Que diagnóstico podemos fazer do sector tecnológico nacional?
Tem-se feito um importante investimento, em Cabo Verde, nas Tecnologias de Informação e Comunicação. Mesmo antes da pandemia, o governo já tinha considerado este sector como estratégico. A COVID-19 mostrou que há necessidade de acelerar a transformação digital. As pessoas começaram a utilizar o digital para aprender, para trabalhar, para fazer uso de certificados digitais que lhes permitiram fazer prova de que têm a vacina e deslocar-se entre ilhas. Começamos a ter uma percepção de que o digital não é apenas moda. É algo que serve a vida das pessoas e futuramente toda a economia será digital. Portanto, o diagnóstico que faço é de um país que tem feito um esforço grande na governação digital, que precisa de ser reforçada, porque esta é uma área que necessita de muitos investimentos. É isso que estamos a fazer, nomeadamente com a construção do Parque Tecnológico em Santiago e em São Vicente, com o investimento que tivemos agora no reforço da nossa conectividade com o cabo Ella Link, com uma aposta forte na criação de massa crítica na área da Formação Profissional, mas também em idades mais jovens como com o Programa Web-Lab do Ministério da Educação, que já formou mais de 20 mil crianças e despertou o interesse na área da programação e da robótica. Mas também uma cultura de comunidade de empreendedores digitais que nós construímos com a Cabo Verde Digital. Penso que é uma aposta acertada do governo e temos conquistado posições cimeiras nos rankings internacionais, mas é uma caminhada que tem de se fazer todos os dias. O governo, os jovens e as empresas têm de perceber que o mundo está em mudança e que este é o momento em que um pequeno país no meio do Atlântico não pode ter a sua relevância, neste mundo digital, comparada à sua dimensão física.
O isolamento geográfico, neste caso é uma questão que se põe cada vez menos. Mas que desafios ainda há pela frente?
Naquilo que é o acesso à internet, temos 80% de acessos. O dobro da média africana e 20% acima da média mundial. No entanto, ainda temos muitas zonas sombra que precisamos ultrapassar. São sítios em que não existem muitas pessoas e onde não há acesso à internet exactamente porque são zonas remotas. Queremos mudar isso. Não é fácil, porque não há muitas pessoas nestes locais e não representam negócio. A internet é um negócio para as operadoras de telecomunicações. Mas nós, enquanto governo, vemos não só a internet como um negócio, mas como uma ferramenta de escala social. E aí sim, é responsabilidade do Estado dar acesso a essa ferramenta para quem não pode pagar. Para responder a este desafio estamos a definir um enquadramento legal para uma tarifa social para a internet, exactamente como temos para a água e a electricidade. Queremos tê-la para a internet para que as pessoas façam uso desta ferramenta, porque ao contrário do que as pessoas pensam, a internet não é para uma elite, é para todos, descentraliza. A internet dá a capacidade para que quem não tem acesso a conhecimento possa ter acesso sem precisar de estar numa sala de aula de uma universidade de grande qualidade. Podemos ter acesso a conhecimento através de um click e de um toque no nosso telemóvel. Então, é uma oportunidade grande para o nosso país. O desafio ainda passa por darmos acesso à internet a quem não tem capacidade para pagar, porque se o custo não é muito elevado, se comparado com os preços praticados no estrangeiro, para o salário mínimo nacional representa um valor alto. Temos consciência disso. Agora, quem tem capacidade de pagar deve pagar, quem quer apenas fazer uso da internet para entretenimento deve pagar, mas quem quer usar a internet para aprender, para se formar ou para, numa fase inicial, desenvolver a sua ideia de negócio, queremos dar condições especiais. Depois há outros desafios. Se falarmos no contexto da economia digital, um é a literacia digital, que precisamos de aumentar no nosso país e estamos a reforçá-la com projectos como o Web-Lab. Temos também a necessidade de os utilizadores massificarem o uso dos serviços digitais para mudar a vida das pessoas. Felizmente estamos a viver um momento bom em Cabo Verde, porque, se por um lado, a COVID-19 teve um impacto tremendo na vida das pessoas também houve a massificação do uso de um serviço digital no nosso país que é o nosso certificado digital, o Nha Card, que permitiu às pessoas irem retomando aos poucos a sua vida. É