Os desafios de ser empresário na Brava

PorJorge Montezinho,6 jul 2019 2:45

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É conhecida como a Ilha das Flores e descrita como sendo um encanto de lugar. Brava é a ilha mais pequena de Cabo Verde e a mais isolada também. Até ao Fogo são apenas 17 quilómetros de mar, mas é a curta distância de mais difícil travessia em todo o arquipélago, como escreveu Eugénio Tavares: “da Brava para qualquer ponto os ventos são sempre de proa, o mar é sempre picado, as correntes sempre contrárias, o céu sempre toldado e prenhe de ameaças”. Neste contexto, ser empresário é ter de enfrentar todo um oceano de desafios. O presidente da Câmara do Comércio do Sotavento, Jorge Spencer Lima, diz ao Expresso das Ilhas que os investidores bravenses são uns “verdadeiros heróis nacionais”.

Transportes, água, pessoal com boa formação. Os empresários da Brava contactados pelo Expresso das Ilhas, repetem os constrangimentos que enfrentam no seu dia-a-dia. Houve quem arriscasse, houve quem regressasse, houve quem quis investir as poupanças de uma vida na ilha de origem. Há os que se mantêm optimistas e há os que pensam em desistir. Mas a unanimidade é que a Brava é uma das ilhas mais complicadas para ser empresário. 

Ivanildo Tavares é um desses empresários. Há quatro anos abriu o Hotel Cruz Grande, em Vila Nova Sintra, hoje emprega oito pessoas a tempo inteiro, tanto no espaço residencial maior como na pousada que, entretanto, também começou a funcionar. Desafios? Muitos. O principal? Transporte. “Sem transporte não há turistas. Sem turistas não há nada”, resume ao Expresso das Ilhas. E mais do que transporte, é necessário que esta seja regular, que permita aos que visitam a ilha ter a certeza dos seus planos.

“Queria que se melhorasse a questão dos transportes para dar garantia, principalmente para os estrangeiros, porque normalmente eles fazem programas de ida e volta e quando não têm programa de regresso, cancelam tudo. Temos sempre esse problema do pessoal cancelar à última da hora por causa dos transportes”, diz Ivanildo Tavares.

Com uma população de 5.521 pessoas (segundo os dados do INE) e com uma taxa de alfabetização de 89,0% (que sobe para os 96.9% no intervalo de idade entre os 15 e os 24 anos), mesmo assim, sublinha o empresário hoteleiro, é difícil encontrar mão-de-obra com boa formação. “Precisamos de formação, para mudar a mentalidade. Dou-lhe um exemplo, financiámos um jovem para fazer formação de gestão de unidade hoteleira, na Praia, ele veio, trabalhou seis meses. Entretanto, teve uma proposta para ir trabalhar nos Estados Unidos, largou tudo e foi-se embora. Ficámos com o prejuízo de termos pago uma formação de um ano e meio. Os que temos agora a trabalhar têm problemas de línguas e dificuldade de aprendizagem”.

Esta é uma das questões também referida por Eugénia Martins, proprietária do Restaurante/Residencial O Castelo. “A maioria das pessoas não tem escola suficiente, não sabem línguas, os que têm estudos vão para o Fogo, para Santiago, ou para os Estudos Unidos e não voltam. É difícil encontrar pessoas a trabalhar”.

A sorte desta empresária é que foi ela própria emigrante nos Estados Unidos, quando é preciso falar com algum hóspede estrangeiro, é ela quem puxa do seu inglês para lhe dar todas as informações.

Eugénia Martins regressou à Brava em 2007. Reconstruiu uma das casas tradicionais de Vila Nova Sintra e, quase sem dar conta, o negócio começou. Apareciam-lhe à porta pessoas a perguntar se tinha quartos para alugar, ou comida para vender. Por isso, um ano depois estava a abrir o restaurante/residencial. Hoje luta com várias dificuldades.

