O antigo movimento nacionalista de libertação, liderado por Mandela, foi eleito em 1994 com 62,65% dos votos para governar a economia mais desenvolvida do continente como parte de uma "Aliança Tripartida" formada com o Partido Comunista da África do Sul (SACP) e a Confederação Sindical da África do Sul (COSATU).
Todavia, entrou em declínio em 2014, atingindo um mínimo de 57,5% dos votos em 2019, e as sondagens têm mostrado consistentemente que não obterá mais de 50% dos votos necessários para formar um Governo de maioria nas eleições nacionais e provinciais de quarta-feira.
"Isto aumenta a probabilidade de acontecer o primeiro Governo de coligação nacional em 30 anos", considerou o académico sul-africano Michael Braun, da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.
"Desde as eleições de 2019, a opinião pública sobre o ANC continuou a piorar. A percepção [negativa] sobre a prestação de serviços públicos foi prejudicada, por exemplo, pelos cortes de energia que devastaram a economia", sublinhou num artigo publicado na plataforma académica The Conversation.
A directora do Instituto de Relações Raciais da África do Sul (SAIRR, na sigla em inglês), Anthea Jeffery, considerou, em declarações à Lusa, que o declínio do ANC se deve a "más políticas" implementadas pelo partido de Nelson Mandela, especialmente depois de 2008, quando o Presidente Thabo Mbeki deixou a Presidência da República.
"Se o ANC obtiver uma maioria, receio que vejamos políticas e projectos de lei que estão neste momento em tramitação no parlamento a serem implementados, com consequências extremamente negativas", disse, exemplificando com o projecto de lei sobre expropriações, "que permite expropriar terras sem qualquer compensação", bem como "outros tipos de propriedade, incluindo participações [financeiras], direitos mineiros, e outros, por muito menos do que o valor de mercado".
Jeffery disse ainda recear que o Seguro Nacional de Saúde, tal como é proposto, venha criar "mais oportunidades para a corrupção, que tem sido um dos grandes sinais do ANC ao longo de décadas".
Mbeki foi afastado do cargo pela ala esquerda radical do ANC, que, juntamente com os parceiros da aliança de governação tripartida, apoiaram a nomeação do vice-presidente Zuma para o cargo de Presidente da República em 2009, o qual foi também afastado pelo seu próprio partido devido a inúmeros escândalos de alegada corrupção em 2018, sendo substituído por Cyril Ramaphosa, que, durante a campanha, acusou de ser "um problema para o país".
Jeffery considerou um "risco real" algum tipo de acordo de coligação com o Aliança Democrática (DA), que acabaria por descobrir que "não pode influenciar as políticas que estão a ser adoptadas e implementadas pelo ANC", podendo tornar-se "um parceiro no fracasso do país" e, nas próximas eleições, em 2029, ser afastado de formar um potencial Governo.
A investigadora sul-africana considerou que "há também o risco de o ANC poder fazer um acordo com o EFF [Combatentes da Liberdade Económica, de esquerda radical], e com os parceiros do partido uMkhonto weSizwe (MKP) [novo partido político de Jacob Zuma], que partilha a mesma ideologia do partido no poder".
"Como o Presidente Ramaphosa afirmou, em 2022, não existe divisão política ou ideológica dentro do ANC, todos estão em concordância, [significando que] a única coisa pela qual lutam são as posições de poder, e respectivas vantagens, o dinheiro que está associado com os cargos", sublinhou.
Uma eventual aliança entre estas formações iria, no seu entender, afectar a economia, "provavelmente agravando as altas taxas de desemprego" e a crise, potenciais geradoras de "mais agitação e aumento da criminalidade".
Todavia, esta investigadora descartou o cenário levantado por alguns analistas de o ANC não vir a respeitar os resultados eleitorais de forma "pacífica" e "democrática".
Também o analista sul-africano Thembisa Fakude, diretor do 'think-tank' Africa Asia Dialogues (AFRASID, na sigla em inglês), em Joanesburgo, disse à Lusa que o cenário pós-eleitoral será "pacífico", considerando que "o ANC está desmantelado", pois nenhum "homem forte o controla".
"Não creio que Ramaphosa convoque os membros do partido e todos concordem em não aceitar um determinado resultado na votação. A África do Sul está demasiado polarizada democraticamente. O facto de alguns dos membros do ANC quererem destituir o Presidente mostra o quão polarizado o país está, julgo que o ANC aceitará [uma eventual] derrota", explicou.
O ANC detém actualmente 230 dos 400 assentos parlamentares (57,50%), enquanto o DA e a EFF têm 84 e 44 lugares, respectivamente.