necessário que possamos, cada vez mais, utilizar serviços digitais para melhorar as nossas vidas e é responsabilidade do Estado colocar os serviços digitais disponíveis para os cidadãos e é responsabilidade dos cidadãos usarem serviços que tornam mais eficiente o exercício da sua cidadania. Depois temos outros desafios no ecossistema do empreendedorismo tecnológico. Penso que hoje é muito mais fácil poder aceder a capital, era um desafio que os empreendedores de base tecnológica tinham. Mas é preciso continuarmos a reforçar a questão da massa crítica. A questão do dinheiro não é o mais importante. O mais importante é o talento. Nós temos empresas e startups nacionais que prestam serviços a nível internacional que começam a ser desafiadas por empresas europeias que subcontratam os seus serviços, porque os preços dos programadores lá fora são muito altos e escassos. Há aqui uma oportunidade boa para Cabo Verde.
Falava há pouco da questão da literacia tecnológica. Mas há também a necessidade e o desafio de conseguir uma utilização segura da internet.
Acho que há duas franjas importantes da população. A mais jovem, porque hoje em dia vemos as crianças com uma utilização massificada das plataformas digitais e preocupa-me sempre a forma como protegemos as crianças. Vemos o acesso a conteúdos não muito próprios e numa idade em que ainda não há uma capacidade para fazer as escolhas certas. Devemos proteger as crianças. Mas também devemos incluir as pessoas com mais idade. São duas franjas da população que, nesta caminhada da literacia digital, não podemos deixar para trás. As crianças, como disse, porque temos de proteger o seu direito a ser crianças e as pessoas mais velhas para que não fiquem de fora deste mundo em mudança. Às vezes a transformação digital é avassaladora, começamos a ter apenas serviços digitais, mas temos de incluir essas pessoas com mais idade, que não são nativos digitais. Temos de ter a preocupação de apresentar serviços de interface entre o analógico e o digital para que as pessoas possam deslocar-se a sítios físicos onde lhes podem explicar como funcionam os serviços digitais que o Estado ou uma empresa pode prestar. Parece-me realmente importante. Em suma, é precisa uma utilização responsável da internet e é a nossa responsabilidade, enquanto pais e avós, proteger as nossas crianças e incluir quem tem mais idade e quem não tem o conhecimento necessário para fazer uso desta ferramenta.
A Zona Económica Especial para as Tecnologias (ZEET) já está a apresentar resultados?
O objectivo é, exactamente, tê-los através do Parque Tecnológico. O parque vai estar concluído até ao final deste ano. Tivemos vários atrasos por causa da COVID-19, com o encarecimento dos materiais de construção, questões de distribuição logística e, depois, a guerra na Ucrânia. Não tem sido fácil, mas é um sonho prestes a concretizar-se. Será uma casa de verdadeiros guerreiros digitais e parte da ZEET é dar condições fiscais e parafiscais para que possamos atrair empresas internacionais para utilizarem o parque, mas darmos, também, condições para empresas nacionais e empresas de cabo-verdianas que estão na diáspora estarem no Parque Tecnológico. A ZEET vai, de certeza, servir o Parque Tecnológico porque o que nós queremos é atrair empresas para se mobilizarem no parque e depois fazerem uso da massa crítica que estamos a preparar em Cabo Verde. Queremos criar oportunidades. Por isso é que estamos nesse processo de desenvolvimento de um novo tipo de formação, o programa chama-se Kodé Verde e já foi apresentado em Santiago e São Vicente. É um programa de âmbito nacional e o seu objectivo é definir parcerias públicas e privadas com o NOSi, o IEFP e com empresas internacionais como a Price Waterhouse Cooper’s (PWC) que vão permitir formar jovens e absorvê-los directamente nos seus quadros pondo estes jovens à disposição dos projectos que a PWC tem espalhados pelo mundo. Mas fizemos também parcerias com empresas nacionais, startups que prestam serviços para o mercado internacional, que estão constantemente à procura de talento e quem melhor do que elas para formar jovens e depois absorvê-los nos seus quadros? Queremos abrir uma oportunidade para que os jovens façam formação profissional na área do digital. Hoje em dia não é necessário que um jovem se forme numa licenciatura em ciências da computação para fazer parte deste mundo de trabalho. Há aqui uma oportunidade muito boa para os nossos jovens.
