“O empresário tem de ser optimista, mas com os pés assentes no chão”

PorJorge Montezinho,9 fev 2025 8:20

Paulo Figueiredo, Presidente da Associação Cabo-verdiana de Empresas de Construção (ACEC)
Paulo Figueiredo, Presidente da Associação Cabo-verdiana de Empresas de Construção (ACEC)

Planear numa época de incertezas é um dos desafios que os empresários cabo-verdianos enfrentam, mas não é único, como explica o presidente da ACEC nesta entrevista ao Expresso das Ilhas. Perspectivas, macroeconomia, a subida das taxas de juro, a fuga da mão-de-obra qualificada, mas também as oportunidades de investimento e a melhoria das ligações aéreas internas, são alguns dos temas desta conversa com Paulo Figueiredo.

Do ponto de vista dos empresários. Qual acha que será a tendência económica para 2025?

O mundo vive um momento muito complexo e de grande incerteza. E tudo o que acontece no mundo tem impacto na nossa migalhazinha, no nosso grãozinho de terra que somos aqui em Cabo Verde. Quanto às perspetivas para 2025, valerá a pena fazer um ponto de situação de onde é que estamos a partir. As variáveis macroeconómicas têm tido um bom desempenho, há melhorias substanciais após o baque que foi a Covid, que implicou, no ano de 2020, uma contração da economia em 20,8% e temos estado a recuperar e as perspectivas são positivas/moderadas. Somos um país micro, uma microeconomia, dispersa, com vulnerabilidades e muito dependente de determinados sectores, como até a própria crise de Covid e pós-Covid revelou.

Referiu uma questão importante, 2025 é um ano de incerteza. Mais um. Como se consegue planear neste ambiente de tanta indeterminação?

Como estamos fechados numa realidade muito própria e existe conhecimento e experiência do país é possível planear havendo sempre imprevistos que podem acontecer. Claro que somos impactados pelo que acontece no mundo, em particular na Europa, no comércio externo, no investimento directo estrangeiro, na origem dos turistas, nas remessas onde se acrescentam as dos EUA. Por natureza o empresário tem de ser optimista, com os pés assentes no chão, ou seja, realista e pragmático. E é possível para quem está a produzir bens e serviços, aqui em Cabo Verde, estar concentrado nesta realidade.

Há pouco estava a falar de onde estávamos a partir do cenário macroeconómico cabo-verdiano e onde é que podemos chegar?

O desempenho económico do país tem sido relativamente robusto nos anos mais recentes depois de ter um crescimento de apenas cerca de 1% em média entre os anos de 2009 a 2015. Em 2016 a taxa de crescimento foi de 4,3% e o crescimento médio anual entre 2016 e 2019 foi de 4,9%, tendo mesmo crescido cerca de 7% no ano 2019 (Dados do FMI). Em 2020, com a COVID, sofremos a maior contração económica da nossa história (-22,8%), a segunda maior contração em África. Os anos de 2021 e 2022 são atípicos porque acontecem na recuperação pós-COVID. Em 2023 voltámos (5,1%) às taxas que aconteceram entre 2016 e 2019. Bons números que comparam bem em termos internacionais, naturalmente com a ambição de aumentarem num futuro próximo. Naturalmente, o PIB não é o único indicador, havendo outros como o Índice de Desenvolvimento Humano, que também evoluiu favoravelmente depois da crise COVID. Mas não há dúvida de que o PIB, ou seja, a riqueza criada no país em cada ano, continua a ser o indicador mais importante do desempenho das economias. É certo que a dívida pública atingiu níveis estratosféricos em resultado da crise, que a levou para números acima de 150% do PIB. Em 2024 passou para os 110% do PIB, o que revela uma recuperação notável. A taxa de inflação, depois de décadas em números muito baixos de um a dois por cento, de que fomos grandes beneficiários em termos de estabilidade de preços e do que isso traz de forma decisiva à economia; no pós-COVID e principalmente após o início da guerra na Ucrânia a taxa de inflação subiu muito fixando-se em 5,4% em 2021 com um pico em 2022 de 7,6%. A partir de 2023 voltámos ao normal com uma taxa de 1,3% e a estimativa para 2024 é que fique nos 2%. Claro que como somos uma micro-economia com uma grande componente de importação e a inflação dos nossos principais parceiros repercute-se quase directamente no país atendendo ao nosso regime de câmbio fixo. Diria que em termos macroeconómicos, e para já, as coisas vão bem. Claro que existem riscos, em especial devido à nossa vulnerabilidade e ainda existem os constrangimentos, as dificuldades, os problemas, alguns persistentes, que devem ser resolvidos para libertar todo o nosso potencial de crescimento e criarmos uma economia e sociedade mais próspera e com maior qualidade de vida para todos, sabendo que temos franjas significativas da população em situação abaixo das condições mínimas de dignidade humana.

