A disrupção que tem marcado esta década (2020) não terminou com o “novo normal” expectável depois do pico da pandemia. A guerra da Ucrânia veio e trouxe uma série de crises. Há novos riscos e voltam alguns “antigos”.
Entra-se, então, em 2023 com o retorno de riscos contra os quais poucos líderes empresariais ou decisores políticos públicos desta geração têm experiência como a inflação ascendente e o aumento do custo de vida, mas também as guerras comerciais, a saída de capital de emergentes, a agitação social generalizada, o confronto geopolítico e o espectro da guerra nuclear.
Aos riscos de outrora que hoje regressam somam-se outros relativamente novos que os amplificam, incluindo níveis de endividamento insustentáveis, uma nova era de baixo crescimento, baixo investimento global e ‘des-globalização‘, declínio no desenvolvimento humano após décadas de progresso, o desenvolvimento rápido e sem restrições de tecnologia de dupla utilização (civil e militar) e a crescente pressão dos impactos das mudanças climáticas.
Juntos, riscos velhos e novos, “estão a convergir para moldar uma década única, incerta e turbulenta” que aí vem, alerta o Fórum Económico Mundial, no seu GRR, relatório anual sustentado pelo Inquérito de Percepção de Riscos Globais (GRRPS) e que reúne “insights” de mais de 1.200 peritos.
Custo de vida no topo das preocupações
O GRR prevê e analisa os riscos mais graves que iremos enfrentar, no curto prazo (2 anos), mas também a médio prazo (10 anos). A edição de 2023 sublinha que “o custo de vida domina os riscos globais nos próximos dois anos, enquanto o fracasso da acção climática domina a próxima década”.
Quanto ao próximo biénio, a crise do Custo de vida que já se sente será, pois, o risco global mais severo. Esta, explica o WEF, é uma crise composta, integrando diversos riscos que se espera serem os com mais impacto em 2023, entre os quais a crise de fornecimento de energia, a inflação crescente e a crise de abastecimento de comida.
As crises compostas estão, na verdade, a ampliar-se, atingindo agora uma secção muito maior da população e incluindo comunidades e economias que não são vistas como tradicionalmente vulneráveis.
“Os impactos económicos foram amortecidos pelos países que podem suportá-los, mas muitos países de baixa renda estão a enfrentar várias crises: dívida, mudanças climáticas e segurança alimentar”, observa o Fórum Económico, sublinhando que há o risco de as pressões contínuas do lado da oferta transformarem essa actual crise do custo de vida em uma crise humanitária mais ampla, em muitos mercados dependentes de importações.
O próprio desenvolvimento humano está comprometido. “Durante os próximos 10 anos, menos países terão a margem de manobra fiscal para investir no crescimento futuro, tecnologias verdes, educação, cuidados e sistemas de saúde”, lê-se ainda.
E, “com uma crise no financiamento do sector público” e preocupações de segurança, a capacidade de absorver o próximo choque global está a diminuir”, avisa o WEF.
Crises ambientais dominam a década
No que toca ao espaço de uma década, entre os principais riscos, já não surge o custo de vida. Os riscos ambientais e do clima são o foco central da percepção dos riscos globais durante os próximos 10 anos e são avaliados como aqueles para os quais o mundo está menos preparado.
A falta de avanços substanciais nas questões ambientais e climáticas, assinala o GRR, mostrou a divergência entre aquilo que a ciência mostra ser necessário para atingir os objectivos e o que é politicamente exequível, aponta o documento.
Não há inclusive, no curto prazo, boas notícias. “A crescente procura de recursos públicos e privados de outras crises reduzirá a velocidade e a escala dos esforços de mitigação [das mudanças climáticas] nos próximos dois anos”, prevê-se.
A tabela dos 10 maiores riscos para os próximos 10 anos é, então, dominada por questões do foro ambiental (6 em 10) e no top 5, apenas há um risco não categorizado como ambiental: a “Migração involuntária em larga escala”.
Este risco, bem como a expansão dos crimes cibernéticos e a cyber-insegurança, surge pela primeira vez no top 10 dos rankings do GRR.
Baixo crescimento e baixo investimento
Entrados em 2023, estamos no fim de uma Era económica em que, por exemplo, a era das taxas de juro baixas chegou ao fim, o que terá “ramificações significativas para governos, empresas e indivíduos”.
“As consequências económicas da COVID-19 e da guerra na Ucrânia provocaram uma inflação vertiginosa, uma rápida normalização das políticas monetárias e iniciaram uma era de baixo crescimento e baixo investimento”, diz o WEF.
Nos próximos anos, os governos e bancos centrais terão de lidar com pressões inflacionistas.
Conforme refere o Fórum, os riscos de deterioração das perspectivas económicas também são grandes.
O documento deixa ainda vários avisos /previsões:
– Um descompasso entre as políticas monetária e fiscal aumentará a probabilidade de choques de liquidez, sinalizando uma desaceleração económica mais prolongada e o sobreendividamento à escala global;
– Uma inflação contínua induzida pela oferta pode conduzir a uma estagflação, cujas consequências socioeconómicas poderão ser graves, dada uma interacção sem precedentes com níveis historicamente elevados da dívida pública;
– A fragmentação económica global, as tensões geopolíticas e uma reestruturação mais profunda podem contribuir para o sobreendividamento generalizado nos próximos 10 anos.
As famílias de rendimento médio serão também afectadas pelas pressões económicas e haverá necessidade de uma maior protecção social por todo o mundo. O desafio para os governos será, pois, equilibrar a protecção aos seus cidadãos face à crise do custo de vida, “sem incorporar a inflação”, com a cobertura dos custos do serviço da dívida.
Tudo isto num contexto em que as receitas estão sob pressão “de uma recessão económica, de uma transição cada vez mais urgente para novos sistemas energéticos, e de um ambiente geopolítico menos estável”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1103 de 18 de Janeiro de 2023.