Sem tempo para crescer convenientemente, são dezenas de meninas com o futuro condicionado por crescerem antes do tempo. Falha a família, o Estado, a sociedade. Elas vão “à sua vida”. Em Cabo Verde não há casamento infantil, diz-se. Não há mesmo?
O. tem 16 anos e uma filha de quase um ano. O seu namorado e actual companheiro tem 22, e trabalho pouco certo na produção de grogue. Namoravam há pouco tempo quando descobriu que estava grávida. “Fiquei assustada. Falei com o meu namorado e ele disse que ia assumir a criança”. O. continua a sua história de voz baixa, boca meia tapada pela mão na qual se apoia em pose relaxada, mas um pouco desconfiada.
Com um bebé a caminho, ela (na altura com 15 anos) e o namorado passaram então a viver juntos, algo que já viu acontecer com outras meninas e que foi aceite pela família com normalidade. “Mesmo que não tivesse engravidado tinha-me juntado com ele”. Com esta idade? “Sim. Conheço muitas raparigas da minha idade que já moram com os companheiros”, diz. Moram só os dois, ele entra com o dinheiro, o pai e a sogra ajudam, ela trata de tudo em casa.
Em Cabo Verde não há casamento infantil. Não é permitido o casamento legal, de “papel” passado, a menores de 18 anos. Abre-se, uma excepção, a partir dos 16, desde que com autorização dos tutores legais.
Não há. Contudo, olhando a realidade do país e tal como em várias outras matérias, uma coisa é a lei, outra é a prática. E o que se vê é que há várias meninas menores a viver em situação marital. Sem o “papel”, eventualmente sem os direitos que o “papel” traz, mas com as mesmas obrigações e estilo de vida.
Olhe-se as estatísticas (ver caixa), onde o censo de 2010 nos mostrava que sete em cada mil crianças dos 12 aos 14 anos, e 5 em cada 100 adolescentes dos 15 aos 19, diziam estar em união de facto.
Em 2016, o IMC apresentava 278 menores de 18 anos nessa situação. Todas mulheres. Dados menos alarmantes, mas mesmo assim preocupantes. E os números podem inclusive estar subnotificados, pelo que um olhar mais atento à questão eventualmente revelaria um problema ainda maior.
“Por exemplo, na faixa dos 16 anos acredito que se poderia chegar a esse número, só no meu concelho”, diz-nos uma entrevistada, do interior de Santiago.
O fenómeno, no terreno, é encarado com uma certa banalização e até conivência. A sociedade aceita, acha “normal”. A partir dos 14 estas meninas são praticamente consideradas mulheres. E pelo menos a partir dos 16, marco da discutível maioridade legal, prontas para a “vida”.
Mesmo sendo, institucional e internacionalmente, reconhecido como um atentado à infância e adolescência e um entrave ao empoderamento das meninas.
É que se em termos de matéria legal, e políticas de promoção de igualdade de género, Cabo Verde tem conhecido avanços com destaque, na opinião dacoordenadora da ONU Mulheres em Cabo Verde, para a Lei especial contra a VBG e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o mesmo não se reflecte na sociedade.
As “práticas e normas socioculturais continuam a ser as principais barreiras para a efetivação da igualdade”, resume Vanilde Furtado. E entre essas práticas está, pois, este tipo de união marital e seus efeitos.
O que é normal?
H. tem 17 anos. Corpo franzino, ar de menina que acabou de entrar na adolescência e olhar meigo e cansado. São noites mal dormidas, cuidando de um bebé, e dias passados na correria de ir para as aulas e, em casa, tentar estudar enquanto corre atrás dele. Começou a andar recentemente. “Não pára quieto”, queixa-se a jovem mãe, parida no ano passado.
O pai do bebé tem 25 anos, mas a diferença de idades não foi um entrave. Pelo contrário, as meninas gostam de homens mais velhos, garantem-nos. “Gostava que ele fosse assim, mais velho do que eu”. Foram apresentados pelo irmão mais velho de H, começaram a namorar e, pouco depois, ela engravidou. “Quando ele soube que eu estava grávida reagiu normal”. O que é normal? H. encolhe os ombros sem resposta.
