“Sim, existe carbonatito no Fogo e em outras ilhas do país”, diz ao Expresso das Ilhas Vera Alfama, diretora do Mestrado em Clima, Recursos Naturais e Riscos, na Universidade de Cabo Verde. “É um tipo de rocha que é formado através de um tipo de vulcanismo raro a nível mundial. Atualmente só existe um único vulcão ativo em África, o Ol Doinyo Lengai na Tanzânia. Em termos de regiões insulares somente existem dois arquipélagos a nível mundial com este tipo de vulcanismo: Cabo Verde e Canárias”, sublinha a docente.
Carbonatitos são rochas com mais de 50% por volume de minerais carbonatados [os minerais mais comuns nas rochas carbonatadas são a calcite (CaCO3), a dolomite (CaMg(CO3)2) e a aragonite (CaCO3)], cuja ocorrência tem sido essencialmente descrita em ambiente continental. Em ambiente oceânico são somente conhecidas duas ocorrências, nos arquipélagos de Cabo Verde e das Canárias.
Podem ser rocha ígnea intrusiva (formadas a partir do arrefecimento do magma no interior da crosta, nas partes profundas da litosfera, sem contacto com a superfície) ou extrusiva (formadas a partir do arrefecimento do material expelido pelas erupções vulcânicas, actuais ou antigas).
Se nas Canárias a ocorrência de carbonatitos é conhecida apenas em Fuerteventura, em Cabo Verde estão descritos em 6 das 10 ilhas (São Vicente, Fogo, Brava, Santiago, Maio e São Nicolau). Como refere Cyntia Coquelet Pinto Mourão, na sua tese de doutoramento em geologia (Geoquímica das rochas magmáticas da ilha Brava: Implicações para a origem e variabilidade espaço-temporal do ponto quente de Cabo Verde), se a ocorrência de carbonatitos extrusivos é, à escala mundial, mais rara que a dos termos intrusivos, em Cabo Verde é conhecida a ocorrência dos dois tipos de modos de jazida. “Estes aspectos conferem a Cabo Verde (…) estatuto de lugar privilegiado para o estudo deste tipo de rochas”.
Para além da sua raridade, o que torna os carbonatitos alvo de grande interesse petrológico, geoquímico e económico é o seu carácter excepcionalmente rico em alguns elementos traço (elemento de origem natural presente em pequenas quantidades na crosta terrestre. A maioria são metais pesados, porém também se encontram nesta categoria elementos de baixa densidade como lítio, berílio, boro, etc.).
Estudos em Cabo Verde
Desde há largas décadas que Cabo Verde tem merecido a atenção da comunidade científica. Desde cedo, as diversas ilhas do arquipélago têm sido alvo de diversos estudos em várias áreas das ciências, nomeadamente na geomorfologia e geologia.
Os primeiros trabalhos que se conhecem remontam aos anos 30 do século passado e são da autoria de José Bacellar Bebiano, que, à luz dos conhecimentos da altura, descreve de forma detalhada a geologia de cada ilha do arquipélago, reunindo toda a informação numa memória publicada em 1932 pelos Serviços Geológicos de Portugal.
Muitos outros se lhe seguiram (Mitchell-Thomé, 1972; Torre de Assunção, 1968) e mais recentemente, para além destes temas, têm sido elaborados estudos de reconstrução histórica de movimentos verticais do arquipélago, e referentes ao carácter vulcânico e à actividade sísmica e geotermal das ilhas de Cabo Verde (Faria e Fonseca, 2014; Helffrich et al., 2006; Holm et al., 2006; Ramalho, 2011; Soares de Andrade, 2009; entre outros).
Relativamente aos solos de Cabo Verde, e apesar da informação disponível não ser muito abrangente (Amaral, 1964; Teixeira e Barbosa, 1958; Faria, 1970), foi elaborado há pouco mais de 10 anos um inventário da informação relativa aos solos do arquipélago com identificação das diversas lacunas existentes (Madeira e Ricardo, 2013).
As terras raras hoje
As terras raras ganharam destaque na medida em que um acordo que concede aos EUA acesso aos recursos minerais da Ucrânia está cada vez mais próximo de ser assinado, mesmo depois do fracasso das negociações entre Volodymyr Zelenskyy e Donald Trump. O presidente americano pressionou o homólogo ucraniano a assinar um acordo que permitiria aos EUA beneficiar dos recursos inexplorados da Ucrânia — um acordo que, diz Trump, valerá centenas de biliões de dólares, abrangendo petróleo e gás da Ucrânia, bem como recursos minerais.
O interesse de Trump em terras raras não é novo. O presidente assinou em 2017 uma ordem executiva que garantia aumentos de minerais essenciais, a que se seguiu uma outra, em 2020, focada no domínio da China no fornecimento de elementos de terras raras. O interesse recente de Trump em ter o controlo da Groenlândia também tem a ver com os recursos minerais da ilha.
Mas o sector de terras raras valia apenas cerca de 7 mil milhões de dólares, globalmente, em 2023, de acordo com o grupo de pesquisa Project Blue, diz o Financial Times. Na Ucrânia, não há reservas comerciais de terras raras, de acordo com o US Geological Survey. Mesmo assim, Trump está determinado em capturar uma fatia maior do mercado de terras raras. O domínio chinês na refinação e produção desses elementos, dizem especialistas da indústria, representa uma ameaça aos EUA, às empresas ocidentais e às suas cadeias de abastecimentos.
