Sector bancário mostra resiliência, diz BCV

PorJorge Montezinho,25 ago 2024 9:00

Apesar do contexto de grande instabilidade, relatório do Banco Central revela que sector bancário nacional cresceu e apresentou melhorias nos indicadores de capital, liquidez e rentabilidade. O índice global de estabilidade assinalou um crescimento sólido em 2023, atingindo o ponto mais alto desde 2010. No entanto, subsistem alguns riscos.

O sector bancário cabo-verdiano expandiu a actividade, apesar do contexto de desaceleração do crescimento da economia e de preços ainda elevados, diz o relatório de estabilidade financeira do Banco Central, referente a 2023 e recentemente publicado, documento que analisa a evolução do cenário económico e financeiro, interno e externo, identifica as vulnerabilidades e avalia os riscos e as ameaças – o funcionamento adequado do sistema financeiro é essencial para o bom desempenho e crescimento da economia.

Segundo o relatório, o indicador da qualidade da carteira de crédito melhorou ligeiramente relativamente ao ano anterior – com o perfil de risco dos particulares favorecido pela subida mais contida dos preços e pelo aumento do emprego formal. Já o perfil de risco das empresas piorou, por causa das dificuldades financeiras por que passam as empresas privadas (principalmente as de construção e imobiliária comercial) e do aumento do risco de incumprimento das empresas públicas.

O sector bancário manteve-se vulnerável ao risco de crédito sectorial em situações de stress, com exposição significativa à concentração da carteira em mutuários – pessoas que recebem o empréstimo – dos mesmos sectores económicos. A centralização no mercado de depósitos também permaneceu alta, “mostrando uma dependência estrutural das instituições financeiras em relação a provedores institucionais”. Esta dupla concentração, em crédito e depósitos, aumenta a probabilidade de risco de contágio.

Os depósitos de clientes continuam a ser fundamentais para o financiamento dos bancos, assegurando bons níveis de liquidez. No entanto, os testes de stress de 2023 revelam que, apesar da liquidez estrutural, algumas instituições poderiam enfrentar situações de stress financeiro em caso de afluência simultânea de grande número de depositantes.

Os depósitos aumentaram no montante de 9,7 mil milhões de escudos em 2023 (3,8%), por causa, essencialmente, do aumento dos depósitos de outros residentes, dos emigrantes e do sector público administrativo [Os depósitos de outros residentes e dos emigrantes, que continuam a constituir uma das principais fontes de financiamento de longo prazo do sistema bancário, cresceram 8,4% e 2,2% respectivamente, uma variação absoluta positiva na ordem de 9,5 mil milhões e 1,6 mil milhões de escudos].

Como nos últimos anos, entre os cinco maiores depositantes continua a figurar o Instituto Nacional de Previdência Social, como o maior depositante em seis instituições bancárias que, a par dos depósitos dos emigrantes, constitui uma das principais fontes de financiamento de longo prazo do sistema bancário, representando um risco potencial de concentração de liquidez [O seu peso no total voltou a aumentar, depois de dois anos consecutivos de redução, fixando-se em 17,3% do total dos depósitos – 16,4% em 2022].

Riscos e vulnerabilidades

Apesar da consolidação do sector financeiro, o contexto externo desfavorável aumentou os riscos e as vulnerabilidades financeiras no sistema financeiro, especialmente as de carácter distintivo do próprio sistema cabo-verdiano: a dependência externa, onde a transmissão da inflação importada aumentou o custo de bens e serviços; e a concentração no sector bancário, onde a manutenção do elevado nível de dupla concentração nos mercados de crédito e depósitos continua a ser um desafio.

Segundo o relatório do BCV, aumentaram também os riscos e as vulnerabilidades de natureza conjuntural no sistema financeiro nacional: como o nível de crédito em incumprimento, que é ainda elevado (7,3% em Dezembro de 2023), comparado com pequenas economias insulares, como as Maurícias (4,3%); a vulnerabilidade financeira das empresas, que com o levantamento das medidas de apoio à crise pandémica e a inflação elevada aumentaram o risco de incumprimento junto do sistema financeiro; o endividamento do estado, onde apesar da melhoria das contas públicas, mantém-se elevada a ligação entre a banca e o sector público, acentuando os riscos para a estabilidade do sector; o risco cibernético, com o aumento da digitalização e do uso da inteligência artificial a aumentar a exposição; e os riscos climáticos, como secas prolongadas, ondas de calor e elevação do nível do mar. A materialização destes riscos pode resultar na destruição de infra-estruturas, redução da actividade económica e aumento das despesas do Estado, afectando negativamente a estabilidade do sector bancário.

O BCV recomenda às instituições bancárias que continuem os esforços de redução do NPL [sigla em inglês de Non Performing Loans, créditos não produtivos – ou seja, créditos que não geram fluxos positivos e rentabilidade aos bancos] e de manutenção de boa qualidade do portfólio, a boa gestão das grandes exposições activas e a diversificação das fontes de financiamento.

O BCV diz ainda que os desenvolvimentos recentes no sector bancário e os exercícios de testes de stress sublinham a necessidade de práticas rigorosas de gestão do risco de crédito, monitorização das exposições de risco e reforço contínuo da base de capital e dos instrumentos de liquidez pelos bancos. O Banco Central garante que vai continuar a reforçar a actividade de supervisão dos riscos à estabilidade financeira.

Situação patrimonial, financeira e prudencial

O sector bancário manteve-se robusto em 2023, apresentando melhorias nos indicadores de capital, liquidez e rentabilidade.