Depois de ter o bebé, e ainda com 16 anos, H. mudou-se para casa do namorado onde vive também uma irmã dele que a vai ajudando com a criança. Sobre o seu estado civil não hesita: está em união de facto. Se não tivesse sido mãe, continuaria solteira, mas “foram as circunstâncias”, diz, resignada.
Há, mais do que nas suas palavras, na forma como as diz, uma banalização das circunstâncias e desfecho. Uma certa satisfação também na idade do namorado. Na verdade, para muitas meninas, andar com alguém mais velho é motivo de orgulho. Sentem-se mais crescidas. Para algumas será até uma necessidade financeira, ou pelo menos garantia de algum conforto, como transporte escolar.
“Um grande número de mulheres e meninas ainda vivem sob um ‘código de comportamento ancorado no reconhecimento e aceitação da dominação masculina’, analisa Vanilde Furtado, que põe a tónica no persistente modelo machista onde, como realça na mesma linha acontece que “a união seja muitas vezes vista como meio para “dignificar” e “valorizar” a mulher, quando não associada também a questões económicas”.
Além disso, persiste “uma forte estigmatização social das mulheres e meninas, que são solteiras” principalmente se são mães.
E em muitos círculos continua-se a ouvir: “É normal, é comum, é assim”.
Há aqui modelos de dominação que persistem, pobreza, mas também um crescimento forçado que muitas vezes antecedeu a própria gravidez. Acima de tudo, há o sinal de que alguma coisa no Estado, na família e na sociedade está a falhar.
P. parece ter 12 anos. A cara ainda não perdeu os traços infantis e mesmo o jeito dela é de menina pequena. Olhando para ela ninguém diria que “já” tem 15 anos e muito menos um filho de quase um ano. A gravidez foi complicada. A sua pequena estatura mal aguentou uma vida a crescer dentro de si. Quando o padrasto de P. soube que a menina estava grávida colocou-a fora de casa. “Ele sempre dizia que se eu engravidasse que teria de sair da casa. Então no dia em que fomos contar à minha mãe, eu fui embora. Fui viver com o pai do filho, mas por pouco tempo”. O seu caso, contudo, é bastante diferente dos outros. O namorado é apenas um par de anos mais velho do que ela, um colega. Também ele ainda não tinha independência financeira e vivia com os pais. P. foi então viver para casa dos “sogros”. Entretanto, ao fim de três meses P. regressou a casa. A sua mãe convenceu o padrasto e acolheu a ideia de ter um neto com entusiasmo. Comprou coisinhas para o neto, compôs um quarto para ele, e preocupada com a filha levou ao acompanhamento psicológico.
P. que sempre tinha sido aluna de quadro de honra perdeu um ano, mas isso deveu-se principalmente ao facto da sua gravidez ser de risco. Hoje, embora diga que as “matérias já não entram na cabeça tão facilmente”, regressou aos quadros de honra da sua escola. P. e o namorado continuam a relação, mas já não sob o mesmo tecto. Viver juntos? “Não tão cedo!”, responde. E P. vai continuando os seus estudos com mérito… mostrando que gravidez não é sentença de vida interrompida.
Gravidez na Adolescência
P. parece ter 12 anos. A cara ainda não perdeu os traços infantis e mesmo o jeito dela é de menina pequena. Olhando para ela ninguém diria que “já” tem 15 anos e muito menos um filho de quase um ano. A gravidez foi complicada. A sua pequena estatura mal aguentou uma vida a crescer dentro de si. Quando o padrasto de P. soube que a menina estava grávida colocou-a fora de casa. “Ele sempre dizia que se eu engravidasse que teria de sair da casa. Então no dia em que fomos contar à minha mãe, eu fui embora. Fui viver com o pai do filho, mas por pouco tempo”. O seu caso, contudo, é bastante diferente dos outros. O namorado é apenas um par de anos mais velho do que ela, um colega. Também ele ainda não tinha independência financeira e vivia com os pais. P. foi então viver para casa dos “sogros”. Entretanto, ao fim de três meses P. regressou a casa. A sua mãe convenceu o padrasto e acolheu a ideia de ter um neto com entusiasmo. Comprou coisinhas para o neto, compôs um quarto para ele, e preocupada com a filha levou ao acompanhamento psicológico.
