Esta nova postura de Pequim foi alimentada pela necessidade de moldar uma ordem internacional mais alinhada com os seus interesses.
"A actual ordem internacional está enraizada em normas intrinsecamente antagónicas aos princípios organizadores nos quais o sistema do Partido Comunista Chinês (PCC) se baseia e, portanto, é vista como uma ameaça permanente à legitimidade do regime", resumiu Nadège Rolland, analista de questões de segurança, num relatório entregue ao Congresso dos EUA.
Sob a governação de Xi, o PCC, que afirmou sempre que a China nunca copiaria sistemas políticos de outros países, em particular a democracia de estilo Ocidental, passou a defender que o seu sistema de partido único é uma solução viável para as nações em desenvolvimento.
A China oferece um "novo tipo de sistema partidário" e vai "promover uma nova forma de relações internacionais", avançou o líder chinês, que deve assumir um terceiro mandato, este mês.
Num discurso recente, proferido numa reunião do Politburo do PCC, Xi apontou que os países ocidentais enfrentam divisões políticas profundas, uma quebra de confiança no sistema de governação, desordem social e surtos descontrolados de covid-19.
O líder chinês pediu às autoridades do país que "participem activamente nas discussões sobre Direitos Humanos da ONU" e "aumentem a influência" da China nas instituições multilaterais.
Nos últimos anos, Pequim avançou também com fóruns e organizações multilaterais próprias, no âmbito da Iniciativa "Faixa e Rota".
O projecto internacional de infraestruturas prevê a construção de portos, linhas ferroviárias ou auto-estradas, ligando o leste da Ásia à Europa, Médio Oriente e África. O maior entrosamento entre Pequim e os países envolvidos abarca ainda o ciberespaço, meios académicos, imprensa, regras de comércio ou acordos financeiros, visando elevar o papel da moeda chinesa, o RMB, nas trocas comerciais. Observadores consideram que o objectivo da China é redesenhar o mapa da economia mundial e moldar uma nova ordem internacional.
Os ideólogos chineses acreditam que os valores liberais, em particular os Direitos Humanos fundamentais, permanecem proeminentes não porque sejam moralmente superiores, mas porque reflectem o poder do Ocidente, que consideram estar em declínio. Segundo a sua visão, foi o poder dos EUA que permitiu a Washington ditar as regras que formam a base da ordem internacional e criar instituições internacionais que reflectem e propagam valores "ocidentais".
A questão dos Direitos Humanos é fonte frequente de tensão entre o Governo chinês e os países ocidentais. A ênfase em liberdades políticas individuais choca directamente com a organização do poder político na China.
Para Pequim, "o direito ao desenvolvimento é o mais importante dos Direitos Humanos". O contrato social na China reflecte essa premissa: o Partido mantém uma autoridade indisputada e os privilégios da elite dominante e, em troca, assegura a melhoria dos padrões de vida e elevação do estatuto global do país.
Na última década, dois eventos intensificaram o debate ideológico sobre a validade do argumento chinês.
Desde a crise financeira global de 2008, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas. A pandemia da covid-19 causou mais de três milhões de mortos nos Estados Unidos e Europa, em contraste com a China, que registou cerca de 5.000 óbitos.
"A pandemia acabou com a ideia de que o Ocidente fazia tudo melhor", resumiu à agência Lusa um diplomata europeu colocado em Pequim. "Após esta epidemia, os chineses nunca mais vão olhar para nós da mesma forma", resumiu.
Francis Fukuyama, cientista político conhecido por prever o triunfo do liberalismo político e económico após o colapso da União Soviética, admitiu já que as suas teses anteriores estão a ser desafiadas pela China.
"A questão é se o sistema é sustentável a longo prazo", ressalvou o autor da tese "O Fim da História", uma referência no ramo das Relações Internacionais.
"Há várias razões para pensar que não, começando pelos desafios em lidar com as enormes tensões sociais que surgiram como resultado da modernização", apontou. "Mas, caso a China consiga gerir essas tensões e permanecer forte e estável por mais uma geração, então acho que há, de facto, uma alternativa real à democracia liberal".