“Sabemos que é uma vulnerabilidade estratégica há muito tempo, mas é muito trabalhoso construir o processamento intermediário [que inclui armazenamento e transporte]”, disse ao FT Gracelin Baskaran, directora do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais dos EUA. A China também continuou a produzir terras raras em escala, apesar da queda dos preços, uma vez que a oferta superou a procura. O crescimento da oferta chinesa aumentou mais rapidamente que a procura desde 2020.
Este excesso de oferta deve perdurar até pelo menos até 2026 ou 2027, de acordo com a Benchmark Mineral Intelligence. Uma vez que as terras raras são importantes, os governos ocidentais estão preocupados com o domínio da China no mercado de terras raras devido à sua importância em diversos sectores, incluindo os que são considerados cruciais para a segurança nacional, como a defesa. Essa dependência da China expõe o Ocidente a mudanças nas políticas do país oriental, o que pode causar estragos nas cadeias de abastecimentos e na saúde das empresas que dependem dos metais para os seus produtos. As preocupações com a China remontam pelo menos a 2010, quando a Associação de Materiais Magnéticos dos EUA alertou para uma “iminente crise de terras raras ” que, sublinharam, representava uma ameaça à economia e à segurança nacional dos EUA.
Apesar destes temores, o ocidente não respondeu. Por exemplo, a UE ainda não produz nenhum elemento de terras raras minerado e importa 98 por cento dos seus magnetos de terras raras (ímãs super potentes feitos de uma combinação de componentes como por exemplo Neodímio, Ferro e Boro) da China, de acordo com a Comissão Europeia. A China, inclusive, já mostrou como poderia explorar o seu domínio do mercado, em Dezembro de 2023, quando proibiu a exportação de tecnologia de processamento de terras raras. “Há algumas partes do processamento que [o Ocidente] nunca aprendeu a fazer”, referiu Baskaran. “Estamos num momento realmente vulnerável geopoliticamente. A nossa base industrial de defesa enfraqueceu muito. Não temos capacidade para aumentar a produção do que precisamos.”
Uma exploração cara
Embora as terras raras não sejam consideradas raras, a concentração de metais encontrada em qualquer depósito geralmente não é suficiente para tornar o local economicamente viável para mineração. “O que é raro é ocorrerem em grandes concentrações”, explicou ao FT Sally Gibson, professora de petrologia e geoquímica na Universidade de Cambridge. Os depósitos têm a tendência a ter menos de um quilómetro de diâmetro, o que os torna difíceis de encontrar, acrescentou. As terras raras são geralmente extraídas como um subproduto de outros minerais mais conhecidos e amplamente utilizados, como ferro e fósforo, com os quais são encontradas.
Além disso, a produção de terras raras é extremamente complicada e cara. Extraí-las de rochas e argila e refiná-las num produto que pode ser usado para fins industriais é um processo demorado porque os metais precisam de ser separados e purificados individualmente. Envolve muitas etapas e é difícil porque os metais têm características químicas semelhantes, o que torna a sua separação particularmente desafiadora.
“A refinação é realmente onde as coisas ficam difíceis”, salientou Pierre Josso, vice-diretor do UK Critical Minerals Intelligence Centre ao FT. “Conseguir separá-los em elementos individuais leva muito tempo e energia.” E pode ser um processo incrivelmente poluente, pois parte do minério tem elementos radioativos. A China domina o mercado porque investiu na refinação e processamento de terras raras há 30 anos e controla atualmente 90% da capacidade global de processamento, de acordo com a Agência Internacional de Energia. “Podemos minerar em qualquer lugar do mundo, mas se não desenvolvermos também a capacidade de fundição e refinação, temos de enviar o minério para ser refinado na China”, disse Josso.
“Estas rochas possuem grande importância económica, devido a sua concentração de minerais com conteúdo expressivos de elementos terras raras (ETRs), Nb e minerais de fosfato (P2O5), os quais tem aplicações na indústria de alta tecnologia e de fertilizantes”, refere Vera Alfama ao Expresso das Ilhas.
“Em Cabo Verde há necessidade de mais estudos para se determinar o tamanho dos afloramentos e com isso a sua viabilidade económica”, sublinha a professora universitária. “Os afloramentos no país são raros nas ilhas onde são encontrados – Santiago, Fogo, Brava, São Vicente e Maio – e muito antigos – fazem parte da formação geológica mais antiga do país, com excepção da Ilha Brava, que possui duas formações com carbonatitos, a mais antiga e a mais recente”.
“E com certeza tem impactos ambientais significativos. Só é aconselhável a sua exploração se a quantidade se justificar”, conclui.
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O que são metais de terras raras?
Existem 17 elementos de terras raras que, apesar do nome, não são especialmente raros. São vitais para a transição para energia limpa e usados numa variedade de indústrias e produtos, como smartphones, televisores, turbinas eólicas e conversores catalíticos em carros (ou catalisadores, usado para reduzir a toxicidade das emissões dos gases de escape de um motor).
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Lista completa de terras raras:
Lantânio, Cério, Praseodímio, Neodímio, Promécio, Samário, Európio, Gadolínio, Térbio, Disprósio, Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio, Lutécio, Ítrio e Escândio. Os metais são encontrados em algumas rochas ígneas e depósitos de argila em todo o mundo, mas extraí-los é caro e envolve um processo de mineração complicado. São cruciais na produção de ímãs permanentes que são usados em caças e mísseis.
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Onde existem?
A China tem pouco menos da metade das reservas mundiais de terras raras, com o Brasil, a Índia e a Austrália também identificados como pontos críticos, de acordo com o Serviço Geológico dos EUA. A maior mina de terras raras é a de Bayan Obo, na região chinesa da Mongólia Interior, que produz os metais juntamente com o minério de ferro.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1215 de 12 de Março de 2025.