P. que sempre tinha sido aluna de quadro de honra perdeu um ano, mas isso deveu-se principalmente ao facto da sua gravidez ser de risco. Hoje, embora diga que as “matérias já não entram na cabeça tão facilmente”, regressou aos quadros de honra da sua escola. P. e o namorado continuam a relação, mas já não sob o mesmo tecto. Viver juntos? “Não tão cedo!”, responde. E P. vai continuando os seus estudos com mérito… mostrando que gravidez não é sentença de vida interrompida.
A vida marital na adolescência tem muito a ver com uma outra problemática em Cabo Verde: a gravidez na adolescência. Tanto, que é quase impossível falar de um sem olhar o outro.
As estatísticas, mais uma vez, mostram números preocupantes. Assim, de acordo com o INE, em 2015, do total de grávidas atendidas nos serviços de saúde reprodutiva 19,1% eram menores de 19 anos. Pela positiva tem-se vindo a verificar uma diminuição contínua desde 2010, quando a taxa de gravidez na adolescência atingiu os 26,7%. Contudo, ainda está aquém dos resultados de 2009 e anos anteriores. Para ter uma ideia, em 2000, na faixa etária dos 15 aos 17, a taxa de gravidez era de 11,4%, segundo dados do Ministério da Saúde.
Alguma coisa falhou. E não foi informação. Nesse ponto tanto adolescentes, como profissionais da saúde, da educação e outros parecem concordar, informação há.
Isso “coloca-nos questões relativamente ao nível de conscientização das meninas sobre os seus direitos e à capacidade que têm de negociar a sua sexualidade segura e responsável”, analisa por seu lado a coordenadora da ONU mulheres.
Para melhorar o cenário actual a este nível importa “melhorar o seguimento e a compreensão do fenómeno e engajamento com a sua prevenção”, mas também “incluir conteúdos adequados sobre direitos e saúde sexual e reprodutivos nos currículos escolares”, considera.
Entretanto, todas as meninas estudantes com quem falamos perderam, pelo menos, um ano na escola.
Mesmo que hoje, já não exista a directiva para as alunas anularem a matrícula, e o ECA tenha vindo proibindo incentivos quaisquer nesse sentido, a esmagadora maioria acaba por o fazer. Mas essa nem parece ser a questão mais grave: regressar e manter-se na escola é o maior desafio. Neste sentido o governo tomou, no ano passado, uma aplaudida medida que, além de permitir que as alunas mães tenham uma licença pós-parto de 60 dias e beneficiem de um regime especial de faltas durante a gravidez, também contempla um regime de acompanhamento, obrigando a escola a, por exemplo, flexibilizar horários e permitir entrega de trabalhos fora de prazo.
Sem prejuízo da necessidade de continuar a apostar na prevenção, há muitas expectativas quanto a esta medida, prevendo-se que venha combater o abandono escolar.
Mas não basta o apoio a nível da escola. A experiência de quem lida com o fenómeno mostra que sem apoio da família, da sociedade e de outras estruturas e afins do Estado, as alunas acabam, sim, por não ter sucesso e desistir.
“É preciso também garantir redes de apoios e de serviços, acessíveis e de qualidade, para essas meninas, por forma a permitir possibilidades de mudar suas vidas e garantir os seus direitos”, aponta também Vanilde Furtado.
P. tem o apoio da família, que é algo que muitas meninas não têm. Tem também acesso a uma creche – uma rede de apoio fundamental que não está ao alcance de todas as mães. Sem desmérito do seu esforço particular, será que teria conseguido regressar ao quadro de honra sem esse apoio? A experiência diz que não, aponta uma professora com quem falamos. Isso mostra a importância dessas redes de apoio.
