A transformação digital das empresas é inevitável

PorAntónio Monteiro,12 jun 2021 9:03

A Pró Empresa foi criada em Maio de 2017 com o objectivo de actuar no ecossistema empresarial promovendo a competitividade, o empreendedorismo e as empresas. Em entrevista ao Expresso das Ilhas Pedro Barros faz balanço positivo desses quatro anos, quer a nível da assistência técnica às empresas, quer na organização dos dossiês necessários para apresentação junto das instituições financeiras. Pedro Barros reconhece, porém, constrangimentos relacionados com a dimensão do mercado interno e com os custos de produção, além da ainda elevada burocracia e a necessidade de acelerar reformas económicas, constrangimentos que foram ampliados pela pandemia da Covid-19. Pedro Barros fala ainda das medidas de mitigação dos efeitos da pandemia, cuja gestão é da responsabilidade da Pró Empresa e que atingiu um montante de cerca de 4 milhões de contos e garante que os próximos tempos vão ser completamente diferentes e estarão muito associados à economia digital.

Quais os principais constrangimentos das empresas cabo-verdianas?

Devemos dizer que os empresários saberão responder com melhor propriedade do que nós quanto à pergunta que me coloca. Creio que o acesso hoje mais facilitado ao crédito cedeu lugar à dimensão do nosso mercado interno relativamente pequeno como a maior dificuldade das empresas, pelo que os nossos empresários são obrigados a não poder contar apenas com o mercado interno. É evidente que o turismo tem vindo a ampliar um pouco a dimensão do nosso mercado, mas somos obrigados por isso a pensar no mercado externo. Por essa razão, o horizonte deve ser o mercado global, apoiado especialmente na utilização do digital. Há um outro constrangimento não negligenciável que tem a ver com o custo dos factores de produção. É preciso importar quase tudo em Cabo Verde, o que tem os seus custos e dificuldades acrescidas. Para não falarmos dos custos de energia e água que também têm algum peso na realização duma actividade empresarial. Contudo, sabemos que, muitas vezes, aparecem boas ideias e capacidades para iniciar os negócios, mas depois não se desenvolvem ou ficam parados, por falta de capital próprio e ou de capacidade de implementação. Enfim, mais avisado será deixar essa apreciação aos nossos empresários que são os que lidam todos os dias com os constrangimentos.

Critica-se também a “elevada” burocracia como um dos factores de restrição à realização de negócios e actividades económicas e empresariais em Cabo Verde.

A burocracia é claramente um constrangimento, embora tenha havido uma alteração significativa, comparada com aquela que existia até há bem pouco tempo atrás. Não obstante, precisamos aligeirar muito mais os procedimentos. A tendência crescente da introdução da digitalização vai ajudar também muito nessa desburocratização, mas temos conhecimento das muitas queixas de que a burocracia éefectivamente muita. Mesmo nós aqui, na Pró Empresa, temos consciência de que ainda temos um procedimento um bocado burocratizado que é preciso alterar e torná-lo mais célere, tanto mais que, como todos sabemos, o tempo do empreendedor não é igual ao tempo de quem decide sobre os vários pedidos. O empreendedor quer, por exemplo, que tudo seja feito no momento pedido e quanto mais rápido, melhor, porque como sabemos uma oportunidade de negócio se não for aproveitada hoje, amanhã poderá deixar de existir.

Críticas vindas principalmente das câmaras de comércio apontam para elevados custos de factores, (água, electricidade, transporte) como também para a ‘enorme lentidão’ na realização de reformas económicas.

Nós temos uma relação institucional muito boa com todas as nossas parceiras Câmaras de Comércio de Barlavento e Sotavento, mas também com a Câmara de Turismo e as outras associações empresariais nomeadamente com a Associação dos Jovens Empresários, Associação das Mulheres Empresárias e outras associações comerciais. Portanto, no âmbito dessas parcerias já firmadas em protocolos temos uma relação que deve, em princípio, agilizar e facilitar a realização dos negócios. Somos da opinião de que efectivamente precisamos criar cada vez mais facilidades, precisamos decidir com maior rapidez. Estamos convencidos de que vamos ter melhorias para breve, a avaliar pelas várias medidas que a Unidade de Competitividade tem vindo a implementar ao nível da melhoria do ambiente de negócios. Aliás, uma das atribuições da Pró Empresa é justamente contribuir também para a melhoria do ambiente de negócios. Como contribuição para essa melhoria temos duas intervenções directas: uma tem a ver com a criação de empresas no dia no nosso balcão de atendimento e, através deste serviço da Casa do Cidadão, fazemos a criação de empresas em menos de uma hora, desde que o empreendedor tenha em mão toda a documentação necessária. Um bom exemplo dessa contribuição foi a rapidez verificada no lançamento do Programa Fomento do Micro Empreendedorismo, cuja maior parte das novas empresas foram criadas no nosso balcão. Uma outra área em que intervimos para a melhoria do ambiente de negócios prende-se com a mediação junto das instituições financeiras, nomeadamente dos bancos e instituições de micro finanças, na concessão de garantias através da Pro Garante como forma de mitigar os riscos dos créditos.

