Electra nova, problemas antigos

PorJorge Montezinho,7 ago 2022 8:53

A Electra Norte e a Electra Sul vão deixar de existir e em seu lugar vão nascer a Electra Produção e a Electra Distribuição. Mas as novas empresas vão também herdar os passivos e as dívidas que vêm de trás. Olhando para o relatório e Contas de 2021, o legado é pesado. Além das contas no vermelho, ¼ da produção continua a perder-se, tanto por causa das falhas técnicas, como devido aos roubos.

O Governo aprovou a extinção das Electra Norte e Sul e autorizou a criação de novas sociedades anónimas, mas os encargos vão atrás, “A Electra S.A. mantém-se responsável pelas dívidas que continuem no seu passivo, salvo as dívidas que, por força da cisão, sejam atribuídas às Novas Sociedades. O Estado responde solidariamente com a Electra S.A. pelas dívidas previstas no número anterior que fiquem no passivo desta. O disposto no número anterior inclui a responsabilidade de capital ou de juros decorrentes das dívidas de longo prazo, nomeadamente dos empréstimos obrigacionistas, avalizadas pelo Estado, que fica a cargo da Electra S.A., que pode promover opções de conversão voluntária em açcões ou recompra antecipada, financiadas com recursos provenientes de entradas de entidades privadas nas Novas Sociedades”, lê-se no Decreto-lei nº 34/2022 (que acaba com as Electra Norte e Sul e cria as novas empresas) na parte sobre as medidas de proteção dos credores.

Em termos económico-financeiros, e segundo os dados do relatório e contas da Electra, a Electra Norte, em 2021, teve um Resultado Líquido negativo de 390 mil contos (em 2020 foram 218 contos positivos). A Electra Sul, para o mesmo período, apresentou Resultados Líquidos negativos de 1 milhão e 360 mil contos (em 2020 tinham sido 719 mil contos negativos). A nível do Grupo, a Electra, SA, através da combinação dos resultados das participadas, atingiu, em 2021, Resultados Líquidos de 1 milhão e 303 mil contos negativos (em 2020 foram 505 mil contos negativos), representando um agravamento de 165% em relação ao período anterior.

Em 2021, os capitais próprios apresentaram um decréscimo de 26,6% em relação ao ano anterior, correspondentes ao resultado negativo do período e ao reconhecimento de perdas nas associadas Electra Sul e Electra Norte.

O capital próprio no final do exercício apresenta o valor de 6 milhões 364 mil 774 contos negativos. O activo da empresa continuou a ser financiado unicamente pelo passivo, que totalizava no final do ano 25 milhões 75 mil 357 contos. O passivo é composto, sobretudo, pelos empréstimos retrocedidos do Estado no valor de 13 milhões 875 mil 77 contos, empréstimos obrigacionistas (Séries “C”, “E” e “F”), no valor global de 4 milhões 686 mil 929 contos, saldos credores da Electra Norte, no montante de 1 milhão 553 mil 875 contos e dívidas fiscais ao Estado no montante de 1 milhão 734 mil 985 contos.

Dívidas por empresa

No ano de 2021, a dívida global associada às três empresas do grupo Electra, ascendia quase a 12 milhões de contos, em concreto, aos 11 milhões 920 mil 391 contos, sendo 62,5% detida pela Electra Sul, 13,5% pela Electra Norte e 24,0% pela Electra, SA.

Comparando com o ano de 2020, onde a dívida se situava em 11.330.049 escudos, registou-se um crescimento da dívida global na ordem dos 5,2%, representando um aumento de 590 mil 341 contos.

Em relação ao sector de atividade, a dívida global evoluiu de forma diferente nas três empresas do grupo (e fazendo a comparação com o quarto trimestre do Ano 2020).

Para esta variação, verificou-se uma redução da dívida detida pelos clientes Domésticos, (7,2%, ou 399 mil 387 contos), o que significou recuperação de dívida, ao passo que nos demais sectores houve um aumento da dívida, sendo o mais significativo nas Empresas Públicas, com o valor de 474 mil 691 contos. Em termos percentuais, o maior crescimento da dívida vai para o sector Estado, com 64,7%.

