Em entrevista à agência Lusa, Ulisses Correia e Silva assumiu que a situação que a CVA atravessa, com o arquipélago encerrado às ligações aéreas internacionais regulares para travar a pandemia de covid-19, é idêntica à da “maior parte das companhias aéreas do mundo”.
“Isto relativamente à não realização de voos e as consequências económicas e financeiras daí advenientes. As soluções de viabilização das companhias no contexto da pandemia do coronavírus não são fáceis na Alemanha, em França, em Portugal, em qualquer outro país e obviamente também em Cabo Verde”, disse.
O chefe do Governo acrescentou que o executivo está a trabalhar com a administração da CVA – desde Março de 2019 liderada por investidores islandeses - num “quadro complexo” de apoio, mas deixou a garantia: “Sendo certo que qualquer que seja a decisão final, a CVA continuará a existir e a ser a companhia de bandeira”.
Há várias semanas que são conhecidas negociações entre o Governo e a administração da CVA sobre o apoio estatal à companhia, ainda sem entendimento.
Em causa está uma companhia privatizada há um ano e meio, em que o Estado ainda detém uma participação no capital social de 39%, mas que está totalmente parada desde a suspensão dos voos internacionais para o arquipélago.
Cabo Verde permanece encerrado a voos internacionais, mantendo apenas, desde 01 de Agosto, um "corredor aéreo" com Portugal para "voos essenciais" nos dois sentidos, que obrigam à apresentação de testes negativos à covid-19.
Quanto à retoma das ligações aéreas internacionais regulares, que já chegou a estar prevista para Julho e depois para agosto, os únicos que a CVA operava através da aposta no 'hub' internacional na ilha do Sal, o primeiro-ministro não se compromete com datas.
"Voos internacionais estão a ser realizados, em condições específicas, de e para Portugal. O regresso de voos internacionais em regime de normalidade ou mesmo condicionado não depende da vontade e iniciativa de Cabo Verde, mas de países terceiros. Por isso não lhe posso indicar datas", disse ainda.
Em Março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da então empresa pública TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da CVA) e em 30% por empresários islandeses com experiência no sector da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
O Governo cabo-verdiano concluiu este ano a venda de 10% das ações da CVA a trabalhadores e emigrantes, mas os 39% restantes, que deveriam ser alienados em bolsa, a investidores privados, vão para já ficar no domínio do Estado, decisão anunciada pelo executivo devido aos efeitos da pandemia.
A administração da CVA divulgou em Agosto passado a necessidade de uma injeção financeira para "melhorar a liquidez actual da empresa em benefício de seus funcionários, credores e todas as demais partes interessadas".
Antes da crise provocada pela pandemia de covid-19, a administração da CVA já tinha apontado que a companhia necessitava com urgência de um empréstimo de longo prazo para garantir a sua operacionalidade.
A CVA transportou quase 345 mil passageiros no primeiro ano (01 de Março de 2019 a 28 de Fevereiro de 2020) após a privatização de 51% da companhia, um aumento de 136% face ao período anterior, segundo dados fornecidos à Lusa pela empresa.
Cabo Verde “apreciou muito” moratória de Portugal mas espera mais
O primeiro-ministro afirmou, ainda, na entrevista à Lusaque o arquipélago “apreciou muito” a moratória aprovada por Portugal ao pagamento da dívida cabo-verdiana, devido às consequências económicas da pandemia de covid-19, mas pede que se faça mais.
Ulisses Correia e Silva recordou que “uma parte importante da dívida bilateral” do país “é com Portugal, a grande maioria empréstimos comerciais bonificados pelo Governo português”, daí a importância da moratória, até final do ano, anunciada em Agosto por Lisboa.
“Apreciamos muito. Pode fazer mais, no quadro multilateral de alívio da dívida externa, cujo modelo e condições ainda não estão definidos e dependem de credores e de abordagem concertada entre países”, afirmou Ulisses Correia e Silva.
O Governo português concedeu uma moratória, até 31 de Dezembro de 2020, sobre os empréstimos directos concedidos a Cabo Verde e a São Tomé e Príncipe, segundo um comunicado conjunto dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, divulgado no início de Agosto.
Segundo o executivo, “a adopção desta medida de suspensão do pagamento de capital e juros vai determinar uma negociação, até Setembro próximo, de acordos de moratória" com os dois países africanos de língua oficial portuguesa e o "estabelecimento de novo plano e condições de empréstimos".
Esta moratória integra o "quadro de medidas de mitigação dos impactos económicos, sociais e sanitários provocados pela pandemia de covid-19", refere-se ainda na nota.
A medida do executivo liderado por António Costa responde ao repto lançado pelo Clube de Paris, entidade criada informalmente em 1956 para apoiar países em dificuldades económicas, e pelo G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, “a todos os credores bilaterais oficiais e privados, para uma mobilização mundial no apoio aos países menos desenvolvidos, através da ‘Iniciativa de suspensão do serviço de dívida’”, acrescenta-se na nota.
O vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, defendeu no final de Julho uma “reconversão” da dívida de 600 milhões de euros a Portugal em “investimentos estratégicos” no arquipélago, em “condições” que sejam “do interesse” de ambos os países.
A posição foi assumida por Olavo Correia, que é também ministro das Finanças, tendo sublinhado que Portugal “é um parceiro estratégico”.
“É o maior credor da dívida externa cabo-verdiana, entre financiamento bilateral e operações com a banca estamos a falar de aproximadamente de 600 milhões de euros”, reconheceu o governante, acrescentando que a abordagem, no futuro, passa pela “reconversão dessa dívida em investimentos estratégicos nos mais diversos domínios”.
“Do digital, à transformação agrícola, das energias renováveis, da educação, da transformação de Cabo Verde enquanto país plataforma, mas também a inclusão social e da promoção da qualificação das instituições. Uma reconversão em condições que poderão ser do interesse de Cabo Verde e de Portugal”, sublinhou Olavo Correia.
Cabo Verde vive já uma crise económica provocada pela pandemia de covid-19, com o sector do turismo, que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB), parado desde Março. Para colmatar a falta de receitas fiscais e face ao aumento das despesas com prestações sociais e cuidados de saúde, o Governo anunciou que já negociou moratórias para o pagamento da dívida do país.
A dívida externa de Cabo Verde ronda actualmente os 1,6 mil milhões de euros, com a previsão de chegar aos 150% do PIB em 2021, devido aos efeitos da pandemia de covid-19.
Cabo Verde regista um acumulado de 4.330 casos de covid-19 diagnosticados desde 19 de Março, com 42 mortes associadas à doença.