“Isto está a levantar enormes suspeitas, sobretudo quando se procura relacionar com o acto que ocorreu no Palácio do Governo, que ainda ficou por clarificar”, afirmou à Lusa Rui Jorge Semedo.
Os chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) reunidos na quinta-feira em cimeira extraordinária em Acra, no Gana, anunciaram o envio de uma força de apoio à estabilização para o país, após um ataque contra o Palácio do Governo, na terça-feira.
Quando tomou posse em 2020, o chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, decidiu acantonar a força de interposição da CEDEAO que estava estacionada no país desde 2012, na sequência de um golpe de Estado, e dar como terminado o seu destacamento no país.
“Nós lembramo-nos que a primeira coisa que o Presidente fez quando assumiu o poder foi de decidir que a Guiné-Bissau não precisava de militares da CEDEAO porque confiava nas forças [de defesa] republicanas da Guiné-Bissau”, recordou o analista.
Por outro lado, salientou Rui Jorge Semedo, a CEDEAO não teria tomado esta decisão “sem uma solicitação do Estado da Guiné-Bissau”.
“E se foi o Estado, houve um diálogo com o Governo, porque todos sabemos que o parlamento não esteve reunido para falar sobre este assunto, e as Forças Armadas estão a par desta medida da CEDEAO”, disse.
“O que podemos avançar é que já há uma falta de confiança do Presidente da República em relação às Forças Armadas”, disse Rui Jorge Semedo, salientando que isto contradiz as declarações de Umaro Sissoco Embaló feitas após o ataque ao Palácio do Governo, em que elogiou o comportamento dos militares.
“Então qual é a necessidade do envio de uma força multinacional da CEDEAO”, questionou o analista.
Rui Jorge Semedo recordou que, por norma, essas forças são constituídas por militares de países vizinhos e que “acabam por conhecer toda a casa”.
“O Senegal, quer queiramos, quer não, tem uma situação muito complicada para resolver com a Guiné-Bissau que é a questão da exploração do petróleo. Ninguém sabe onde até onde isto vai chegar”, advertiu.
Para Rui Jorge Semedo, é preciso “repensar se realmente se chegou a um consenso sobre a necessidade de uma presença militar, que países poderão fazer parte dessa força”.
“Caso contrário, acho que continuamos a correr riscos, não só com a presença das forças, como a entregar os nossos segredos internos de defesa e segurança aos outros países”, acrescentou, referindo que a Guiné-Bissau está a viver um momento “muitíssimo incerto”.
“Por isso toda a suspeita sobre o que aconteceu no Palácio do Governo. Será que foi uma simulação [do Presidente] para ir buscar legitimidade? Mas se foi uma tentativa de golpe de Estado ou atentado terrorista, os militares responderam positivamente e por isso isto é muito intrigante", disse, salientando que é preciso esperar esclarecimentos dos deputados e do Governo.
Homens armados atacaram na terça-feira o Palácio do Governo da Guiné-Bissau, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República e do primeiro-ministro, Nuno Nabiam.
O ataque causou pelo menos oito mortos, segundo o último balanço do Governo, que reviu em baixa o número de vítimas mortais.
O Presidente considerou tratar-se de uma tentativa de golpe de Estado que poderá também estar ligada a “gente relacionada com o tráfico de droga”.
O Estado-Maior General das Forças Armadas guineense iniciou entretanto uma operação para recolha de mais indícios sobre o ataque, que foi condenado pela comunidade internacional.
A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, com cerca de dois terços dos 1,8 milhões de habitantes a viverem com menos de um dólar por dia, segundo a ONU.
Desde a declaração unilateral da sua independência de Portugal, em 1973, sofreu quatro golpes de Estado e várias outras tentativas que afectaram o desenvolvimento do país.