Há cinco anos, umas semanas antes do então desconhecido coronavírus atingir o continente, Jorge Atougia dizia à Lusa que África tem sido poupada de doenças como o coronavírus, por ter menos ligações aéreas, menos espaços confinados e mais calor, mas alertava que também tem menos meios para responder a um eventual surto.
"Cruzemos os dedos para que não existam casos [de coronavírus] em África", declarou então. A covid-19, doença provocada por um vírus entretanto batizado (SARS-CoV-2), chegou a África e ao resto do mundo e o seu impacto no continente africano aparentemente não cresceu tão depressa como temiam os profissionais de saúde e investigadores.
Hoje, o especialista em medicina tropical acredita que o facto de em África as pessoas viveram mais no exterior, com menor proximidade do que nas grandes cidades de outros continentes, a par da idade mais jovem da população, com maior capacidade imune para responder a doenças, contribuiu para a pandemia não ter efeitos mais devastadores na região.
Contudo, considera que as limitações nas testagens, principalmente no início da pandemia, conduziram a uma deficiente contabilização dos casos.
"Os países não tinham capacidade de fazer o diagnóstico, [as infeções] não foram detetadas e, portanto, não foram contabilizadas", afirmou.
Para Jorge Atouguia, ainda hoje é desconhecido o real impacto da pandemia no continente africano.
"África começou a testar bastante tempo depois dos países do hemisfério norte" e só começou a fazer as vacinas "também muito mais tarde, meses, meio ano mais tarde, em muitos casos até mais", disse, questionando: "Se não há registos, nós não podemos ter nenhum tipo de prova de que isso aconteceu, não é?".
Sobre a mortalidade, Jorge Atouguia também identifica dificuldades numa leitura real do impacto da covid-19.
E recorda que, mesmo após o bloqueio à entrada de pessoas nos países, a mortalidade por doenças, como infeções respiratórias ou infecciosas, que baixou no hemisfério norte, devido a medidas como o uso da máscara, não diminuiu em África, o que pode indicar que estes níveis da mortalidade incluíam os provocados pela covid-19, sem estarem identificados como tal.
Para o professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, agora aposentado, a pandemia veio reforçar a desigualdade no acesso à prevenção e tratamento de doenças, de que sofre o continente africano, como se viu há décadas no acesso à medicação contra o VIH, que continua.
"Só muitos anos depois de nós estarmos a iniciar terapêuticas antirretrovirais, é que os africanos começaram a ter acesso a essas terapêuticas e neste momento continua a existir um espaço muito grande entre aquilo que nós utilizamos nos países do norte e aquilo que os africanos utilizam", disse.
Segundo Jorge Atouguia, "a maior parte dos países africanos não tem acesso aos mais recentes medicamentos" contra o VIH.
"Não sei até que ponto isso está na mente das pessoas, que realmente a África é sempre o continente mártir do ponto de vista do acesso à saúde", concluiu.
De acordo com os números do Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (África CDC), organismo da União Africana (UA), a covid-19 infetou 12,1 milhões de pessoas nas 54 nações africanas, representando 2% dos casos a nível mundial. Pelo menos 256.000 pessoas morreram.