Em finais de 2021, os clientes Domésticos detinham a maior fatia da dívida global, com cerca de 43,2% desse valor (5 milhões 148 mil 395 contos), seguidos das Empresa Públicas, com 2 milhões 392 mil 900 contos (20,1%) e Autarquias, com 2 milhões 207 mil 241 contos (18,5%).

Fazendo a análise da evolução da dívida por sector de atividade e empresa, verifica-se que, relativamente à Electra, S.A., houve uma redução da dívida associada a todas as categorias de clientes, sendo a mais significativa nos clientes Domésticos, com 8,7% (208 mil 914 contos), em resultado do Estado ter assumido as dívidas dos clientes beneficiados com a tarifa social.

Na Electra Norte, registou-se uma redução de dívida associada aos clientes Empresas Públicas, na ordem de 15,4%, mas nas demais categorias de clientes registou-se um agravamento da dívida, onde o maior crescimento vai para o Estado (155,6%), seguido das Empresas Privadas, com 51,1%.

Ao nível da Electra Sul, houve uma diminuição da dívida associada aos clientes Domésticos, na ordem de 7,1%, e dos clientes Empresas Públicas, em cerca de 2,4%. Nas demais categorias, registou-se um aumento da dívida e o maior crescimento verificou-se no sector Estado (57,3%), seguindo das Empresas Públicas, com 25,5%.

Em termos de antiguidade, a dívida global é basicamente superior a um ano, representando cerca de 78,3% desse valor (9 milhões 337 mil 421 contos), o que indica uma taxa reduzida de recuperação, principalmente da com mais de 5 anos (48,1%, 5 milhões 733 mil 502 contos). As dívidas de seis meses a um ano representam cerca de 6,6% e as dívidas até seis meses representam cerca 15,0% da dívida global.

Electricidade Produzida

A produção de electricidade em 2021 atingiu o valor de 441,6 GWh [Gigawatt], sendo 81,7% de origem térmica, 16,7% eólica e 1,5% solar.

Em relação ao ano 2020, registou-se um aumento da produção de electricidade de 5,3%, resultando no aumento global da produção térmica em 3,5%, da produção eólica em 15,4% e da produção solar em 4,5%.

Do total de electricidade produzida, 90,4% foi distribuída à rede e 2,3% foi consumida no processo de produção de energia. Os restantes 7,3% foram consumidos nos processos de dessalinização (6,5%) e de bombagem de água produzida (0,8%). A produção de electricidade total inclui também a contribuição das energias renováveis, adquirida junto dos produtores independentes.

Comparando com 2020, houve um aumento da electricidade entregue à rede de distribuição de 23,6 GWh (6,3%).

Black-Outs

As interrupções no fornecimento de electricidade aumentaram em quase todos os sistemas eléctricos, com exceção das ilhas de São Vicente e Fogo, tendo sido registados progressos na garantia de continuidade do serviço, com redução substancial do número de Black-Outs. Destacam-se a ilha de São Vicente, onde se registou o menor número de Black-Outs (3 Black-Outs).

A ilha da Brava é o centro de produção com maior número de interrupções gerais de energia registado no corrente ano (58 black-outs), bem como o maior tempo de interrupção (4.197 min).

Levando em conta o SAIDI (System Average Interruption Duration Index – Indicador de duração média de interrupção de fornecimento de energia elétrica a cada cliente servido) em média, cada cliente da Electra Norte esteve sem energia elétrica por 22,0 horas em 2021 e cada cliente sofreu em média 14,0 cortes de fornecimento de energia. O melhor desempenho foi registado em São Vicente (13,81 horas de interrupção de fornecimento e 9,0 cortes por cliente). Santo Antão registou o pior indicador SAIDI.

Relativamente Electra Sul, em média cada cliente esteve sem energia elétrica por 48,5 horas em 2021, tendo sofrido, em média, 28,7 cortes de fornecimento de energia. Em relação à cidade da Praia, registou-se a menor duração das interrupções, com uma média 1.337 minutos (22,28 horas) para cada cliente e uma média de 19,6 cortes por cliente.

Perdas de electricidade

As perdas de electricidade globais (técnicas e não técnicas) no país atingiram 112,432 GWh em 2021, representando 25,5% da produção. Por outro lado, registou-se uma redução dos níveis de perdas de electricidade nas ilhas de São Nicolau, Santiago, Fogo e Brava, enquanto nas restantes ilhas registou-se um agravamento dos níveis de perdas.

