Obras paralisam devido aos elevados custos de construção

PorSheilla Ribeiro,19 fev 2023 14:37

A escalada de preços está a contagiar toda a economia e está a impulsionar a subida dos preços no sector da construção civil. Donos de lojas de materiais de construção e empreiteiros assumem que se não subirem um pouco mais os preços, perdem dinheiro. Por outro lado, aqueles que começaram as suas obras antes da inflação não têm previsão de quando as terminar, já que o custo duplicou.

Em Dezembro de 2022, dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) apontavam que no terceiro trimestre desse ano, o índice de produção na construção civil foi de 1,5%, traduzindo num aumento de produção face ao trimestre anterior.

Esta variação foi acompanhada pela diminuição dos materiais de electricidade (-27,1%) e materiais de base (-4,5%).

Por outro lado, no passado dia 3 de Fevereiro, o INE revelou que no quarto trimestre de 2022, o indicador de confiança na Construção contrariou a tendência descendente do último trimestre, situando-se ainda abaixo da média da série e que a conjuntura no sector é desfavorável.

A insuficiência da procura e as dificuldades na obtenção de crédito, foram os principais constrangimentos do sector no decorrer do quarto trimestre de 2022.

A kilo para vender

Após vários anos trabalhando na construção civil, em 2013, devido à idade, Manuel Tavares, resolveu abrir uma loja que vende os materiais para o sector. Confirmando os dados do INE, o empresário afirma que a conjuntura no sector é de facto, desfavorável.

“Hoje compramos um material num preço e daqui há uma semana, o mesmo material, da mesma marca, custa mais. O custo de vida está cada vez elevado e as pessoas estão cada vez com menos poder de compra. Se por exemplo a pessoa tiver uma casa para fazer, ao invés de fazer com cem sacos de cimento, prefere comprar dois ou três sacos e fazer aos poucos”, diz.

Segundo este empresário, se antes a maioria priorizava a qualidade, hoje a prioridade é o preço. Razão pela qual, segundo Manuel Tavares, muitos compram produtos chineses mesmo sabendo da pouca duração.

“Tenho feito pouca venda, as pessoas têm gastado menos e têm priorizado a compra de comida. Quanto a construção civil, comprar o necessário para, por exemplo, deixar a casa mais fresca”, relata.

Por exemplo, Tavares diz que as pessoas têm preferido comprar tinta branca, cujo custo é menor de que tintas de outra cor.

No Natal, altura em que muitos fazem obra na casa, o vendedor afirma que houve um ligeiro aumento nas vendas porque muitos compraram massa para retoque de pintura e tintas. A venda de outros materiais, manteve-se estagnada.

“A previsão que temos, pelo menos o que eu sinto, é que os preços venham a aumentar ainda mais. As lojas não têm como suavizar o preço porque tudo é declarado ao Ministério das Finanças. Posso até tirar um ou dois escudos, mas não dá para baixar mais, ao menos que haja uma redução do IVA para 9 ou 12%”, refere.

Entretanto, Manuel Tavares diz ser consciente de que pode não haver a possibilidade de uma redução do IVA. Mas, se houvesse o cenário poderia melhorar um pouco.

“Mas, o Estado também está numa situação apertada. Tenho produtos que antes vendia com 12 ou 15% e agora coloco a 8 ou 9% para ver se consigo vender. Contudo, no cenário actual, as pessoas preferem resolver um problema no momento, não pensam a longo prazo. Por isso compram o mais barato”, fundamenta.

Por esta razão, este vendedor passou a comercializar o cimento, a areia, massa de barrar e outros produtos, a kilo.

“E têm sortido efeito, porque num kilo de cimento, dá para colocar 25 de areia. Com esta quantidade dá para tapar um buraco na parede ou cimentar uma parte do chão. Se a pessoa não tiver dinheiro para comprar um metro de areia pode comprar 10 ou 15 kilos e resolver os seus problemas”, profere.

Vendendo a kilo, Manuel Tavares diz que já consegue vender, por dia, um saco de cimento. Todavia, há dias em que a sorte lhe sorri e consegue até vender três sacos.

Quem fez, fez. Quem ainda não fez, tão cedo não há-de fazer

Empreiteiro há cerca de 20 anos, João Moreira reitera que com o aumento de preços nos materiais de construção, a situação das obras tornou-se difícil.

“A pandemia, mais a guerra na Ucrânia, provocou uma queda de 90% na construção civil. Muitos desistiram das suas obras. Em mais de 20 anos de trabalho, nunca, até a chegada da covid-19, tinha faltado trabalho”, lamenta.

Actualmente, conforme conta, aparece uma ou outra obra. Ainda assim, há vezes em que numa ou duas semanas, não surge trabalho.