“Transporte, água, problemas básicos, porque só nos dão água duas vezes por semana e temos de ter um tanque grande o suficiente para os outros dias, porque nem há para comprar. Temos uma casa antiga com cisterna, quando falta no hotel, uso a da casa”, conta ao Expresso das Ilhas. “Muita gente quer vir”, continua, “mas têm medo de ficar sem poder sair da Brava por causa do transporte. Os cancelamentos acontecem muitas vezes”.

O futuro? Para já, sem certezas. “Neste momento estou a ficar cansada. Às vezes penso em vender o hotel, porque estando sozinha não consigo acompanhar tudo, os empregados não ajudam. É complicado ter negócios aqui” sublinha Eugénio Martins.

Do outro lado do Porto da Furna, quase em linha recta, fica Fajã d’Água, uma pequena baía recortada na escarpa, com uma fileira de casas térreas e coloridas. É nesta localidade que José Andrade tem os seus vários empreendimentos, uns a funcionar, outros à espera de melhores dias. Depois de trinta anos emigrado em França, regressou há duas décadas e tem investido as poupanças de uma vida na ilha. Produção de grogue, agricultura, criação de animais e hotelaria são alguns dos projectos que pôs ou tem em andamento.

Principal desafio? O transporte. “Para qualquer actividade precisamos de transporte. E trazer coisas da Praia fica caríssimo. Para trazer ração tenho de pagar ordem de embarque, transporte do porto até Fajã d’Água e competir dentro de uma sociedade pobre, é quase impossível, porque o preço, para mim, fica muito elevado”, diz ao Expresso das Ilhas. “A construção aqui fica sempre mais caro que nas outras ilhas e estamos sempre sem saber se temos transportes ou não. Por causa da irregularidade do barco, muitas vezes não encontramos produtos. É complicado. É uma vida muito difícil para os empresários”.

Neste momento mais dedicado à produção agrícola e à criação de animais. O mercado devia ser todo o arquipélago, mas nem sempre é assim. “Só para lhe dar um exemplo, eu crio porcos e cerca de 300 a 400 quilos de tomate foram dados aos porcos porque não tinha possibilidade de os tirar da ilha, por falta de barcos e por causa do preço. É esse o tipo de problema de encontramos aqui”, refere José Andrade.

Apesar de todos os constrangimentos, diz-se optimista. Para breve está a produção de grogue para o mercado de nicho, interno. Chegou a pensar em exportar, chegou a ter tudo acordado com um contacto nos EUA, já tinha licença de importação e exportação, mas depois do outro lado mudaram as condições combinadas. Desistiu do envio para fora. “A minha aposta será conquistar o mercado interno”.

Se tudo correr como planeado, as primeiras garrafas deverão estar nas prateleiras em Novembro ou Dezembro. “Penso que posso atingir mil garrafas por ano, por enquanto, e o objectivo é conseguir mais. Estou a fazer um produto de qualidade, por isso quero limitar a produção na qualidade e não na quantidade, não sei se vou passar os 2 a 3 mil litros por ano”.

Já o empreendimento turístico está parado por causa da dificuldade de ter pessoas para trabalhar. “Estou agora a tratar com pessoas de fora, para ver se encontro alguém que fique aqui. Tenho intenção de abrir novamente”, diz.

Quando questionado sobre o futuro, José Andrade sorri. “Sou uma pessoa optimista por natureza, penso sempre que as coisas vão melhorar. Vivi fora, tinha uma boa vida e resolvi voltar e investir aqui porque acredito nesta ilha. Penso que vamos conseguir melhorar, mas por enquanto lutamos com estas dificuldades. Estamos ainda a bater nas portas”.