A evolução positiva dos resultados líquidos é reflexo do aumento da margem financeira [diferença entre os juros cobrados pelos créditos concedidos e os juros pagos pelos depósitos] e da redução conjunta das imparidades [perda potencial] de activos financeiros e não financeiros, foi transversal a todo o sistema bancário.

A actividade do sector bancário, medida pelo activo total, aumentou 6% (+19,3 mil milhões de escudos que em 2022), atingindo 341,4 mil milhões de escudos (322,1 mil milhões de escudos, em 2022).

O total de crédito agregado do sistema cresceu 4,2%, atingindo o montante de 150,1 mil milhões de escudos (144,1 mil milhões de escudos em 2022). Este crescimento contou com o contributo positivo da quase totalidade dos bancos.

Os depósitos de clientes cresceram, totalizando 260,9 mil milhões de escudos em 2023, (251,2 mil milhões de escudos em 2022). Os níveis de capitalização registados em 2023 reforçaram a solidez financeira dos bancos e consolidaram a sua capacidade para a absorção de perdas. O capital próprio agregado ascendeu a 34 mil milhões de escudos (+ 3,3 mil milhões que em 2022).

O principal risco do sistema bancário continua a ser o risco de crédito, representando 86,9% de todos os riscos do sistema (87,1% em 2022) uma ligeira redução face ao ano anterior. Os activos ponderados pelo risco operacional cresceram 5,5% em 2023, fixando-se em 12,9% do total dos ativos ponderados pelo risco (+0,3%s face a 2022) [os activos ponderados é um conceito utilizado para determinar o mínimo de capital que os bancos devem manter para cobrir os riscos financeiros inerentes às suas atividades].

Qualidade dos activos

Em 2023, o crédito em incumprimento diminuiu 0,5%, atingindo os 7,3% (7,8% no período homólogo). Esta evolução positiva resultou do efeito conjugado do aumento em três por cento do stock do crédito em incumprimento, atingindo, em finais de 2023, o montante de 10,9 mil milhões de escudos (11,2 mil milhões em 2022) e do aumento do volume do stock do crédito total face ao ano anterior (+4,2 mil milhões de escudos), o maior registado nos últimos 10 anos.

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Em relação à distribuição do crédito em incumprimento, cerca de 84,2% do total (71,7% em 2022) encontravam-se vencidos há mais de um ano, em finais de 2023, sendo créditos vencidos de média e longa duração, com uma probabilidade de recuperação menor. A evolução positiva do indicador confirma o processo de resolução de créditos vencidos e com mais antiguidade por parte dos bancos comerciais.

O que aí vem

A economia cabo-verdiana superou as expectativas de crescimento em 2023. A desinflação dos preços no consumidor foi, também, superior ao esperado.

Em 2023, a economia cabo-verdiana cresceu 5,1% em termos reais, tendo beneficiado da resiliência macroeconómica dos países parceiros e da menor pressão inflacionista sobre os preços importados. O desempenho da economia foi suportado pelos contributos positivos dos sectores ligados ao turismo, que beneficiaram de um aumento da procura externa desses serviços, mesmo com os expressivos aumentos dos preços de serviços relacionados com férias organizadas e alojamento.

As perspectivas de crescimento da economia cabo-verdiana são de estabilização em 2024 (5%) e de ligeira aceleração em 2025 (5,4%), segundo as projeções do Relatório de Política Monetária (Maio de 2024).

O impacto positivo de uma menor inflação importada na melhoria dos rendimentos reais das famílias, bem como os resultados esperados das medidas orçamentais previstas de aumento dos salários e pensões dos funcionários públicos e dos benefícios sociais, deverão favorecer o crescimento em 2024, apesar da previsão de contração do investimento, de moderação da procura externa turística, de alguma transmissão dos efeitos da normalização da política monetária nacional e de condicionalismos relacionados às incertezas causadas pelas tensões geopolíticas.

O maior dinamismo em 2025 tem na sua base os prováveis aumentos dos rendimentos reais das famílias (menor inflação e aumento das remessas dos emigrantes) e o aumento da procura externa turística.

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Rating de Cabo Verde com sinais positivos

A agência de notação financeira Standard & Poor’s melhorou o ‘rating’ de Cabo Verde para B, apontando o forte crescimento do turismo e o programa do Fundo Monetário Internacional como importantes para sustentar o crescimento económico.

“O forte crescimento do crucial sector do turismo vai continuar a apoiar o crescimento económico e a receita fiscal entre 2024 e 2027”, lê-se na nota divulgada pela agência de notação financeira, citada pela Lusa, que aponta que “os programas do FMI vão continuar a apoiar a consolidação orçamental, com a dívida externa líquida em percentagem da balança corrente a continuar a cair”.

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A S&P melhora o ‘rating’ de Cabo Verde em um nível, de B- para B e mantém a perspectiva de evolução em estável, o que significa que não prevê alterações nos próximos 12 a 18 meses.

Ainda assim, refere, as empresas públicas continuam a ser um factor de risco para as finanças públicas deste país africano lusófono.

No que diz respeito à dívida, a previsão de S&P aponta para que o arquipélago consiga baixar da fasquia dos 100%, terminando o ano com uma dívida de 98,4% do PIB, abaixo dos 101,4% do ano passado, e que deverá manter a trajectória de redução para atingir menos de 90% em 2027. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1186 de 21 de Agosto de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,25 ago 2024 9:00

Editado porDulcina Mendes  em  16 set 2024 17:21

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