“Esta dívida para a troca climática que foi colocada sobre a mesa e na qual as autoridades estão a trabalhar com Portugal é uma das iniciativas que pode ajudar Cabo Verde”, disse Abebe Aemro Selassie, durante a conversa de cerca de 30 minutos com os jornalistas. “A chave estará na forma como for concebido e, em particular, em garantir que o novo financiamento, que está a chegar, seja em condições que realmente beneficiem Cabo Verde e não impliquem despesas adicionais, o que deixaria o país numa posição em que poderá não ser capaz para beneficiar tanto”, reforçou o director do Departamento Africano do FMI.
Cabo Verde e Portugal firmaram um acordo para converter dívida em investimento no Fundo Climático e Ambiental em Junho do ano passado. Com este protocolo, Portugal comprometeu-se em converter 12 milhões de euros da dívida que Cabo Verde para apoiar o financiamento e investir na transição climática no país, até 2025.
Na altura, como sublinhou o Primeiro-ministro português, António Costa, em 2025, será avaliado o “sucesso desta operação”, o que poderá fazer com que seja alargado o mecanismo de conversão ao restante débito, “na totalidade da sua maturidade e no âmbito total, que são cerca de 140 milhões de euros”.
Já o Primeiro-ministro cabo-verdiano, chamou a este acordo “inovador e impactante”. “É um acordo para uma contribuição importante para o Fundo Climático e Ambiental de Cabo Verde e irá ser aplicado em investimentos para aumentar a resiliência do país e para podermos atingir os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”, referiu Ulisses Correia e Silva.
“Em Cabo Verde tem sido com muito interesse que temos acompanhado esta proposta”, referiu Abebe Aemro Selassie. “Temos aqui os desafios bastante difíceis que os países enfrentam, e estão a ser procuradas soluções para ver se é possível fazer com que os dois funcionem entre si. Estamos a falar, claro, das alterações climáticas, que representam um risco enorme para muitos dos nossos países, e da dívida pública muito elevada em muitos países”.
Dinheiro verde
As trocas de dívida por natureza são mecanismos financeiros que permitem que partes da dívida externa de um país em desenvolvimento sejam perdoadas, em troca de compromissos de investimento na conservação da biodiversidade e medidas de política ambiental.
No final da década de 1980, a extensa dívida externa e a degradação dos recursos naturais nas nações em desenvolvimento levaram à criação de iniciativas de dívida por natureza que reduziram as obrigações da dívida, permitiram o pagamento em moeda local em vez de moeda forte e geraram fundos para o meio ambiente. Essas iniciativas, chamadas de trocas de dívida por natureza, normalmente envolviam a reestruturação, a redução ou a compra de uma parte da dívida pendente de um país em desenvolvimento, com uma percentagem dos recursos (em moeda local) a ser usada para apoiar programas de conservação dentro do país devedor. A maior parte das transações iniciais envolvia dívidas com bancos comerciais, eram administradas por organizações não governamentais (ONGs) e ficaram conhecidas como transações tripartidas. Outras iniciativas de dívida por natureza envolveram dívida oficial (pública) e foram administradas por governos credores directamente com governos devedores (denominadas transações bilaterais).
Em 1987, a ONG ambiental Conservation International organizou a primeira troca de dívida por natureza do mundo, perdoando uma parte da dívida externa da Bolívia. O acordo cancelou 650.000 dólares da dívida e, em troca, o governo boliviano concordou em reservar 3,7 milhões de hectares de território adjacente à Bacia Amazónica para fins de conservação.
Cenário para África
Abebe Aemro Selassie reiterou a mais recente actualização das Perspectivas Económicas Mundiais, do FMI, para a África Subsariana, que fala da continuação da recuperação da actividade em 2024, quando se espera que o crescimento acelere de 3,3 para cerca de 3,8%. A inflação também vai continuar a desacelerar, a dívida pública, em média, deverá estabilizar à volta dos 60%, após cerca de uma década de aumento.
No entanto, sublinha o director do Departamento Africano do FMI, “continuamos a esperar que as condições permaneçam difíceis. Portanto, há muito trabalho a fazer em termos de reformas revigorantes e também com vista a explorar o enorme potencial da região”.
“A África subsaariana enfrentou uma enorme quantidade de choques exógenos nos últimos três ou quatro anos. Descrevi-os como brutais. A pandemia, que foi seguida pela deslocação das cadeias de abastecimento globais, pelo aumento dos preços das matérias-primas, especialmente dos alimentos e dos combustíveis, a guerra na Ucrânia. E os meses mais recentes também não foram propriamente favoráveis à região. E tudo isto, para além de condições económicas extremamente difíceis e condições de financiamento como a região não via há muitos, muitos anos. Não podemos negar as perturbações, especialmente nos grupos mais vulneráveis, os pobres. E esta perturbação inclui algumas tensões políticas que se transformaram em violência aguda. Dito isto, tendo em conta o quão brutal foram os choques, devemos agradecer aos decisores políticos por tentarem navegar através de um período muito, muito difícil. E a aceleração do crescimento é muito encorajadora”, terminou Aemro Selassie, num tom optimista.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1158 de 7 de Fevereiro de 2024.