Pesca ilegal “não põe em risco a sustentabilidade do sector”

PorAndré Amaral,10 jun 2023 10:42

A pesca ilegal nas águas de Cabo Verde é um problema que tem sido denunciado ao longo dos anos. Cabo Verde tem sentido os efeitos desse fenómeno, “mas a situação ainda é controlável”, garante o Director Nacional de Pesca e Aquacultura. Já Tomy Mello, da Associação Biosfera I, defende mais e melhor fiscalização.

“Sobre a pesca ilegal tenho de dizer que é um problema no mundo inteiro. E Cabo Verde está numa zona da sub-região onde, em termos de dados disponíveis, sabemos que há situações graves de infracção. Mas, concretamente, no caso do nosso país, posso dizer que estamos numa situação ainda controlável”, começa por explicar o Director Nacional de Pesca e Aquacultura, Carlos Alberto Monteiro, ao Expresso das Ilhas.

Cabo Verde, diz este responsável, não tem ainda uma pesca ilegal “no seu sentido lato da expressão”. No entanto, aponta, existem “algumas fragilidades” resultantes do facto de o país ser um arquipélago.

Carlos Alberto Monteiro assegura que há todo um trabalho que está a ser feito pelas instituições de fiscalização, para além de “todo um quadro de fiscalização e de legislação do sector”. Além disso, frisa, “a Inspecção Geral das Pescas tem feito um excelente trabalho”.

O Director Nacional de Pesca e Aquacultura defende que há ainda muito por fazer, “porque sabemos das dificuldades” que há no combate à pesca ilegal. “Esta é uma luta de todos, não apenas de um país específico”, reforça Carlos Alberto Monteiro.

A situação geográfica de Cabo Verde ‘obriga’ a uma crescente cooperação com os países vizinhos e a “trabalhar em sintonia com as organizações internacionais como a FAO” no combate à pesca ilegal.

Mas a pesca ilegal não é um problema global. “A nível interno temos constactado situações de incumprimento e de infracções”, revela garantindo, no entanto, que esses problemas “estão controlados”.

Por tudo isto, diz, “não podemos afirmar que em Cabo Verde existe uma pesca ilegal que perigue ou ponha em risco a sustentabilidade, mas temos de estar precavidos e ir melhorando, cada vez mais, as condições em termos dos meios técnicos e operacionais para fazer esse combate”. Um combate que só pode ser vencido através da cooperação e participação regional e internacional.

Carlos Alberto Monteiro assegura que o país está “engajado com as instituições e organismos internacionais” de combate à pesca ilegal. “Nós fazemos parte de várias campanhas internacionais e regionais e temos alguma cooperação com a União Europeia, com os Estados Unidos da América e outros países como Portugal e Espanha”.

Também o Estado, aponta Carlos Alberto Monteiro, “está engajado em manter essa situação sob controlo”.

Este responsável reconhece que a pesca ilegal “coloca em causa a sustentabilidade” do sector e defende que Cabo Verde “tem feito o seu papel e está alinhado nessa luta”.

Carlos Alberto Monteiro defende que há a necessidade de “reforçar os meios técnicos, sobretudo é preciso apostar no reforço da equipa de fiscalização, nos meios operacionais e apostar também nas novas tecnologias e em meios mais sofisticados”, o que permitiria reduzir os custos das operações de fiscalização nas águas nacionais. “Sabemos os custos que estas operações têm e Cabo Verde tem os recursos que tem. Nós estamos a trabalhar nesse sentido e tem, também, de haver algum trabalho de sensibilização juntos dos operadores nacionais”.

Quanto à frota estrangeira presente em águas nacionais, o Director Nacional de Pesca e Aquacultura explica que é controlada pelo Centro de Vigilância da Guarda Costeira “que também monitoriza as nossas águas internacionais”.

“Há um esforço”, assegura Carlos Alberto Monteiro, que, no entanto, refere que “não podemos dizer que tudo está a correr bem”. Este responsável defende que “há situações que têm de ser colmatadas. Insuficiências que terão de ser ultrapassadas num quadro de reforço de meios e de cooperação, principalmente este segundo factor. Porque sabemos que é uma luta conjunta”.

Preocupação interna

Para Tomy Mello, da Associação Biosfera I, o facto de Cabo Verde ser “um país que é mais mar do que terra” faz com que seja muito difícil “patrulhar eficientemente as suas águas para evitar situações de pesca ilegal”.

Este activista ambiental defende a utilização por parte de Cabo Verde “de outras ferramentas” como a fiscalização via satélite utilizando plataformas como a Global Watch “que é uma entidade que tem ajudado muitos países a fazer fiscalização das suas águas e que são entidades que podem dar alguma ajuda”.

“Quanto à frota internacional pouco mais há a dizer”, defende este ambientalista que reconhece a existência de situações de pesca ilegal por parte dos pescadores nacionais. “Isso também é verdade e devo dizer que isso me deixa muito preocupado, porque Cabo Verde possui poucas zonas de pouca profundidade, o que faz com que a quantidade de peixe costeiro seja bastante limitada e de muito difícil recuperação quando está sob um estado de stress como normalmente está em Cabo Verde”.

