Depois de dois anos marcados pelas restrições da covid-19, que condicionaram as celebrações de Natal e fim de ano, em 2022 a época festival é assinalada já sem constrangimentos sanitários, mas com a inflação em alta. Os operadores de São Vicente fazem análises distintas. Nos hotéis e restaurantes, como também nos serviços de rent-a-car, regista-se um aumento significativo de procura, em muitos casos em níveis iguais ou superiores a 2019. Na distribuição alimentar e nos eventos, ponderação é a palavra de ordem.
As unidades hoteleiras e de restauração contactadas pelo Expresso das Ilhas dão conta de taxas de ocupação consideravelmente superiores a 2020 e 2021. Na residencial Sodade, a poucos passos do centro histórico do Mindelo, a taxa de ocupação para Dezembro situa-se nos 46%, contra os 9 a 11% registados nos últimos anos. O movimento global do espaço está em patamares superiores a 2019.
O gerente, Papi Tavares, tem as “expectativas em alta”.
“É um aumento [de procura] positivo e esperamos continuar a fazer mais, para trazer muito mais. São Vicente já começou a aquecer, agora temos é de impulsionar as coisas, para que 2023 seja ainda melhor. Fizemos grandes melhorias no nosso estabelecimento, estamos em renovações em todas as áreas, o que vai dignificar ainda mais a tradição que a Sodade sempre teve”, comenta.
Também conhecida pelo seu restaurante, a Residencial Sodade está habituada a organizar jantares de grupo, que este ano regressam em força.
“O movimento está muito bom. Vemos que houve uma grande procura, acho que em toda a ilha. As empresas estão a celebrar, depois de dois anos sem celebrar nada. Se eu tivesse mais espaços, mais fogões, panelas e gente para trabalhar, talvez fosse capaz de servir umas duas mil pessoas neste período. Posso dizer que tive um aumento à volta dos 150%”, contabiliza.
Apesar da inflação, Papi Tavares garante ter conseguido manter os preços. Para a passagem de ano, a proposta é uma festa tradicional, com a presença de Leonel Almeida.
Da Sodade, basta atravessar a rua para se chegar ao Hotel Terra Lodge, unidade com doze quartos, que nos últimos anos se tornou uma das ofertas mais emblemáticas do Mindelo, com a sua vista desafogada sobre a cidade e a baía. A lotação está esgotada até final do ano e a gerente, Simone Lima, não tem dúvidas de que a retoma chegou em força.
“O turismo começou com força em Novembro. As coisas estão muito melhores em relação aos dois últimos anos. Estamos cheios, principalmente para os dias entre o Natal e o final de ano. Já estamos a trabalhar aos níveis de 2019 e início de 2020. Acho que as coisas estão a retomar até com mais força”, revela, optimista.
Pensado para um público de classe média alta, o Boutique Hotel Casa Branca fica em Alto São Nicolau, bem perto da Marginal. A oferta de quartos está esgotada para o que resta de 2022. Apesar dos bons números, a responsável pela unidade, Marinela Reis, não deixa de notar os efeitos da inflação.
“Para o Natal, os quartos já estão cheios. Para o final de ano, o grupo ADS vai realizar a festa [de réveillon] em parceria com o Canal e acabam por receber quase 50% dos nossos quartos. Estamos a ter uma retoma gradual e de forma positiva, mas era de esperar, porque depois de quase dois anos sem poder sair, queremos sair, conviver. Estamos a sentir adesão, tanto de cabo-verdianos, como de estrangeiros”, analisa.
“Acho que ainda não chegámos aos níveis de 2019. O mercado está um pouco ressentido, por causa do aumento dos preços nas viagens e nos produtos, mas mesmo assim sentimos o aumento da procura relativamente a 2020/2021. Acredito que em 2023 vamos ultrapassar 2019”, perspectiva.
Os jantares de Natal de empresa também estão de regresso à Casa Branca. A oferta especial para a quadra natalícia é complementada por cartões-presente, tanto para o restaurante, como para o spa.
No coração da cidade, a Residencial Chez Loutcha regista uma ocupação a rondar os 50%. Comparando com tempos recentes, a auxiliar Maria Monteiro denota uma evolução positiva e progressiva da procura.
“[A procura é] superior à época de pandemia, quando estava tudo encerrado. Neste momento, estamos a notar um aumento dos visitantes. O fluxo está a aumentar em relação aos dois últimos anos”, assume.
Com uma das cozinhas mais tradicionais de São Vicente, a procura pelo restaurante Chez Loutcha também aumentou significativamente.
“Melhorou muito, aumentou em mais de 50% em relação a anos anteriores. Ainda não estamos a trabalhar com números iguais a 2019, mas as perspectivas são boas. No dia de Natal, teremos o almoço no Calhau, o habitual almoço de domingo que este ano coincide com o Natal. Também teremos o jantar de Natal aqui na Chez Loutcha. No réveillon, teremos a ceia aqui também”, antecipa Maria Monteiro.
