“Claramente, há um declínio da popularidade do ANC, devido ao desgaste natural provocado pela longevidade no poder, mas também pelo falhanço nas respostas aos problemas essenciais da sociedade sul-africana”, considerou, em declarações à Lusa, Gil Lauriciano, analista e antropólogo moçambicano.
Lauriciano defendeu que o partido no poder na África do Sul está a ser castigado pela incapacidade de satisfazer as expectativas da maioria da população sul-africana com o fim da política de segregação racial, conhecida por 'apartheid', em 1992.
O país tem sido assolado por elevados índices de desemprego e criminalidade, por falta de habitação e deficientes serviços básicos como energia e saúde, assinalou Gil Lauriciano, que é também docente na Universidade Joaquim Chissano.
“Estar no poder há 30 ou 40 anos expõe qualquer partido a um juízo de culpa por parte de um eleitorado cansado de falta de soluções”, sublinhou.
O antropólogo assinalou que os resultados nas eleições gerais sul-africanas de 29 de Maio mostram que a “invencibilidade dos partidos libertadores é um mito, que pode ser desconstruído, e partidos como a Frelimo devem tirar lições”.
Dércio Alfazema, analista e director de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD, na sigla em inglês), organização não-governamental (ONG), concorda que a perda de maioria absoluta pelo ANC traduz a frustração da população do país com a falta de respostas às carências sociais que o país enfrenta.
“O ANC passa por um desgaste causado pela revolta da população sul-africana, principalmente do eleitorado jovem, que enfrenta a falta de emprego e de soluções, também causada pela má liderança do partido no poder”, disse Dércio Alfazema.
A governação do ANC, tal como de outros partidos libertadores da África Austral, tem sido minada por uma acentuada corrupção, desviando recursos que seriam destinados a políticas públicas, prosseguiu.
“A disputa no acesso aos recursos públicos dentro do ANC tem levado à fragmentação do partido e ao surgimento de forças políticas dissidentes, que arrastam consigo franjas do eleitorado que antes votavam no partido no poder”, observou o director de programas do IMD.
A diferença com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder há mais de 48 anos), continuou, é que se tem mantido coeso, apesar de “fracturas internas informais”.
“Paradoxalmente, em Moçambique, as dissidências ocorrem na oposição e não na Frelimo”, enfatizou Dércio Alfazema.
Outro sinal nos movimentos que participaram na libertação dos seus países e que se converteram em forças dirigentes é “a maioria absoluta à tangente” com que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) governa o país desde as últimas eleições legislativas, em 2022, salientou.
Tal como na África do Sul, Moçambique realiza este ano, em Outubro, eleições, que incluem legislativas e presidenciais, às quais já não pode concorrer o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, por ter atingido o limite constitucional de dois mandatos.