A transição da internet 3G para 4G demorou vários anos. Não vai acontecer o mesmo com a transição para o 5G?
Não. Com toda a certeza. A nova forma como se faz uso do digital passa por conceitos que necessitam de muitos dados. Estamos a falar em realidade aumentada, realidade virtual, clouds, impressão 3D e para isto são necessários muitos dados. E nós temos a consciência daquilo que o 5G vai representar para a economia do país. Estamos a avaliar o esforço do governo para termos sites de 5G ao serviço dos cabo-verdianos em áreas importantes. Nomeadamente, o Parque Tecnológico, a UNI-CV, mas também para áreas como a Saúde e o Turismo, especialmente em ilhas importantes para o sector como são as ilhas do Sal e da Boa Vista. Estamos a avaliar isto e penso que em breve teremos novidades, mas neste momento o governo está a avaliar não a disponibilização do ponto de vista comercial, mas numa perspectiva em que pode servir o tecido empresarial, pode servir a área académica ou a saúde. E é importante ver esta tecnologia como um capacitador para que a vida das pessoas possa ser mais facilitada. É importante nós entendermos como isto funciona, é interessante percebermos o que vem aí com o 5G e o que pode ser feito com essa tecnologia. Podemos ter uma agricultura mais moderna, podemos ter um acesso à informação na área académica com uma qualidade muito maior. Podemos ter um sistema de ensino que é uma mistura de virtual e físico. Vamos poder ter acesso a uma série de ferramentas que vão estar ao serviço dos cabo-verdianos. Depois depende do país a forma como podemos fazer uso desta ferramenta. Nós, enquanto Estado, vamos dar condições, o Ella Link é uma auto-estrada que vai estar ao serviço dos cabo-verdianos e depois vamos precisar de saber que carros vão fazer uso desta auto-estrada, porque é uma auto-estrada que dá dez vezes mais capacidade para o uso da internet.
O Fórum de Investimento que vai acontecer no Sal tem projectos na área tecnológica?
Sim, tem dois projectos do sector privado. Uma das áreas que vamos discutir é o digital. Vamos falar sobre aquilo que é a estratégia do país para o sector, vamos falar sobre projectos internacionais que se localizam aqui em Cabo Verde. Mas queremos dar palco aos privados. O digital é um sector onde aquilo que as empresas desenvolvem vai sempre à frente. As políticas públicas, nesta área, seguem aquilo que o mercado decide e não o contrário, porque é um mercado muito disruptivo e definir políticas públicas ou regular o que não existe não é possível. Então, é normal que os países, os Estados e os governos possam ir atrás daquilo que é a ideia das empresas que utilizam o digital para ser mais eficientes, mais eficazes, mais produtivas. É importante que isto ande à volta do sector privado, por isso é que vamos ter duas empresas cabo-verdianas que vão falar sobre os seus projectos: uma na área das smart-cities e outra na área do que respeita a telemóveis, tablets, centros de produção, montagem e reparação aqui para Cabo Verde. Estamos a dar oportunidades e visibilidade para que empresas nacionais possam usar o fórum de investimento para promover as suas ideias e os seus negócios.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1071 de 8 de Junho de 2022.