Compra e venda de cabelo revela-se num negócio lucrativo

PorSheilla Ribeiro,6 set 2020 7:46

Liso, cacheado, crespo, humanos ou artificiais. O importante é estar bonita. As perucas e apliques sintéticos hoje fazem a cabeça e os negócios de muita gente em todo mundo e Cabo Verde não foge à regra. Nesta reportagem falamos com pessoas que compram e vendem cabelo de todo o tipo, preço e qualidade.

Natural de Serra Leoa, Abi Pratama vive na Praia há mais de 15 anos. Ao chegar a Cabo Verde, montou na Sucupira um negócio de produtos electrónicos mas, ao perceber que podia ganhar mais com a venda dos cabelos mudou de ramo de negócio.

“Vendo perucas, cabelos para fazer tranças e também para coser. Trago os cabelos do Senegal e do Brasil. As perucas e as tissangens vêm do Brasil, as de tranças vêm do Senegal”, conta a comerciante.

A cada quatro meses Abi vai a Dakar ou ao Brasil repor o estoque. Ao chegar a Cabo Verde define os preços dependendo do tipo do cabelo. Na sua loja, o cabelo mais barato custa 500 escudos e serve para fazer tranças. Os outros podem custar entre 5 mil e 10 mil escudos.

“Antes, o cabelo custava mais, mas agora o preço baixou. Posso dizer que hoje já não ganhamos tanto com cabelo como antes porque há muitas pessoas a vender cabelo. Hoje há quem viaje para Brasil, Portugal e até mesmo Espanha só para ir comprar cabelo e vir vender. Além disso, desde que os chineses trouxeram cabelo as vendas despencaram”, conta.

Segundo Abi Pratama, o facto de os chineses venderem num preço mais baixo, influenciou a queda das vendas, ainda que não vendam cabelos humanos. Se antes as vendas não estavam a correr bem, hoje, com a crise provocada pela pandemia, a comerciante pensa deixar de vender cabelos.

“Estou à espera de abrirem as fronteiras para ir a Dakar comprar mais cabelo. Se depois disso as vendas não melhorarem vou deixar de vender cabelo. Estou inclusive a pensar vender produtos para cabelo natural, uma grande aposta actualmente”, refere.

A venda dos centímetros

Elida Teixeira sempre ajudou uma amiga a vender cabelos humanos oriundos do Brasil, quando há três anos decidiu montar o próprio negócio no bairro de Achadinha. Viajou para Portugal e na bagagem trouxe o seu investimento, cabelos 100% humanos.

“Hoje vendo cabelo permanente liso, caipira e permanente afro, todos cabelos 100% humano. O cabelo caipira é um cabelo humano preparado para fazer cachos. O permanente liso é o cabelo indiano. O permanente afro também faz cachos, a diferença é que é um cabelo curtinho. O que difere o cabelo caipira do indiano é que o caipira pode ser usado liso, caso a pessoa quiser passar secador e, ao lavá-lo, volta aos cachos”, explana.

O permanente indiano, conforme narra esta comerciante, é comprado em Portugal, enquanto o caipira e o permanente afro compra numa outra pessoa que importa do Brasil.

“O cabelo caipira é o cabelo mais caro. Mas cada cabelo, dependendo do grama e dos centímetros tem um preço. 300 Gramas e 10 centímetros do permanente indiano custa 20 mil escudos, 12 centímetros vendo por 25 contos e 15 centímetros vendo por 28 contos. Há ainda de 16 e 18 centímetros”, descreve.

A lojista detalha ainda que no seu espaço, além de vender os cabelos, as clientes podem fazer a aplicação. Na compra de cabelo a partir de 300 gramas, a cliente paga apenas 600 escudos para o aplique. A partir de 400 gramas de cabelo, a pessoa tem de pagar 1.000 escudos.

Para Elida Teixeira, o cabelo é um negócio rentável, apesar de agora estar estremecido devido à COVID-19. Antes da pandemia viajava para Portugal a cada dois meses para refazer o estoque. Todavia, há 7 meses que não viaja.

“Antes, dependendo das vendas assim eram as compras que eu fazia. A menor quantidade que eu trouxe até agora foram 4 quilos de cabelo. Com esta pandemia, depois que começaram a vir alguns voos mandei buscar 10 quilos, já que não sei quando vou viajar. Eu negociei com o revendedor pela internet, mandei dinheiro, a pessoa vai buscar o cabelo e depois vai para o aeroporto ver quem pode trazer numa mala”, menciona.