Com a massificação das acções de combate de furto e fraude de electricidade, verificou-se a diminuição das perdas, com incidência muito acentuada na ilha de Santiago, ilha que representa 55% da produção da Electra a nível nacional.

Pela dimensão e impacto geral das perdas na ilha de Santiago, a redução de 1,7 pontos percentuais registada (de 36,3% para 34,3%), indicam uma reversão da tendência do ano anterior. No entanto, os níveis de perda de electricidade na ilha de Santiago continuam a ser superiores ao dobro da média das outras ilhas, situando-se em 87,4GWh da produção e representando 78% das perdas a nível nacional.

A USCPD (Unidade de Luta Contra Perda e Dividas) concentrou as actividades no Concelho da Praia, tendo realizado várias intervenções de combate a perdas e de recuperação de dívidas. As intervenções foram basicamente centradas em todas as zonas do município da Praia e em algumas zonas dos municípios de São Domingos e da Ribeira Grande de Santiago, onde as equipas realizaram várias ações de corte e revisão por dívida, religação, inspecção de locais de consumo e sistemas de contagem, substituição de contadores avariados e obsoletos, verificação de ramais e baixadas e desmantelamento de ligações clandestinas.

Os locais de consumo visitados localizaram-se, maioritariamente, nos grandes centros urbanos do Concelho da Praia (Achada S. Filipe, Ponta D`água, Vila Nova, Fazenda, Terra Branca, Palmarejo, Cidadela, ASA, Chã de Areia, Achada Eugénio Lima, Várzea, Calabaceira, Pensamento, Achadinha, Tira-Chapéu, Achada Grande e Paiol). Do total das dívidas associadas aos clientes visitados, foi cobrado o valor de 184 mil e 16 contos.

Das anomalias reportadas pelo Departamento de Gestão de Contagem, durante o ano de 2021, no total de 27.566, as equipas técnicas da Unidades inspecionaram 1.082 locais e/ou respetivos contadores, associados ao município da Praia. Faltam inspecionar 26.484 locais.

Na sequência das acções de inspeção, foram confirmadas 1.754 situações de furto/fraude de energia elétrica nos municípios da Praia e S. Domingos. As situações de furto de energia mais frequentes são as ligações diretas (bypass), cerca de 94,5% (1.657), com o objetivo de reduzir os consumos registados nos contadores e, consequentemente, os valores faturados.

Água

No ano 2021, foram produzidos 8.687.416 m3 de água, sendo que 99,4% foram entregues à distribuição e os restantes 0,6%, consumidos internamente.

Em relação ao ano de 2020, registou-se um aumento da quantidade de água entregue à rede de distribuição em 405.512 m3 (4,9%).

As perdas na distribuição água durante o ano de 2021 foram de 1.560.278 m3, representando 40,5% em relação ao total produzido (3.854.189 m3).

O aumento das perdas na ilha de São Vicente está relacionado com as várias rupturas existentes na rede de água recebida no âmbito do Plano Sanitário. A empresa tem vindo a remodelar as referidas redes.

Perspectivas

Para Cabo Verde, e como se lê no relatório e contas da Electra, “as coisas não são animadoras”. No actual contexto, a atividade da empresa será afectada com o aumento substancial do preço dos combustíveis, associado às fragilidades inerentes ao contexto de elevados níveis de perdas não técnicas, antevendo-se a probabilidade de vir a enfrentar problemas financeiros, implicando o recurso a financiamentos bancários, para garantir a continuidade da prestação dos serviços de electricidade e água ao País.

Apesar do contexto difícil, a Electra refere que os princípios determinantes para a definição dos objetivos estratégicos do Plano de Atividades e Orçamento (PAO 2022) baseiam-se em três grandes objetivos estratégicos: (i) Melhorar a qualidade de serviço; (ii) Promoção e alinhamento das competências com a estratégia e política de Gestão dos Recursos Humanos e (iii) Melhorar e consolidar a autonomia financeira da empresa. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1079 de 3 de Agosto de 2022. 

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Autoria:Jorge Montezinho,7 ago 2022 8:53

Editado porAntónio Monteiro  em  7 ago 2022 16:35

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