O Expresso das Ilhas contactou o presidente da Câmara do Comércio do Sotavento e Jorge Spencer Lima diz não ter dúvidas que os transportes e a água são questões infra-estruturais que têm de ser resolvidas, urgentemente. “O problema dos transportes é transversal a todo o empresariado nacional e na Brava é ainda pior. Devido ao isolamento da ilha e também porque só tem acesso marítimo. Quando o barco faz o seu trabalho, faz bem, mas o problema é quando não faz, seja por problemas técnicos, seja do mar, nunca se preveniu uma alternativa. Isso causa um grande constrangimento, não só no abastecimento da própria ilha, mas também no turismo, numa altura em que se está atentar fazer a ligação turística entre Brava e Fogo, mas já houve tantas falhas que as pessoas já começam a ficar desconfiadas. O turista quando vai à Brava vai com os dias contados, se o barco não vem hoje, nem amanhã, os turistas desistem. Têm de haver soluções alternativas”.

“O governo não pode lavar as mãos das questões de unificação do nosso território. É um dos nossos grandes problemas. Quando somos penalizados ao nível do Doing Business é por causa do nosso mercado, por ser pequeno e fragmentado. Em relação ao mercado pequeno, não podemos fazer nada, mas unir Cabo Verde podemos e temos essa obrigação. Não podemos continuar a deixar as ilhas isoladas e que o sistema funcione mal até hoje”, diz Spencer Lima.

Além do transporte estar ao sabor das marés, os preços são altos. Concorrer no mercado interno torna-se quase impossível. “Dizer que o preço é caro é favor, são caríssimos, e isso bloqueia o desenvolvimento dos negócios, das empresas, as iniciativas privadas, porque cada um fica no seu mercadinho que é uma ilha. Quem vive numa grande como Santiago pode ir desenrascando, mas quem vive no Maio, desespera, e quem vive na Brava, coitado, não tem sequer mercado. E não há negócio que consiga sobreviver a estas situações de estar a desenvolver-se em pequenos pedacinhos do território nacional”.

“Os empresários da Brava são os verdadeiros heróis nacionais”, sublinha o presidente da Câmara do Comércio do Sotavento. “Trabalharem da forma como trabalham, apesar das dificuldades que enfrentam, umas reais e outras inventadas pelo sistema, pela burocracia, às pessoas que não dão atenção às especificidades dos lugares. São dificuldades que nós é que inventamos aqui em Cabo Verde. Quanto às dificuldades do país, paciência, mas as dificuldades inventadas pelo sistema, pela burocracia, pelas pessoas que não sabem o que estão a fazer, isso tem que acabar, mas ainda continua. Enquanto isso continua, as dificuldades e os problemas vão continuar, e este país não vai desenvolver-se”.

Jorge Spencer Lima deslocou-se recentemente à Brava, para encontros com os empresários locais e, apesar de todas estas dificuldades, garante ao Expresso das Ilhas que lhes levou uma mensagem positiva. “Alguma coisa tem sido feita, temos de dizer. Um dos grandes problemas que tínhamos era o financiamento à economia e às empresas e, de facto, temos observado várias iniciativas, tomadas pelo governo, no sentido de resolver esse problema. Alguns já começam a dar os seus efeitos positivos, outros estão no caminho. Temos várias medidas para melhorar o ambiente de negócios em Cabo Verde. Têm sido tomadas, é certo, mas o problema é que a sua implementação está lenta. O que reclamamos é o ritmo a que as coisas estão a ser feitas. Está lento. A nossa mensagem é de alento, há medidas a serem tomadas, e vão chegar. Agora o que queremos é que essas medidas cheguem enquanto estamos vivos, não precisamos de medidas lindas para vir ressuscitar mortos. Daí que é preciso que essas medidas tenham o seu efeito prático hoje e agora. Não é para amanhã, nem para depois de amanhã” conclui o presidente da Câmara de Comércio do Sotavento.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 918 de 3 de Julho de 2019. 

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Autoria:Jorge Montezinho,6 jul 2019 2:45

Editado porSara Almeida  em  1 abr 2020 23:21

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