Há muita procura por cabelo, de acordo com esta entrevistada. Apesar disso, hoje há menos clientes devido à muita oferta no mercado.

Vindos da China

Desde 2016 que a loja Aaron, popularmente conhecido como “Loja dos cabelos” fornece aos praienses cabelos artificiais de todos os tipos vindos da China. O mais procurado é o cabelo para tranças.

“Vendemos cabelo e produtos para cabelos como cremes de pentear, gel, embora o nosso foco seja o cabelo. Temos vários tipos de cabelo e perucas, todos artificiais, mas o que mais vende é o cabelo para fazer tranças. Há vários tipos de cabelos para tranças e o mais procurado é de dois metros, de cor preta, nº 9”, relata Maria Gomes, gerente.

Todos os dias sai “muito cabelo”, quer a grosso, quer a retalho. Na capital, do interior, dentro e fora da ilha de Santiago recebem encomendas todos os dias. Os preços variam entre 130 escudos, cabelos para tranças, e 1.100, cabelos para pentear rabos-de-cavalo.

“O de 1.100 é mais caro que o restante porque quando chega aqui na loja temos de trabalhá-lo. Temos de pagar alguém para isso. É preciso passar pela máquina de costura, passamo-lo num pó que o vai deixar pronto para uso, além de outros produtos antes de embalar. É um trabalho que exige concentração. Temos outros cabelos que trabalhamos antes de vender”, especifica.

Maria Gomes declara que os cabelos são oriundos da China, país de origem do seu patrão. Conforme forem as vendas, assim é a quantidade de cabelos que recebem da vez seguinte.

O investimento no cabelo

A contabilista Carla Sequeira sempre usou tranças postiças. Na sua primeira viagem para Portugal, em 2001, usou pela primeira vez extensões humanas. Desde então é regular a troca de cabelos que ora são pretos, ora loiros, por vezes longos, por vezes médios. Quando está muito calor usa o próprio cabelo à moda “rapazinho”.

“Não é uma questão de trocar de cabelo, mas de mudar o meu visual, eu sou uma pessoa que não gosta muito de estar sempre da mesma forma. Gosto de estar bem comigo mesma e mudar o cabelo é algo que me faz sentir bem. Se fosse apenas uma questão do cabelo eu não cortaria o meu cabelo no zero. Gosto de pensar que sou meio parecida com o camaleão, gosto de ser o que eu quiser sem medo de mudar”, reitera.

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Para esta entrevistada, o preço não importa desde que goste do cabelo. O tempo que passa com cada cabelo também é irrelevante, uma vez que pode “pentear hoje e trocar de cabelo amanhã”.

“O único tempo que respeito é o tempo máximo que uma pessoa pode ter com aquele cabelo. Se eu fizer tranças, que podem durar um mês, significa que um mês é o tempo máximo que terei com aquele cabelo, não ultrapassa esse mês”, admite.

Antes de tirar um cabelo, vai ao salão para lavar e hidratar, para depois guardar. Assegura que nunca deixa o cabelo comprado no salão por ser “um investimento na beleza”.

O maior valor que gastou na compra de cabelos, no país, foi 40 mil escudos. Isto porque, conforme explica, teve de comprar mais de 300 gramas para que ficasse muito volumoso. Em Portugal, a última compra ficou por 350 euros.

“O mais barato que comprei foi um afro que custou 22 mil escudos. Mas tenho uma prima que sempre me oferecia extensões, nem todos os cabelos que eu tenho tive de comprar”, informa.

Para além de comprar o cabelo, Carla também compra produtos como máscaras de tratamento e cremes de pentear. No entanto, ao contrário do valor que paga para ter o cabelo, gasta pouco com os produtos de cuidado.

“Os produtos para cabelo que compro são básicos, sem me importar com a marca, basta proporcionar o aspecto que almejo. Ainda brinco com as minhas amigas que o cabelo não é meu e que por isso não compro produtos caros, basta cheirar bem e que esteja bem lavadinho, além de fazer os penteados que eu desejar. A minha grande preocupação é que a raiz esteja sempre seca. Se não ficar bem seco na raiz pode acumular resíduos e a pior coisa que existe é uma pessoa com o cabelo que cheira mal”, considera.