Segundo este ambientalista, “qualquer zona costeira de Cabo Verde, hoje em dia, já está sob um estado de stress bastante elevado”. Na origem desta situação de risco está a pesca com rede, a pesca submarina, a pesca com linha, defende Tomy Mello em declarações ao Expresso das Ilhas. “Artes de pesca, umas legais e outras não, mas que vêm sendo feitas sem qualquer regulamentação ou fiscalização adequada por causa da falta de meios”, aponta.

É esta preocupação que levou a Biosfera I a desenvolver, a partir de 2019, um projecto de pesca sustentável designado ‘PESCA: Sustentável do mar ao prato’.

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O objectivo deste projecto, refere a associação ambientalista no seu site, é fazer frente à crescente sobre-exploração dos recursos pesqueiros, com principal enfoque na reserva marinha de Santa Luzia e ilhéus Branco e Raso, e também de promover a recuperação desses ecossistemas marinhos e espécies associadas.

Este projecto procura valorizar o pescador artesanal e peixe capturado de forma responsável, respeitando as normas estabelecidas pela legislação nacional, através do desenvolvimento de um certificado de pesca sustentável e a integração desse peixe no mercado local e menu dos restaurantes.

“Conta-se também com uma forte componente publicitária para apresentar este produto aos consumidores e auxiliar numa tomada de decisão informada, e também para divulgar os problemas de sustentabilidade que o sector pesqueiro enfrenta”, lê-se no site da Biosfera I.

Os beneficiários iniciais deste projecto foram os pescadores artesanais da comunidade piscatória de Salamansa, em São Vicente.

“Também se trabalhou em cooperação com um grupo de vendedeiras do Mercado de Peixe do Mindelo que vendem garoupa, capturada de forma sustentável e de qualidade superior, ao público e aos restaurantes parceiros do projecto. Esses restaurantes podem ser identificados através de um roll-up com o selo do projecto instalado no estabelecimento”.

Devido ao sucesso alcançado durante a fase inicial do projecto, este acabou por ser replicado em outras ilhas, nomeadamente de Santo Antão e São Nicolau, envolvendo outros parceiros nacionais e internacionais, de uma forma mais dinâmica, incluindo-os na conservação das espécies das quais dependem o seu sustento.

Os objectivos deste projecto são a promoção de uma “gestão sustentável dos recursos pesqueiros para manter a integridade e a biodiversidade dos ecossistemas marinhos; trabalhar na criação de um modelo integrativo de pesca que engloba todos os aspectos ambientais, económicos, sociais e comerciais; desenvolver um modelo de co-gestão entre a comunidade, entidades governamentais e ONG’s cabo-verdianas; cumprir a jurisdição nacional e os acordos internacionais de pesca; e ser um sistema participativo em que a participação voluntária e a cooperação dos pescadores são essenciais para garantir a recuperação e a continuação das técnicas tradicionais de pesca”.

Fiscalização não detectou actividade ilegal

De recordar que em Fevereiro, Cabo Verde acolheu durante duas semanas uma operação de fiscalização aérea e marítima da sua Zona Económica Exclusiva (ZEE) e não detectou actividade de pesca ilegal, mas promete continuar a vigilância e pede mais meios, disse fonte oficial.

No final desta actividade de fiscalização, Maysa Racheateau, da Inspecção Geral das Pescas afirmou, em declarações à agência Lusa, que “não foi detectada nenhuma actividade de pesca ilegal, ou mesmo de outro tipo de prática ilícita durante os dias em que decorreram estas missões”,

Segundo a inspectora-geral, o facto de não ter sido detectado qualquer actividade ilegal entre 06 e 17 de Fevereiro é uma situação que se assemelha a muitas outras, já que é mais uma operação de patrulha conjunta, realizada no quadro do projecto Pescao, financiado pela União Europeia nos últimos cinco anos em cerca de 17 milhões de euros para beneficiar 13 países africanos.

A operação de fiscalização conjunta, que serviu igualmente para treinar as marinhas, abarcou a ZEE de Cabo Verde, mas também do Senegal e da Gâmbia, e contou com duas aeronaves (uma da Marinha Francesa e outra da EFCA), assim como um navio de patrulha oceânica.

Durante as duas semanas, foram realizados 17 voos, com mais de 62 horas, foram avistados 27 barcos de pesca e realizada uma operação de busca e salvamento, em actividades coordenadas pelo Centro de Operações de Segurança Marítima (Cosmar), na cidade da Praia.

“As operações de patrulha conjunta têm sido feitas repetidamente, e nunca foi detectada nenhuma prática de pesca ilegal”, insistiu a mesma fonte, explicando que isto não quer dizer que não haja, quanto mais não seja porque é um crime que acontece em todo o mundo, mesmo em países com mais meios humanos e financeiros.

Esta responsável lembrou que Cabo Verde, um arquipélago com 99% de mar, está situado no golfo da Guiné, considerada uma “zona quente” em termos de práticas ilícitas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1123 de 7 de Junho de 2023.

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Autoria:André Amaral,10 jun 2023 10:42

Editado porAntónio Monteiro  em  10 jun 2023 12:15

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