Que perspectivas para o sector da construção civil?

O sector continua a ser relevante na economia com o seu peso de cerca de 10% no PIB, e no volume de emprego que gera. Para além de dinamizar um conjunto de outros subsectores económicos a montante, como todos os fornecedores de bens e serviços que incorpora na sua produção. Por outro lado, encontramos diferentes segmentos de mercado: o das obras públicas e o da construção, digamos, imobiliária, que por sua vez ainda se poderia dividir em subsegmentos. E as características desses segmentos de mercado são diferentes. Falando do subsector das obras públicas e enquanto presidente da ACEC e apenas concentrando-me nos anos recentes, porque alguns dos problemas de hoje resultam de opções e políticas erradas que se tomaram na década de 2000. E falar sobre isso daria pano para manga e uma entrevista dedicada a esse histórico. Destacaria dois assuntos relevantes:

a. O sector foi muito fustigado pela elevada inflação que se seguiu no pós-Covid e se agravou com a guerra da Ucrânia e as empresas viram-se confrontadas com um aumento vertiginoso dos materiais, energia e transportes. O problema é que as obras públicas são por preço fixo não revisível. Felizmente foi possível, demorando mais tempo do que deveria aprovar lei temporária que permitiu às empresas atenuar os custos adicionais que resultaram dessa alta de preços;

b. O Dono de Obra público deve fazer um maior investimento na melhoria técnica dos projectos colocados a concurso público. Um deficiente projecto de execução traz sempre problemas ao dono de obra e em particular à empresa executora. Compreende-se que haja interesse em lançar o concurso com a maior brevidade para conseguir os impactos positivos, mas isso não deve ser feito porque os impactos negativos são de monta. Um bom projecto é sempre meio caminho andado na execução de uma obra. Não digo que isso seja generalizado, há muitos casos em que os projectos colocados a concurso são de boa qualidade, ou são de responsabilidade do empreiteiro onde essa situação não se coloca. Mas continua a acontecer vezes de mais e deve ser corrigido. Claro que ainda existem muitas outras questões que podiam ser abordadas sobre o sector da construção, mas sei que o espaço é limitado.

Como analisa a subida das taxas de juro e que impacto se pode prever no financiamento das empresas?

Sobre o sistema financeiro foi publicado um estudo sectorial cobrindo um período alargado, de 2015 a 2023, elaborado pela PD Consult, do Paulino Dias, e que traça a evolução e faz um retrato do conjunto e de cada um dos bancos a operar em Cabo Verde nesse período e ajuda a entender melhor um sector tão vital para qualquer economia. Muito sinceramente e a não ser por alguma outra razão que me escape, não vejo que traga problemas de maior a não ser numa ligeira pressão para a subida das taxas de juros praticadas pelos bancos em relação às empresas e famílias. Isto deve-se aos seguintes factos:

a. O nosso sistema financeiro e em particular monetário tem peculiaridades que resultam da nossa dimensão e escala, onde historicamente as alterações de taxas directoras por parte do BCV não levam a alterações de monta nas taxas de juros médias nas operações de crédito às empresas e famílias;