São críticas antigas que continuam ainda por resolver.

São críticas antigas e justas. Efectivamente, a melhoria do ambiente de negócios é fundamental no sucesso dos negócios. Como sabe, há um ranking internacional do Doing Business que qualifica e ordena os países em função das reformas que vêm fazendo. Cabo Verde tem vindo a fazer várias reformas, mas temos vindo a ter pontuações muito tímidas, porque os outros países estão também a fazer as suas reformas. De há uns anos a esta parte, já foram feitas várias e importantes reformas. Por exemplo, agrada-nos saber que a Unidade de Competitividade já tem praticamente pronta a funcionar um sistema de garantias móveis. Isto significa que um empreendedor e/ou um empresário poderá dar como garantia para obter um financiamento, não só apenas as garantias pessoais e garantias reais, mas também poderá dar garantias móveis. Estamos a falar de equipamentos de produção, estamos a falar até de stock de produtos, entre outros. Esperemos que esta possibilidade venha a contribuir para melhorar ainda mais o acesso ao crédito, sobretudo para o financiamento de curto prazo. É um processo que deverá arrancar brevemente e que seguramente irá melhorar grandemente o acesso ao financiamento, sobretudo quando estamos a falar de montantes relativamente pequenos.

Qual é o impacto da Covid-19 no ambiente de negócios, sobretudo nos programas sob responsabilidade da Pró Empresa, nomeadamente StartUp Jovem, Promeb, Express+, Pró Crédito, Cabo Verde Digital, Ecossistema e Empreender Universitário?

Houve um impacto brutal sobre a economia e devastador nas nossas empresas. Nós não estávamos preparados para isso, aliás, ninguém se preparou para isso. Sem particularizar o efeito imediato da crise sobre cada um dos programas que gerimos, devemos dizer que globalmente conseguimos reinventar novas formas de trabalhar para dar respostas satisfatórias aos pedidos das empresas. Desde logo, fomos obrigados a reinventar no que diz respeito ao modo de trabalho. Com o estado de emergência tivemos de interromper a nossa actividade na sede da Pró Empresa para ficarmos com todos os nossos colaboradores em regime de teletrabalho. Foi uma coisa nova para nós, mas que funcionou muito bem. Funcionou de tal forma bem que até podemos dizer que tivemos, por exemplo, muito mais atendimentos do que antes da pandemia. Porque também as solicitações cresceram e para darmos respostas adequadas criamos uma linha verde a funcionar todos os dias, incluindo os fins de semana, lançamos um chat, entre outras formas de contactos. Devo aproveitar para felicitar mais uma vez a nossa equipa técnica por ter tido uma postura exemplar, com uma motivação extraordinária. Durante a Covid-19 ficou patente este engajamento e disponibilidade com a realização de milhares de atendimentos, orientação e aconselhamentos, sobre os mais diversos assuntos. Como também tínhamos a responsabilidade de fazer a gestão das medidas de mitigação dos efeitos da pandemia, sobretudo na parte económica que o governo adoptou para salvar o emprego, proteger as empresas e gerar rendimentos às famílias, então, acabamos por estar na linha da frente desse combate, na gestão das linhas de créditos com garantias do Estado que, como sabemos, atingiu um montante de cerca de 4 milhões de contos. Devo frisar que a Covid-19 acabou por nos obrigar a criar assim novas formas de atendimento, maior rapidez nas decisões, acelerar muito os tempos de resposta, porque, estando perante uma crise, quanto mais rápido fizermos, melhor para quem precisa dos nossos préstimos. É evidente que há aqui e acolá alguma crítica sobretudo devido a algum atraso e ou sobre uma solicitação não satisfeita, devendo-se tudo isso à enorme carga de solicitações, impossível de satisfazer no tempo que gostaríamos.