Há, contudo, que salientar que esta problemática da gravidez na adolescência não explica completamente o caso das uniões maritais de menores. Não explica e, como vimos, muito menos justifica.
“Não há denúncias”
De facto, nem todas as uniões de facto derivam de uma gravidez. S. não estava grávida quando aos 16 anos saiu de casa da mãe, e apesar dos apelos desta para que não estragasse a sua vida, deixou a escola e foi morar com o namorado. Mudou-se inclusive com ele para outra ilha.
A mãe ficou de mãos atadas. Decidiu não fazer queixa. Para quê? Que fazer com uma filha demasiado “crescida” para aceitar ordens e conselhos e demasiado imatura para reconhecer os riscos que essas uniões em idade tão precoce representam para o futuro.
E o problema agiganta-se quando ouvimos os casos que meninas em união conhecem no círculo de relações.
“A minha irmã, do dia para a noite, decidiu ir para casa do namorado. Tinha 15 anos quando saiu de casa, e o namorado 20 e tal. Não quis regressar a casa, os pais não fizeram queixa e ela ficou com ele. Foram depois para a Boa Vista”, conta-nos uma entrevistada.
“A minha prima teve o filho dela com 13 anos. E foi morar com o pai do filho…”, diz H., juntando-se esta história a tantas outras que nos contam.
Cabe entretanto aqui frisar que as uniões de facto de que aqui se fala nesta reportagem não são (nem poderiam) ser uniões reconhecidas legalmente, pois não cumprem os pressupostos desse reconhecimento. Mas são uniões, que não sendo legais (em alguns casos sendo mesmo ilegais), são “normais”.
Alguns pais acabam por aceitar, simplesmente, outros até concordam. Denúncias, não há.
“Se alguém levar o caso à Justiça, os próprios pais da criança vão pedir que se tire a queixa, porque se esse companheiro for preso haverá mais dificuldades em sustentar a filha e o bebé”, analisa uma professora. Além disso para a sociedade e para as alunas, recorde-se, “é normal, esse tipo de relações”.
E há os pais que, eles próprios, expulsam crianças com 13, 14, 15 anos e que não são mal vistos socialmente. Não há qualquer responsabilização por esse abandono de pessoas pelas quais legalmente ainda deveriam responder. Socialmente são desculpados, até compreendidos. Legalmente, ignorados.
Homens que têm sexo com menores, também não são censurados. Muito menos quando “assumem” e decidem viver maritalmente. E embora os companheiros das nossas entrevistadas até tenham idades próximas, há casos, que nos contam, de diferenças de 30 anos.
A própria lei que proíbe adultos de terem relações amorosas com menores é muitas vezes esquecida pela sociedade. Parte-se do princípio que se houver consenso tudo é legal. A partir dos 14, a sexualidade com as meninas – as catorzinhas – já começa a ser vista como algo, se não legal, mais ou menos aceitável. A própria lei diferencia esse marco. A partir dos 16, mais ainda.
Ainda em termos legais, se a relação for com uma criança de até 14 anos, estamos perante um crime público e, portanto, a denúncia poderá ser feita por qualquer pessoa. No entanto, a partir daí, caberá aos pais ou outro tutor legal apresentar a mesma. Mas o fenómeno, em nenhuma das faixas, chega às queixas.
Esta percepção, de ausência de denúncias é confirmada pelo Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA). “Não temos casos de denúncia de adolescentes vivendo maritalmente”, aponta a presidente, explicando que só com base na mesma poderiam actuar sobre um caso em concreto.
Apesar dessa ausência, o Instituto, pelo seu trabalho no terreno, reconhece que a problemática existe. Sem denúncias nunca houve casos concretos em pauta, mas acaba por estar integrado em todo um conjunto de acções de prevenção e sensibilização que o ICCA leva a cabo e que tem sido a grande aposta.
Contudo, como adianta Maria José Alfama, o ICCA tem “estado também a incentivar as denúncias”. Ao mesmo tempo, tenta-se passar mais informação por forma a combater a “normalização” que algumas problemáticas relacionadas com a criança e adolescente parecem ter assumido na sociedade cabo-verdiana”, aponta.