b. No período de 2015 a 2023, as taxas médias de juros praticadas estiveram num intervalo pequeno próximo dos 9%, com excepção de dois anos excepcionais, o de 2016 e 2017 onde baixaram para os 7,9% e 6,9%; infelizmente essa excelente tendência de baixa não se manteve e em 2018 voltou a subir aos 8% a que se seguiu um pico anormal de 11% em 2019, regressando ao intervalo perto de 9% a partir daí de 2020 até 2023;

c. Os bancos depois de alguns anos de agruras em que tiveram rentabilidades baixas, em que até houve a proibição de distribuição de dividendos por parte do BCV, voltaram aos lucros e a uma boa rentabilidade, os indicadores de solvência melhoraram muito e todos os bancos e o sistema no seu todo está a consolidar-se. E bancos saudáveis e rentáveis é o que todos precisamos na economia. Espera-se que os bancos beneficiem de margens confortáveis – a diferença entre as taxas a que emprestam dinheiro aos clientes e as taxas muito baixas que remuneram os depósitos dos clientes. O nível actual das taxas é suficientemente bom para os bancos porque está a proporcionar-lhes uma boa rentabilidade. Não há nenhuma razão para essas taxas serem aumentadas.

Que sectores poderão ter maior crescimento este ano?

Valerá a pena conhecer um pouco do que é a estrutura da economia cabo-verdiana. O turismo tem um peso enorme, 25% do PIB, e garante 25% dos empregos formais. Diria que em 2025 continuará a ser esse o nosso motor de crescimento arrastando todos os outros sectores e sub-sectores. Mas em termos de alteração de estrutura das contribuições sectoriais para o PIB, os efeitos das reformas e politicas só se fazem sentir num médio prazo, entre três e cinco anos.

E em termos de oportunidades. Onde estarão elas?

O Banco Mundial em estudo recente de 2024 intitulado “Criando Mercados em Cabo Verde” faz um diagnóstico do sector privado e identifica os motores de crescimento, os desafios e as oportunidades. Essas oportunidades, algumas delas de nichos, são nos sectores: do turismo, da economia azul – ou economia do mar – e nos serviços digitais, sabendo-se que ter-se-iam de resolver as questões da concorrência e do ambiente regulamentar, as questões do transporte e da logística e as questões da energia, que constituem os grandes constrangimentos, para conseguirmos um sector privado, de capital nacional ou internacional, que tenha bons negócios, com rentabilidade adequadas para garantir os reinvestimentos sempre necessários e a devida remuneração do capital investido.

Por falar em Banco Mundial e em economia, a instituição também veio dizer que o modelo de desenvolvimento cabo-verdiano está esgotado pelo menos desde 2008. Como é que os empresários vêem estas conclusões?

A sua pergunta fez-me lembrar de uma entrevista que tinha dado ao Expresso das Ilhas em 2016, e que revi, cujo título era: “É preciso mudarmos o modelo de desenvolvimento económico ou não garantimos o mínimo de prosperidade para todos”. Outros já o tinham dito em anos anteriores, até em décadas passadas como o saudoso Eugénio Inocêncio, que no início dos anos noventa já tinha dito que tínhamos de deixar de ser uma economia de reciclagem de ajuda externa para passarmos a ser uma economia produtiva. E esse continua a ser o maior desafio de Cabo Verde ainda hoje. Pela nossa dimensão, dispersão, escala (ou falta dela), a nossa economia debate-se à partida com condições de base difíceis e desafiantes. Temos vários casos de falhas de mercado que têm de ser atendidas. Caracterizaria a estrutura do mercado do lado da oferta, que em grande parte é o possível ou o viável, ou seja, as empresas que fornecem os bens e serviços, nalguns casos, públicos, e que situação encontramos? Temos situações de monopólios, duopólios e oligopólios. Encontramos um monopólio, ou seja, só um operador, nos sectores da energia, nos portos, na gestão de aeroportos. Na situação de duopólios, ou seja, apenas dois operadores num sector, temos os sectores das comunicações, da água, o farmacêutico, os combustíveis e dos seguros. Isso cria distorções, que resultam da nossa própria realidade, realidade física, por estarmos dispersos em ilhas, por haver determinados sectores que, à partida, são monopólios naturais, ou seja, tem de ser o Estado, ou as entidades públicas, a investir para oferecer um bem público, de acesso universal e eventualmente básico para a vida, como energia, ou água. Isso cria dificuldades: aumentam as ineficiências, continuamos a ter um peso muito grande do sector público empresarial, aliás, não há relatório de instituições internacionais, que habitualmente, acompanham a economia cabo-verdiana, que não se referira a isso.