As empresas já estão a pensar na era Pós Covid?

Acho que podemos falar de uma era antes da Covid-19 e de uma outra era após o surgimento da pandemia onde ainda nos encontramos. O que sabemos é que o depois vai ser seguramente muito diferente do antes. Temos um futuro próximo em que estaremos confrontados com o fim do lay off e das moratórias, pelo menos para alguns sectores, pelo que a retoma e ou recuperação da actividade empresarial vai exigir um tratamento adequado aos novos tempos. Em primeiro lugar, vai ser necessária, em algum momento, a regularização dos créditos em moratórias, seja pela via da reestruturação e ou da sua consolidação para dar, assim, início à retoma dos pagamentos das prestações. Para que tal aconteça, as empresas vão necessitar de recursos financeiros, ou seja, terão de estar capitalizadas, pela via possível e disponível no mercado financeiro. Mais do que isso, ainda para a retoma e relançamento dos negócios vão ser necessários novos financiamentos que não deverão ser necessariamente novos créditos bancários. Por outro lado, é quase certo que, como em todas as crises, surgirão oportunidades. Uma delas será a possibilidade de negociação de fusões e aquisições. Muitas empresas com bons negócios sairão desta crise tão debilitadas que não conseguirão sobreviver. Certamente que o Governo criará medidas e instrumentos necessários para esta nova fase. Certo também é que vamos ter um outro futuro no ambiente empresarial em que nada vai ser como dantes. Aliás, a tendência evidenciada agora na crise com a digitalização irá predominar nos próximos tempos. Ou seja, se antes da crise já se estava a sentir que há uma geração de jovens muito empreendedores e que está a provocar mudanças, não só na mentalidade empresarial, mas sobretudo na forma de fazer negócios. Na era pós-crise, a transformação digital e tecnológica das nossas empresas vai defrontar-se com um espaço enorme para crescer. Por exemplo, na criação de soluções muito simples, como a criação de sites com capacidades para fazer compras e ou encomendas online, bem como a utilização da internet móvel e da internet no local de trabalho. A partilha de informação digital entre as diferentes unidades funcionais e de forma massiva nas empresas, a gestão de relações dos clientes são também claramente as apostas que devem ser feitas. Notamos com imenso agrado que mais recentemente as nossas startups tecnológicas surgiram com negócios, que apesar de ainda muito poucos, já constituem um sinal muito claro de que muita coisa vai surgir brevemente na área da digitalização, ou seja na área da economia digital. Esses sinais são muito encorajadores e esta geração que está a sair das universidades vai fazer toda a diferença no sector empresarial. Não é difícil de perceber quer vai haver uma mudança radical na forma de fazer negócios nos próximos tempos. Porque sobretudo esta juventude tem uma forma de estar no negócio que é diferente da geração anterior de empresários de há uns anos atrás. Ou seja, neste momento, não há nenhum jovem empreendedor que está a pedir ajuda, ou que está a pedir apoio, mas simplesmente querem ter oportunidades. É por isso que este Governo apostou sobretudo na criação de oportunidades, sobretudo para os jovens empreendedores. Portanto, os jovens querem oportunidades, querem que haja facilidades disponíveis na realização dos sus negócios. Os jovens querem que os bancos decidam o mais rapidamente sobre os processos de crédito, querem que os processos aqui na Pró Empresa sejam despachados com maior rapidez. Portanto, é esta mentalidade empresarial que vai fazer toda a diferença nos próximos tempos. Os próximos tempos vão ser tempos completamente diferentes e, como eu disse, estará muito associado à economia digital. Por exemplo, a retoma da actividade económica não vai ser no sentido de voltar a fazermos as mesmas coisas que fazíamos em Fevereiro ou Março de 2020. A transformação digital é inevitável e vai ser muito mais do que simples a digitalização dos negócios. A forma como o digital vai tomar conta do mundo empresarial, vai haver seguramente grandes mudanças também nos modelos de negócios que decorrem da mudança substancial na forma de consumir trazida pela crise.

Quantas empresas activas existem neste momento em Cabo Verde?