“Há muitos empreiteiros que têm desistido da obra, têm feito meio-dia de trabalho, porque a situação está complicada. Outrora, antes de uma obra terminar, pegava logo outro e havia época que eu tinha duas ou três obras ao mesmo tempo”, lembra.

Hoje, João Moreira afirma que não consegue trabalhar em nome da empresa porque não consegue facturar o mesmo de antes, já que o orçamento está muito baixo.

“Se subir o orçamento um pouco mais não conseguimos trabalhar. Muitos começaram uma obra e não terminaram. Por exemplo, tenho uma obra que comecei há cerca de um ano, metade está feita e a outra metade não conseguimos terminar porque não há dinheiro”, elucida.

Segundo o empreiteiro, antes fazia o orçamento de um betão em cerca de 600 contos. Agora, faz um mesmo orçamento em mais de mil contos. Quase o dobro. Aliás, frisa, houve um aumento em tudo quanto é material.

“O menor aumento verificou-se na areia e brita. Já o cimento, teve um aumento de 50%, de 600 e tal escudos, para 1.050 escudos. O ferro aumentou 50 e tal % para não dizer 60%. Posso afirmar que quem fez a sua obra, fez. Quem ainda não fez, tão cedo não há fazer”, conjuntura.

Por outro lado, João Moreira refere que aqueles que ainda conseguem fazer uma obra, muitas vezes optam por produtos mais baratos. Todavia, num curto prazo, a obra apresenta problemas.

O empreiteiro garante que avisa ao dono da construção, antecipadamente, sobre os riscos de um material mais barato e, muitas vezes, inapropriado, mas que estes, mesmo assim têm preferido primar pelo preço.

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“Optam por um ferro que não é apropriado para fazer o pilar de uma casa, um cimento de má qualidade e dois dias depois aparecem fissuras na parede ou no tecto, entre outros problemas. São poucos os que ainda preferem guardar o dinheiro para vir fazer depois com produtos de qualidade”, menciona.

Abrandar o ritmo

Em 2020, o emigrante Alex de Barros iniciou a construção de um prédio. Na altura, pretendia construir três andares. No rés-do-chão pretende abrir um negócio e nos restantes andares, cada um com dois apartamentos, alugar.

Primeiro veio a pandemia, depois a escalada dos preços adiando os planos deste emigrante, que declara que vai ter de abrandar o ritmo das obras. Já nem faz ideia de quando terminar a construção.

“Desde 2020, ainda só consegui construir o rés-do-chão e estou a lutar para terminar o primeiro andar. E este ano os preços estão ainda mais elevados do que em 2021. Não fosse os preços, poderia estar a fazer outro tipo de trabalho e ainda fazia de uma só vez os três andares”, acredita.

A partir do momento em que deu início a esta obra, Alex de Barros tem feito muitas viagens. Trabalha durante um tempo na França, junta o dinheiro e regressa a Cabo Verde para tentar avançar um pouco mais as obras.

“Cada saco de cimento custa 1.190 escudos. Esses dias comprei mais de 200 sacos porque tinha de fazer o betão do primeiro andar. Com esse preço, mesmo que eu quisesse fazer os outros andares não conseguiria. Vou ter de regressar no final de mês e trabalhar para dar o acabamento do rés-do-chão e do primeiro andar”, analisa.

Barriga é prioridade

O sonho de Dulcilena Varela é o sonho de muitos cabo-verdianos: casa própria. Assim, começou com uma barraca, no Alto da Glória, cidade da Praia, e entre lutas e labutas conseguiu fazer uma sala e uma garagem.

“Primeiro fiz a sala, do lado esquerdo. Contudo, não é um trabalho muito bem feito porque tive de fazer às pressas, devido a pressão da Câmara Municipal da Praia na altura. Depois consegui fazer a garagem, agora é juntar cascalho e areia para ver se consigo fazer um quarto, ou uma casa de banho”, reporta.

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Sem um quarto, sem cozinha e nem casa de banho, Dulcilena Varela e o filho menor vivem na parte que ela chama de sala. Na outra parte, a garagem, montou um pequeno negócio para ver se consegue juntar algum dinheiro.

Mas, a inflação, que tem dificultado a vida de muitos, não permite que o negócio seja rentável, ao ponto de dar continuidade às suas obras. Aliás, refere que há mais de dois anos não fez nenhuma intervenção na casa.

“De tão caro que andam os materiais, na minha garagem coloquei chapa ao invés de um portão. Neste momento não penso em trabalhar a casa, a minha prioridade é a minha barriga. Não apenas eu, mas todos aqui do bairro. Antes, todos os dias havia obra, alguém que trabalhasse a casa. Ainda há quem trabalhe, mas é muito pouco, a situação é muito difícil”, pontua. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1107 de 15 de Fevereiro de 2023. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,19 fev 2023 14:37

Editado porSheilla Ribeiro  em  9 nov 2023 23:29

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