Continuando no Banco Mundial, a instituição também veio falar de um problema que todos os empresários cabo-verdianos já conhecem há muitos anos que é a questão da baixa produtividade em Cabo Verde. Há soluções para alterar este cenário?

Aqui, realmente dou um grande suspiro. No sentido em que, a curto prazo, diria que não. A curtíssimo prazo, temos de trabalhar para conseguir isso num futuro a médio prazo. Investir no capital humano, na educação. Há coisas positivas, por exemplo, o próprio Ministério da Educação tem como objetivo começarmos a fazer aqueles testes internacionais que avaliam determinadas competências essenciais dos alunos, no sentido de projetarmos atingir os níveis dos países avançados ou próximo disso. Estou a começar por falar das crianças e jovens porque é o que verdadeiramente alterará o país de forma estruturante. Por outro lado, o investimento nas áreas STEM, acrónimo em inglês de ciência e tecnologia, engenharia e matemáticas, que claramente dão uma outra base para a inovação e para investigação. Depois, há a questão da saída de mão-de-obra, que tem constituído um grande problema para as empresas, agravado muitos nestes últimos anos; naturalmente os que emigram, se não são os mais qualificados, são os mais ativos, com mais ambição, que não se importam de correr riscos. Também há questões ligadas às próprias empresas, públicas ou privadas, que influenciam a produtividade, como a organização, a necessidade de modernização da gestão, adoptando medidas que favoreçam o aumento da produtividade que é essencial para ao mesmo tempo aumentar o rendimento; essas duas variáveis estão ligadas; há ainda os constrangimentos como por exemplo os transportes marítimos inter-ilhas, a excessiva dependência das importações e nos sectores onde se depende da rapidez com que as encomendas são satisfeitas esperamos encomendas que demoram a chegar, e quase nunca no prazo previsto, obrigando a paragens não desejadas. E se um ou mais equipamentos estão parados por falta de peças a produtividade, naturalmente, cai muito. Os custos dos fatores de produção que são altos, parcialmente resultado da nossa realidade de que não conseguimos fugir, também ajudam a esse ambiente de baixa produtividade. Por último continuamos a ter uma administração pública que também tem problemas relativamente à sua produtividade e a sua ineficiência e ineficácia na entrega dos resultados que se propõe, de certa forma, contamina o país, a economia e as empresas, públicas ou privadas.

Por falar da perda de mão-de-obra, segundo números oficiais, em 2023, por exemplo, Portugal concedeu cerca de 5 mil vistos de trabalho a cabo-verdianos, mais do que nos 4 anos anteriores. Provavelmente está aqui uma dinâmica que vai ser difícil de contrabalançar nos próximos tempos. Ou seja, as empresas cabo-verdianas vão ter problemas em conseguir manter os seus melhores funcionários.

