“O Plano Estratégico de Água e Saneamento, chamado PLENAS, que é a nossa ‘bíblia’ prevê que cada pessoa deve ter no mínimo 40 litros de água por dia, até o máximo de 90 litros. Prevê ainda que nenhuma família gaste 5% do seu rendimento em água e saneamento e lá onde a condição do relevo não permite, ninguém possa andar mais do que 10 minutos até uma fonte de água segura. Estamos neste momento num bom caminho para cumprir essas metas”, explicou.
Segundo Miguel Ângelo da Moura, até final de 2020, o país cumpriu a primeira meta, uma vez que de 2016 a 2020 passou de 30 litros de água por pessoa/dia para 43 litros. Agora, acredita que restam os “grandes desafios” para ter água de forma perene para toda a gente e para todas as actividades económicas.
O presidente da ANAS refere que em Cabo Verde a água, além de ser essencial, é escassa e cara. E para contornar a escassez da água, devido à falta de chuva, investe-se na dessalinização da água do mar.
“Neste momento, 7 das 9 ilhas habitadas, já são abastecidas total ou parcialmente com água dessalinizada. Actualmente apenas Fogo e Brava não dispõem de água dessalinizada. Significa que mais de 70% da população seguramente é abastecida com água dessalinizada. As outras ilhas têm a mistura de água doce, das nascentes e dos furos, com a água dessalinizada”, avançou.
Ainda este ano, prosseguiu, a ilha Brava vai ter o seu dessalinizador de água do mar, de modo a transformá-la em água doce. Isto porque, segundo o presidente da ANAS, toda a ilha era alimentada por duas nascentes que, com a falta de chuva, viu o seu volume de água diminuído.
“Também com o aumento da população e das actividades económicas fica menos água para as actividades e para as pessoas. Assim, o governo vai investir cerca de 4,5 milhões de euros para mobilizar água dessalinizada para o consumo humano, na Brava”, anunciou.
Valorização da Água
Nas suas declarações, Miguel Ângelo da Moura garantiu que, por se ter a consciência de que a água é um bem escasso no país, desde 1975 os sucessivos governos têm investido na sua mobilização para as actividades económicas, bem como para o consumo humano e também para a agricultura.
Os investimentos na mobilização de água, sustentou, levaram Cabo Verde a ser um dos primeiros países a cumprir os objectivos do milénio.
“Felizmente, em Cabo Verde há a consciência de que a água é um bem raro, económico e social. Por isso, todos nós pagamos por ela. Significa que as pessoas que valorizam o seu dinheiro têm a noção de que têm de cuidar da água. Mas, ainda não estamos na etapa ideal da sensibilização. Temos que continuar a fazer este trabalho inclusivamente para valorizar os recursos das pessoas”, pontuou.
Além de ser essencial para os recursos das pessoas, Miguel Ângelo da Moura frisou a importância ambiental da valorização deste líquido.
“Quando se poupa água em casa, as autoridades têm menos necessidade de pressionar os recursos, de pressionar a água que está nas nascentes, nos furos. Ou seja, somos obrigados a retirar menos água para colocar no circuito. Mas, tem uma outra vertente que é a ética. Quanto mais água se poupar hoje, mais água teremos para a geração seguinte”, mencionou.
O consumo da água e a pandemia
Embora não saiba precisar se houve ou não o aumento de consumo da água durante o período de confinamento imposto pela pandemia da COVID-19, o presidente da ANAS fala em transferência de consumo.
“Há mais pessoas em maior número de horas em casa e é normal que haja maior consumo. Por exemplo, se durante o período normal as crianças estavam na escola, consumiam grande parte de água da necessidade diária em líquido nas escolas, esse consumo foi transferido para a casa. As pessoas que consumiam grande parte das necessidades de água no trabalho transferiram esse consumo para as suas casas. Pode ser que haja apenas uma transferência de consumo”, considerou.
Mas, por causa das indicações das autoridades sanitárias de maior higiene, que requerem maior consumo de água para prevenir o contágio, o dirigente da ANAS não descarta a possibilidade do aumento do consumo.
“Por outro lado, como algumas actividades industriais que têm a ver directa ou indirectamente com o consumo de água pararam, é normal que tenha havido alguma oscilação. Ainda não calculamos para ver se houve de facto um aumento ou diminuição. Vamos avaliar o impacto da COVID-19 nas fontes de água, no consumo”, revelou.
Ganhos
Para Miguel Ângelo da Moura, actualmente o país tem um modelo de governança de água que é raro na região continental.
“Nós, anualmente, publicamos o Relatório Anual de Abastecimento de Água e Saneamento, onde informamos a população da quantidade, da qualidade dos serviços e do desempenho das empresas de água e saneamento”, referiu.
Além dos ganhos organizacionais, apontou que enquanto em 2016 66.4% da população de Cabo Verde tinha acesso à água nas redes, hoje cerca de 72% têm acesso ao mesmo na rede.
Poupar água em casa
Suzete Carvalho, dona de casa, tem água canalizada em casa. Além do reservatório, conta, possui dois barris de modo a evitar abrir a torneira constantemente.
“Reservamos a água para o caso de faltar na rede e também para que a conta do final do mês não seja muito elevada. Ao encher os barris, mais o reservatório, dá para aguentar duas semanas com a água”, diz.
Apesar de não controlar a quantidade de água que gasta para cada tarefa, Suzete Carvalho garante que sempre arranja formas de poupar água. Por exemplo, na casa de banho, com excepção do banho, a família usa a água directamente das torneiras.
“Na cozinha usamos uma banheira para colocar água e lavar a louça ao invés de abrir a torneira descontroladamente. Até porque no nosso país, a água é um bem precioso e não nos podemos dar ao luxo de o gastar desnecessariamente”, considera.
Com a chegada da pandemia, entretanto, Carvalho diz que o consumo de água aumentou. Conforme justifica, além de lavar as mãos com mais frequência, a família passou a limpar constantemente as superfícies e as compras com água e lixívia, além de lavar a roupa mais vezes.
Na casa de Olívia Luz a água também é canalizada. Ao contrário de Suzete, esta não possui reservatório, apenas dois barris de modo a evitar usar água directamente das torneiras.
“Ao encher os barris, tiro dali a água para tomar banho, lavar a roupa, tudo. E normalmente duram três ou quatro dias”, narra Olívia, que acrescenta que as torneiras são abertas apenas para encher os barris.
Olívia Luz revela que a principal razão de poupar água é economizar no final do mês ao pagar a factura.
“Com a pandemia passamos a gastar muito mais água, porque hoje os barris aguentam três ou quatro dias, mas antes, aguentavam até sete dias. Passamos a lavar as mãos a todo o momento e a desinfectar as superfícies com muita frequência”, afirma.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1007 de 17 de Março de 2021.