Rent-a-car
No rent-a-car, os impactos da covid-19 parecem agora parte do passado. Não há lugar a euforias, mas Manuel Pinheiro, sócio-gerente da Atlantic Car, refere que as perspectivas são boas.
“Estamos a sentir melhorias significativas. As coisas poderiam estar melhor, por exemplo, se a TAP não tivesse passagens tão caras para São Vicente ou se a TACV tivesse mais confiabilidade. Se estivéssemos num Dezembro normal, a esta altura eu não teria nenhuma viatura disponível, mesmo a nível da ilha seria difícil encontrar uma viatura para aluguer, mas neste momento ainda tenho um ou dois carros aqui”, comenta o empresário, dando conta que só a partir desta quarta-feira terá toda a frota na estrada.
Para Manuel Pinheiro é inegável o impacto da actual conjuntura económica. Ainda assim, confia “na melhoria” do cenário nos próximos meses.
Distribuição alimentar
O entusiamo de hotelaria, restauração e rent-a-car dá lugar a cautela no sector da distribuição alimentar. Nos supermercados mindelenses, os carrinhos de compras saem mais vazios do que é comum no último mês do ano.
Elisangela Antunes, da cadeia Meu Super, antecipa um aumento de movimento nos próximos dias, mas vê ponderação por parte dos consumidores.
“Ainda é cedo para tirar conclusões, mas reparo que a situação está a mudar. As pessoas estão mais contidas nas compras de Natal. Talvez estejam a esperar pelos dias mais próximos do Natal. As vendas aumentam de forma gradual e diariamente, mas num ritmo mais lento do que em anos anteriores, quando o movimento das lojas era maior”,
A inflação – que afecta sobretudo os preços dos bens alimentares – coloca à prova a resiliência das famílias, muitas em situação económica difícil.
“Acredito que a situação económica das famílias está a influenciar as compras neste Natal. É uma época festiva onde as pessoas estão a poupar. Não podemos esquecer que, por causa da guerra, há produtos que estão a aumentar de preço quase diariamente, em percentagens altas, e em contrapartida o salário mantém-se. As pessoas tentam equilibrar nalgum sítio e, neste caso, penso que nos gastos com as compras de Natal”, acredita Elisangela Antunes.
Eventos
É incontornável. Os eventos em torno da época festiva são uma das marcas de São Vicente. As festas de passagem de ano são conhecidas pelo seu glamour, mas a agenda inclui propostas ao longo de praticamente todo o mês de Dezembro.
2020 e 2021 foram annus horribilis para as empresas promotoras, com as regras sanitárias a proibirem a maior parte das iniciativas ou a imporem limitações que tornavam qualquer projecto insustentável à partida.
Ao cair do pano de 2022, as restrições foram levantadas, mas o público mantém-se retraído, com a crise económica a ser a justificação mais plausível para esse comportamento. É pelo menos essa a convicção de Aderson Soares, da DEventos.
“No ano passado, estávamos preparados para retomar as festas, mas às vésperas o governo emitiu o decreto com as condições sanitárias que deveriam ser respeitadas e ninguém estava preparado. Tínhamos um show do Dynamo, que foi adiado, mas a adesão tinha sido imediata. Este ano, a adesão é muito menor. Nota-se claramente que está uma crise total. Numa altura de muita oferta, as pessoas começam a fazer escolhas, o que é complicado. Tentamos fazer um evento com custo reduzido, mais acessível, mas mesmo assim a adesão está fraca”, lamenta.
Contenção é regra, tanto para o público, como para os promotores.
“Saímos da pandemia, entrámos numa guerra, as coisas estão mais caras. Mesmo connosco. Por exemplo, o custo de uma pulseira subiu quase 30%. Os artistas vieram com mais ansiedade, para recuperar os valores do que não trabalharam [durante a pandemia] e os seus preços também aumentaram. Tentamos ter um preço de bilhete acessível, mas mesmo assim as pessoas fazem a escolha entre ir a um evento com o preço mais baixo ou fazer a festa em casa. Durante a pandemia, as pessoas retomaram os hábitos de antigamente, fazer as ‘xintadas’ em casa, convívios mais íntimos com familiares”, repara.
Perante este cenário, 2022 é um ano de salvaguarda das marcas.
“Neste momento, fazemos para salvaguardar as marcas e os eventos. Tentamos fazer o básico, para que as pessoas não percam o contacto com o evento. 2022 não nos tira do vermelho, está quase igual, a única diferença é que estamos a fazer”, declara.
Esperançoso num 2023 mais promissor, Aderson Soares espera que a passagem da Ocean Race pelo Mindelo, já em Janeiro, possa dar o mote para doze meses de retoma efectiva.
*com Fretson Rocha e Lourdes Fortes (da Rádio Morabeza)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1099 de 21 de Dezembro de 2022.