Sequeira reconta que há poucas semanas teve a sua primeira experiência com cabelo orgânico. Cada molho do cabelo custou-lhe 600 escudos e por ter comprado cinco molhos gastou um total de 3 mil escudos.

Independentemente de ser mais barato, a contabilista prefere gastar mais para ter um cabelo humano, visto que pode usar por mais tempo e mais do que uma vez.

“É melhor investir num cabelo humano e cuidar bem. Mas se eu não puder comprar um cabelo humano não faço nenhum sacrifício para tê-lo”, pondera.

Carla possui em casa um lugar “especial” para guardar os cabelos e assegura que não se arrepende de os ter comprado.

“Pode passar anos mas não esqueço de nenhum. Nunca me arrependo de todo o dinheiro que gastei com os meus cabelos porque é algo de que gosto. E eu sempre me preparo para os comprar. Agora, se eu comprar um cabelo e algo der errado sempre devolvo para a pessoa que me vendeu”, enfatiza.

 E quem vende o próprio cabelo?

Se por um lado há quem gaste 30 mil escudos para adquirir o cabelo, por outro lado há quem venda o próprio cabelo a partir de 15 mil escudos, dependendo do estado e do comprimento da juba.

Este é o caso de Celisa Silva, uma mulher que embora goste de ter um cabelão, diz ter preguiça de pentear e passar horas cuidando dele.

“Há quem goste do meu tipo de cabelo mas eu preferia ter um cabelo afro, só que o meu é fininho, ondulado. Mas, como infelizmente não fica afro, eu corto sempre para que fique com mais volume. O meu cabelo cresce muito”, pormenoriza.

Celisa vendeu o cabelo pela primeira vez há 7 anos, quando as colegas de trabalho a convenceram que podia ganhar dinheiro ao invés de simplesmente cortá-lo e deitar fora. Na altura, lembra, tinha o cabelo na cintura.

“Não foi tanto uma questão de dinheiro, foi mais uma questão de não deitar no lixo. Fui a um salão para cortar porque os cabeleireiros fazem um corte mais bonito, mas já tinha um cliente a quem levasse o cabelo. Cortei, pus o cabelo num saco e levei para a pessoa que queria comprar”, memora.

Uma das razões que levou Celisa a optar pelo corte foi o facto de estar com o cabelo pintado, já que a tinta fez com que o cabelo ficasse ainda menos denso.

“Na altura, ofereceram-me 17 mil escudos pelo cabelo porque o meu cabelo não é denso, é ondulado, não chega a ser cacheado, é ondulado e comprido”, profere, acrescentando que o preço foi influenciado pela coloração.

Dois anos e meio depois, quando o cabelo já estava no meio das costas Celisa resolveu que o ia vender outra vez. E mesmo com coloração, preparou-se para a venda, fazendo tratamentos que prometiam um cabelo mais forte.

Pelo comprimento, vendeu a juba por 15 mil escudos a uma pessoa diferente.

“Quem comprou foi uma espanhola que morava em Cidadela. Um ex-colega de trabalho disse que eu vendia cabelo e ela entrou em contacto comigo”, comenta.

Da terceira vez que resolveu vender o cabelo, teve de cancelar o negócio, dado que o preço “não era aceitável”. O cabelo ia ser utilizado na fabricação de franjas.

“Ofereceram pouco dinheiro com a justificativa de que eu tinha muita coloração no cabelo”, alega.

Por agora, não pensa vender o cabelo. O plano é cortá-lo até a raiz para crescer natural e mais forte. Esta decisão é motivada pelo facto de que quem compra o cabelo prefere natural e sem químicos, o que facilita a revenda sem ser preciso gastar com tratamentos.

“Com químico tem de se dar um tratamento para que o cabelo não estrague. Natural, a pessoa pode vender logo a seguir à compra”, revela.

O Expresso das ilhas tentou ouvir algumas pessoas que compram o cabelo para revender, todavia essas recusaram a prestar declarações com a justificativa de não querer “estragar” o negócio. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 979 de 2 de Setembro de 2020.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,6 set 2020 7:46

Editado porSara Almeida  em  18 jun 2021 23:21

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