A própria discussão sobre quando é que um adolescente pode ou não ser considerado “maior de idade” e portanto, adulto, sendo-lhe atribuídos direitos e deveres em consonância com esse facto, é discutível. Internacionalmente e para a maior parte das vertentes da vida social estipulou-se que seria aos 18 anos. Contudo, há a partir dos 16 uma série de aplicações que já se aceitam, como o casamento com consentimento.
A perpetuação da pobreza
Das meninas com quem falamos a história de E. é a mais preocupante. Tal como as outras, com 16 anos já é mãe de uma criança de 11 meses. Quando iniciou a sua vida sexual, o seu namorado, então com 23 anos, trabalhador agrícola, usava preservativo, “mas rasgou”.
“Descobri que estava grávida, senti-me normal, não fiquei assustada. Contei ao namorado e ele reagiu bem“. Mas a mãe dela não. Disse que já que tinha engravidado que fosse fazer a sua vida (como se a gravidez fosse passaporte para a maioridade).
A saída de casa foi “triste”. A nova vida “diferente, menos trabalho, mas triste. Sentia a falta da casa da minha mãe, apesar das coisas más que ela me dizia”.
Tem um ar muito cansado, agastado. O seu discurso salta do “quero continua a estudar, sim” ao “é muito difícil conciliar tudo. Estou a pensar desistir”, num claro confronto entre a vontade de fazer pelo seu futuro e a realidade pesada das noites mal dormidas, grandes responsabilidades e falta de apoio.
Está no 8.º ano. Às vezes não tem ninguém para deixar o filho. Falta às aulas, chega atrasada. Mesmo pessoas da família lhe dizem que talvez seja melhor desistir. E. queria completar, pelo menos, o 12.º ano “mas está difícil”…
Mais uma vez se coloca a desistência da escola. As uniões de facto trazem, como aponta a coordenadora da ONU Mulheres, por exemplo um “aumento de carga de trabalho não remunerado e de cuidados domésticos (papel socialmente atribuído às mulheres), limitando grandemente a sua disponibilidade de tempo para a estudar, para fazer uma formação”.
Mais ainda, sem meios de subsistência e já enredadas numa vida familiar, a continuação ou não na escola dessas meninas depende da boa vontade do companheiro. São muitas vezes eles quem paga mas propinas e, por vezes, são inclusive eles os encarregados de educação. É uma estranha conjugação de poderes que as deixa vulneráveis.
A par do comprometimento dos estudos, e da falta de tempo para a formação há também menos tempo e possibilidade de “desenvolver um trabalho remunerado ou uma atividade geradora de rendimento”.
Entra-se numa total dependência – económica, afectiva, etc – que coloca estas meninas numa precária situação de vulnerabilidade a situações de violência.
E., por exemplo, sofreu violência por parte do pai do filho. Decidiu não aceitar. Saiu. Hoje mora com outro companheiro, que a sustenta e ao filho. E, recorde-se, tem 16 anos.
Sem subsistência e muitas vezes com baixa escolaridade, a solução encontrada por muitas meninas é precisamente essa. Arranjar um outro companheiro, do qual vão também depender, e que por norma, a certa altura quer um filho. É um ciclo problemático que não costuma ter final feliz.
Em suma, com a união precoce, cria-se um cenário onde se destaca a vulnerabilidade à violência, mas também à saúde, assim como limitações “ao poder de tomada de decisão sobre o sexo seguro e planeamento familiar”, destaca Vanilder Furtado. Há todo um “impacto negativo a nível do bem-estar mental, social e económico das meninas”.
A pobreza reproduz-se. As implicações sociais e económicas, principalmente face à ausência de estruturas de apoio para a mãe e criança, são brutais. Este não é um problema de H., O., P. ou E. e outras de que falamos. É um problema de todos. É um problema de Cabo Verde que só a lei não resolve, nem só a família, nem só a política pública, nem só a sociedade. Afinal é preciso um país inteiro para criar uma criança. Do nascimento à fase adulta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 852 de 28 de Março de 2018.