criar um projecto de imobiliária turística virada para um mercado internacional – “muito interessante e de grande qualidade”, como refere Eugénio Inocêncio – que é o co-working das empresas TIC. “Há muitos profissionais ligados às empresas TIC, a grandes empresas internacionais, que hoje circulam pelo mundo onde trabalham vários meses e saltam de país em país”, diz o presidente da Associação de Turismo de Santiago. “É um mercado constituído por jovens que andam com o computador às costas. Por outro lado, este projecto é também dirigido a quadros reformados, ou em pré-reforma, que querem continuar a exercer a sua actividade, mas noutro sítio que não o país onde sempre viveram”.
Como explica Paulo Martins, Ceo da Prime Consulting, que também esteve presente na reunião, “para os pequenos empreendimentos, ou para esta região, o ambiente tem de permitir uma interacção e deixar conhecimento, acelerando assim o processo de desenvolvimento. Os espaços de co-working são espaços abertos de trabalho, onde as pessoas podem trabalhar vindos de qualquer parte do mundo, com sede de conhecer novas paragens e em contacto próximo com as populações locais. E pelo que tenho falado, com gente em muita parte do mundo, há uma tendência de deslocalizar de Silicon Valley para outras paragens. O Web Summit em Portugal começou a trazer gente para a Europa e daí eles terão de descer e nós estamos numa localização estratégica”.
O co-working é uma das valências da Prime e como refere Paulo Martins, “há a possibilidade de recebermos estes viajantes, que podem dar ideias para inovar, porque geralmente querem contribuir enquanto cá estão. Nos poucos anos em que funcionamos já tivemos franceses, checos, portugueses, holandeses e todos têm vontade de dar a sua contribuição. Se não houver uma comunidade para absorver essa ideia, perde-se a oportunidade”.
“Acreditamos bastante neste projecto”, resume o empresário. “Primeiro reabilitação, depois inclusão e depois este aspecto de co-working. Basta um espaço com internet, com possibilidade de se fazerem palestras, projecções. Será bom mesmo para nós cabo-verdianos, para podemos andar dentro do nosso país”.
“Estamos convencidos que fazendo o que estamos a pensar fazer, poderemos desencadear um processo de imitação, de adaptação e de inovação para o resto da ilha e do país”, considera Eugénio Inocêncio. “Este é um ponto de partida, poderá haver quem queira fazer diferente e com isso estarão a inovar”.
“Há algum tempo que trabalhamos com a associação para identificar o que temos de bom aqui na região e como podemos mudar o paradigma da oferta turística”, refere Ângelo Vaz, presidente da Câmara de São Salvador do Mundo. “Temos condições naturais e devemos tirar vantagem disto. E o mais importante é que o turismo traga rendimentos e que não se limite a passar pela região”.
“A verdade é que o país está na moda. E não irão todos para o Sal e a Boa Vista”, diz o autarca ao Expresso das Ilhas. “Há centenas de turistas a procurar esta região, agora temos de criar as condições para que quando eles vêm deixem rendimento para as famílias. De nada vale investirmos no turismo se as populações não tiverem quaisquer vantagens”.
No encontro para “ouvir e analisar as propostas”, como referiu, o ministro das finanças disse que o governo quer um turismo diversificado, com impacto na população, “para construirmos uma economia inclusiva e sustentável”. Sobre o que ouviu, Olavo Correia considerou o conceito “muito interessante, com um núcleo central mais profissional, mas que depois envolve um conjunto de comunidades com serviços complementares, com qualidade, para que o turista possa viver uma experiência única em Santiago e que deixem rendimento na população”.
Para já, deste encontro do passado dia 4 saiu a decisão do governante para criar um grupo de trabalho, constituído pela Assessora Principal, pelo Presidente da Pró-empresa, pela Presidente da Cabo Verde Trade Invest e pela Associação de Turismo de Santiago, para começar os trabalhos de identificação do método a seguir, apoiado numa ideia central: o da convergência de instrumentos e de competências.
Os dados para o futuro do turismo da maior ilha de Cabo Verde estão lançados. Como resumiu Jorge Teixeira, na mesa redonda que juntou público e privado, “sou um dos sonhadores e estou cá por acreditar na potencialidade que o interior de Santiago tem de vender um produto diferente do que temos estado a vender em Cabo Verde”.