Mia Couto nasceu, estudou e começou a escrever na cidade mais afectada pelo desastre até ao fim da adolescência quando se mudou para a capital de Moçambique, a antiga Lourenço Marques, agora Maputo.
Cerca de 500 pessoas perderam a vida (número provisório), mais de 1,5 mil pessoas ficaram feridas.
O moçambicano lembra a resposta que tem visto ser dada ao desastre nos últimos dias.
“Quando sou entrevistado, perguntam-me sempre se a ajuda está a correr bem. É verdade que, num caso destes, Moçambique precisa de ajuda. Esta tragédia tem uma escala que Moçambique, sozinho, não consegue suportar. Mas o que me entristece é que nunca ninguém me pergunta como é que os beirenses, como é que as pessoas de Sofala, de Zambeze, de Inhambane, de Tete, etc, estão a reagir, estão a actuar. Não estão à espera que chegue a solidariedade. Estão a actuar, são gente que está a produzir o seu próprio futuro. Todos os amigos que tenho estão a reconstruir as suas casas como podem, as suas vidas como conseguem.”
O escritor afirma que “Moçambique tem uma história longa de coisas que são menos boas”, mas que “sempre houve esta escola de resposta a partir de dentro, Moçambique foi solidário com Moçambique.” Para o autor, “isso é uma grande esperança".
As Nações Unidas lançaram na segunda-feira um apelo humanitário de urgência de 282 milhões de dólares para Moçambique para os próximos três meses. Cerca de 1,7 milhões de pessoas precisam de ajuda alimentar.
Sobre este momento de solidariedade, Mia Couto diz que “é uma renovação daquilo que nos liga profundamente, para além da distância, para além das diferenças.” Algo “que nos faz pensar que nós realmente vivemos e somos gente que é próxima e cuja dor nunca é alheia, nunca é de um outro.”
O escritor recorda que o centro do desastre ser a sua terra natal, Beira, é algo que o deixa “mais amargo, mais doido, mais magoado.”
“Porque ali está a minha infância, ali está a minha adolescência. Saí da Beira quando tinha 17 anos e só saí porque lá não havia universidade. Vim estudar para Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi a Beira que me fez ser quem sou. Foi a Beira que me fez sonhar. Foi a Beira que me contou histórias, as primeiras histórias. Foi a Beira que me fez escritor. Portanto, acho que tenho um carinho profundo, como se aquela cidade não fosse um lugar, mas fosse uma parte de mim próprio.”
Mia Couto não precisa de deixar uma mensagem de esperança para os moçambicanos, porque a recebeu quando os jornalistas nacionais e internacionais entrevistaram mulheres e crianças depois do desastre.
“Esperavam que houvesse só um discurso de lágrimas e de choro e de lamento e, muitas vezes, a mensagem era digna, de quem não estava derrotado, de quem estava de pé, lutando, e acho que essa é a grande mensagem que nos dão. Em vez de ser eu a dar uma mensagem de esperança as crianças e às mulheres, acho que é ao contrário, são eles a dar uma mensagem de esperança a mim".
Mulheres e crianças são consideradas os grupos mais vulneráveis neste momento. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), uma das suas grandes prioridades é a situação de 67 mil mulheres grávidas que foram afectadas pelo ciclone.
Do total da população afectada, estima-se que 67 mil são mulheres grávidas. Nos próximos três meses, devem nascer 19 mil crianças. Mais de 3 mil mulheres podem estar em risco de vida com emergências relacionadas à gravidez.