Esse problema já está a acontecer. Já aconteceu. Essa gente saiu e é evidente que isso já é – e sei-o por falar com várias empresas de diferentes sectores – um problema grande. Talvez tenha que se compreender um pouquinho a realidade, a Europa, e em particular Portugal, tem este problema de défice de mão-de-obra já há alguns anos. Os próprios empresários portugueses há muitos anos que vinham pressionando para que se facilitasse a entrada. Esta grande migração resulta, portanto, de uma grande procura de gente, para suprir necessidades imediatas. E estando nos genes do cabo-verdiano emigrar à procura de melhores condições de vida, é legítimo que se aspire a melhor vida, a maior rendimento. Claro que se houvesse em Cabo Verde atividades de maior valor acrescentado, que permitissem gerar outros rendimentos, estou certo que as empresas seriam as primeiras a pagar salários maiores. Mas esta migração em massa, é indiscutível, constitui um problema. A aposta com maior possibilidade futura é nós conseguirmos, aqui dentro, gerar economia suficiente, rendimento suficiente, empresas suficientes que permitam que os salários sejam atrativos e não compense emigrar, pelo menos em termos materiais. A ambição do país, da sociedade deverá ser essa.

Quando fala de melhores empresas, melhores salários, que reformas económicas poderão impactar nas empresas? Isto se as há, ou então quais seriam as necessárias em termos de prioridade?

É indiscutível que este governo adoptou outra postura em relação ao sector privado, com um ambiente mais amigável. Há algumas reformas em curso num sentido positivo. Também há uma visão estratégica para o país, de um país plataforma que preste serviços ao exterior. Se os objectivos forem realistas e estiverem dentro das nossas capacidades essa visão está correcta e poderá trazer mais desenvolvimento ao país. Que outras reformas ajudarão ao crescimento? Que o sector público empresarial funcione melhor, que ofereça serviços a tempo e de maior qualidade. Os investimentos em algumas infraestruturas, Deus nos livre dos investimentos feitos nas décadas de 2000, muitos deles transformaram-se em elefantes brancos e estão a pesar na nossa dívida pública. Diria que investimentos em infraestruturas, mas com uma perspectiva selectiva: a área dos serviços digitais como, por exemplo, as fintechs; a forma como os próprios serviços do Estado tratam o investimento direto estrangeiro e continuar a aprofundar o que tem sido o motor do nosso desenvolvimento, mas numa perspectiva em que os grandes hotéis aumentem as ligações com a economia local.

E em termos de desafios, qual acha que serão os maiores que os empresários vão enfrentar em 2025?