Há o inquérito empresarial anual que o INE faz periodicamente e que é o retrato das empresas naquele momento. Os últimos dados apontavam para cerca 11 mil empresas activas, com o sector do comércio a dominar seguido da restauração e da indústria transformadora. De realçar que cerca de 70% são microempresas e menos de 4% são grandes empresas. Entretanto, com a pandemia da Covid-19 as empresas consideradas activas há um ano atrás, agora parcial ou totalmente paralisadas já não podem ser consideradas propriamente activas. Portanto, só um novo recenseamento empresarial é que nos poderá fornecer números mais precisos.

Segundo dados divulgados pelo INE no mês de Maio, cerca de 67% das empresas activas em Cabo Verde eram lideradas por homens em 2019. Porquê esta disparidade de género no tecido empresarial?

Bom, este é ou era o cenário que nós tínhamos no momento do inquérito. Há um detalhe que convém termos sempre presente que é o seguinte: durante a crise pandémica temos estado a receber na Pró Empresa pedidos de suporte muito mais de mulheres do que de homens, sobretudo no âmbito do Programa ‘Fomento ao Micro Empreendedorismo’, que contempla financiamentos a projectos que vão dos 150 contos a mil e quinhentos contos. Estes pedidos de crédito são maioritariamente detidos por mulheres. Mesmos nos outros programas nós já temos quase que um equilíbrio, nomeadamente no Start Up Jovem e ou no Pró Crédito. Resumindo, constatamos, sobretudo nesta fase da crise, que tem havido claramente uma predominância de mulheres empreendedoras. O que significa que poderemos vir a ter brevemente uma alteração relevante ao nível do género no tecido empresarial cabo-verdiano. De resto, há que registar, também, que, em alguns dos nossos programas, por exemplo, o Fomento ao Micro Empreendedorismo, fazemos uma discriminação positiva relativamente às mulheres. Ou seja, enquanto para os homens há um limite de idade, que vai até os quarenta anos, para as mulheres não há esse limite, pode ir até qualquer idade. Além do mais, neste caso concreto, as instituições de micro-finanças têm a obrigação de conceder mais créditos às mulheres. Portanto, há aqui um incentivo para ver se alteraremos o quadro dominado pelos homens e conseguir a equidade.

Em que áreas as mulheres têm mais apetência em investirem?

Vê-se claramente que é na área comercial, mas isso não tem a ver só com o facto de serem mulheres empresárias. Tem a ver com a estrutura do tecido empresarial que temos em Cabo Verde. Como sabe, o nosso tecido empresarial é dominado pela actividade comercial que acaba por ser sempre o sector preponderante. Mas começam a surgir iniciativas muito interessantes ao nível de empresas tecnológicas já lideradas por mulheres, sobretudo com o advento em força da tecnologia digital no país. Na restauração e serviços de beleza pode-se dizer, com alguma propriedade, que são maioritariamente dominados por mulheres. Estou convencido de que, daqui a pouco tempo, iremos alcançar a paridade e se calhar iremos ter até uma situação de domínio das mulheres no sector empresarial, pelo menos quando tomado como medida o número de unidades empresariais.

O domínio das mulheres no sector empresarial será uma mais-valia para a economia cabo-verdiana?

É uma pergunta interessante. De facto, a liderança feminina é uma mais-valia. Como é pacífico, as mulheres cabo-verdianas são guerreiras. Conseguiram contornar e ultrapassar os enormes obstáculos que o destino nos reservou como povo. Cabo Verde é um país muito marcado pela emigração e ainda continua a sê-lo. O grosso do contingente que emigra é, normalmente, o homem. A esposa, via de regra, fica cá na terra a tomar conta dos filhos e a fazer a gestão da remessa enviada do rendimento. Mas vê-se claramente que as mulheres cabo-verdianas têm uma forma muito especial e de sucesso para lidar com dificuldades. E o empreendedorismo é, em certa medida, a gestão das dificuldades e de confronto com a concorrência, porque montar um negócio significa ter capacidade para contornar as dificuldades que vão surgindo até se afirmar no mercado por forma a ter sucesso. Portanto, acho que as mulheres vão trazer uma componente diferente e isso pode contribuir brevemente para o sucesso do futuro empresarial que vamos ter.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1019 de 9 de Junho de 2021.  

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Autoria:António Monteiro,12 jun 2021 9:03

Editado porSheilla Ribeiro  em  13 jun 2021 8:42

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