Fora os do mundo, porque sobre esses a gente não sabe nada, dos outros diria que são os habituais: os transportes inter-ilhas, seja os aéreos, seja os marítimos. Analisando os dados dos passageiros dos transportes aéreos, contando passageiros embarcados e desembarcados, no transporte internacional, em 2023, atingimos 2 milhões de passageiros e nesse ano conseguimos recuperar e ultrapassar o nível pré-pandemia de 2019, que era de 1,9 milhões de passageiros. Em 2024, em termos de total de passageiros, domésticos e internacionais, conseguiu-se atingir 3 milhões de passageiros, quando em 2019 tinha sido de 2,7 milhões. Sobre o transporte aéreo interno, e apenas na condição de observador externo e a partir das notícias que chegam ao público, diria que perdemos uma oportunidade com a Binter, que esteve no mercado durante poucos anos. Os números, quanto a mim, são suficientemente elucidativos. No transporte doméstico e internacional, vínhamos de 698 mil passageiros transportados, quando digo passageiros digo sempre embarcados e desembarcados, que são habitualmente os números que se utilizam, 698 mil em 2015. Em 2016, 715 mil, tudo isto com os TACV. E depois nos três anos em que a Binter está sozinha no mercado e não há Covid, que é 2017, 2018 e 2019, a Binter consegue transportar 959 mil em 2017, 884 mil em 2018 e 821 mil em 2019. É a época de ouro em termos de passageiros domésticos. Entretanto chega a COVID em 2020 e os números baixam para 249 mil, mantendo-se nos 287 mil em 2021 ainda na recuperação pós-covid e resultado das exigências como os testes aos passageiros. A partir de 2022, sem a Binter que tinha saído do mercado no início de 2021, os números voltam a crescer atingindo os 494 mil e crescem outra vez em 2023 para os 549 mil. Mas com todos os problemas que o operador que esteve a actuar no mercado teve, seria expectável conseguir números mais altos nesses anos. Ficou, por certo, parte da procura por satisfazer. Em 2024, e apesar da saída do operador anterior logo no inicio do ano e a entrada dos TACV só a partir de Março de 2024 e de uma forma tímida com pouca oferta foi possível atingir a cifra de 612 mil passageiros domésticos transportados, o que já é um número expressivo atendendo a que só nos últimos meses de 2024 os TACV tiveram um número de aviões suficiente para dar vazão à procura. Voltando à questão da Binter, eu como observador externo não percebi a razão para o governo não ter apostado em ficar com a participação de 30% que foi prevista no acordo com a Binter mais a possibilidade de o governo comprar 19%. Admito que, em termos de finanças públicas, naquela altura, e com os problemas graves herdados não houvesse essa apetência do governo para comprar e, portanto, colocar mais recursos públicos no sector, até pela situação desastrosa em que estava o negócio doméstico. Tinham-se “vendido” os aviões ATR que já estavam amortizados em mais de 70% ao fornecedor, voltando a aluga-los perdendo-se a “propriedade” que já se tinha. Essa foi uma opção ruinosa da administração da altura, sancionada pelo governo. Apenas com o objectivo de maquilhar as contas. Voltando à Binter, a participação de 30% para o Estado, que não implicava a utilização de recursos públicos, claramente devia ter sido tomada. Desconheço o que se terá passado para os levar a tomar uma atitude tão radical de abandonar o mercado, mas à partida tendo feito essa aposta durante alguns anos é provável que se tivessem um ambiente favorável e tendo eles provado que é possível manter uma operação doméstica viável, eficiente e rentável no país poderia ter-se encontrado uma forma de os manter no país. Não sei se teriam pretensões inaceitáveis, mas é só ver os números para constatar que o rombo da Covid em 2020 foi enorme. E a aviação foi particularmente afectada. Costumo dizer que este governo funciona melhor nas emergências do que no que é rotineiro. Com mais foco e energia. Isso passou-se na COVID com as políticas e medidas atempadas e assertivas que se tomaram em todas as áreas, mas em particular na saúde e nas medidas económicas que permitiram recuperar o país em termos sanitários e económicos. E isso foi conseguido em tempo recorde. Outro exemplo de sucesso deste governo, também numa situação de emergência, foi a solução que se encontrou em curto espaço de tempo com a reactivação dos TACV nos transportes aéreos domésticos. Claro que com aviões alugados incluindo tripulação é uma solução transitória porque tem custos incomportáveis e terá de se caminhar para uma solução definitiva. Vivemos momentos de verdadeira crise no sector, em particular em 2023 em que estivemos em risco de ficar sem conexão aérea entre as ilhas. Uma situação muito grave. E conseguiu-se ultrapassar isso com uma oferta neste momento estabilizada e das minhas ultimas experiências e do que tenho ouvido a funcionar bem no geral, até em relação aos atrasos e/ou cancelamentos que terão diminuído bastante. E isso é um descanso para todos: para os empresários, para as famílias, mesmo para os turistas que utilizam cada vez mais as conexões internas. Em relação ao transporte marítimo, para mim, há um pecado original no concurso que foi lançado: ter-se exigido cinco navios praticamente novos, menos de 15 anos, para operar neste nosso mercado tão estreito e exíguo. Nós estivemos no sector do transporte marítimo em Inter-ilhas, entre 2003 e 2009, e muito sinceramente não vejo que o mercado comportasse a necessidade de cinco navios e o investimento necessário para ter esses cinco navios com menos de 15 anos é de tal forma significativo que não há anos que cheguem para amortizar, ou seja, não permite a recuperação do investimento.

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1210 de 5 de Fevereiro de 2025.

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Autoria:Jorge Montezinho,9 fev 2025 8:20

Editado porSara Almeida  em  10 fev 2025 8:41

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