Editorial: Tardia e de eficácia duvidosa

PorHumberto Cardoso, Director,1 jan 2018 6:39

​Finalmente aconteceu a remodelação do governo de Ulisses Correia e Silva. Fora anunciada em Maio último pelo próprio primeiro-ministro e a expectativa geral era que iria verificar-se logo nas semanas seguintes.

 Quando veio, já não se tratou do simples reforço com secretários de estado que muitos vinham sugerindo praticamente desde a entrada em funções do governo em 2016. O PM optou por mudar a estrutura do governo. Não demitiu ninguém, mas distribuiu por três ministérios as pastas que anteriormente estavam com o ministro José Gonçalves. Também nomeou vice-primeiro ministro o actual ministro das Finanças e entregou-lhe a coordenação da política económica e financeira e das reformas económicas e o planeamento estratégico para a competitividade e para o emprego. Ainda elevou o ministro da presidência do Conselho de Ministros ao cargo de ministro de Estado com funções de coordenação da agenda política e da política de comunicação e imagem do governo. No total, o governo passou a contar com 20 elementos: o PM, treze ministros e seis secretários de Estado.

Oficialmente apresenta-se como objectivo principal da remodelação a procura de eficiência e eficácia na governação, mas dificilmente vai-se deixar de notar que também se tratou de dar expressão formal ao ganho em peso político conseguido até agora pelo ministro das Finanças Olavo Correia, evidenciado publicamente no processo de elaboração do orçamento do estado e na gestão de dossiers sensíveis como o da TACV. Já os outros ajustes vêm na sequência dessa nomeação e da necessidade de repor equilíbrios políticos. A questão crucial é se os sinais enviados para a sociedade realmente convergem para passar uma mensagem de confiança que há visão e competência governativa para equacionar e resolver os extraordinários e complexos problemas que o país enfrenta no presente e próximo futuro. E é essa mensagem que o país precisa neste momento quando se encontra numa encruzilhada e tem de mudar de rumo porque “alguém” esteve a “esticar a corda até o limite” e comprometer o futuro com políticas que deixaram dívida pesada, o país sem competitividade, com capital humano inadequado e com um sector privado fragilizado.

A verdade é que a divisão do anterior ministério da economia em três ministérios e a absorção de alguns dos seus departamentos no ministério das Finanças pode outra vez trazer à tona a ideia de que a economia continua a ser “filho de um deus menor” nos governos caboverdianos. Aliás, o facto de ao longo de todos estes anos ainda não se ter melhorado significativamente o ambiente de negócios, baixados os custos de contexto, delineado um plano de acção para a diminuição dos custos de factores e resolvido o problema dos transportes deve-se em boa parte à ausência de vontade política resoluta para remover os obstáculos institucionais, combater os interesses que beneficiam do status quo e criar incentivos geradores de uma nova atitude na actividade económica. Os avanços da economia informal, as fragilidades no ambiente de concorrência e a relutância de muitos em correr riscos e em desenvolver actividade empresarial são prova disso. Fica-se com uma ideia das dificuldades em implementar reformas económicas notando, por exemplo, que o governo anterior do PAICV, em quinze anos, teve sete ministros de economia, mas só três ministros das Finanças. Por isso, qualquer sugestão de perda de peso político no sector, quando o mais urgente para o país são as reformas económicas, não pode ser tomada como uma boa notícia.

A expectativa de muitos é que logo à partida o ministro da Economia fosse coadjuvado por secretários de estado com capacidade tecno-política para planear a reforma profunda dos sectores sob tutela com vista a uma organização moderna e efectiva da economia nacional. Levou a melhor a opção por um governo pequeno fruto da ideia peregrina que é poupando no novo grupo dirigente que se começa a dominar uma máquina ineficiente, cheia de vícios e agressivamente hostil a reformas. O resultado é o que se vê. As tentativas de mudança arrastaram-se, a autoridade tende a diluir-se no afã de se conseguir controlo com os parcos recursos disponíveis e as reacções do sistema em forma de fugas de informação, reivindicações salarias e greves não tardaram a surgir. O número de passeatas, de confrontos laborais e greves já verificados nestes 19 meses de governação já deverá ter ultrapassado o que aconteceu na década anterior. Aparentemente nem há muita ponderação em certas tomadas de posição. O caso da Polícia Nacional em greve nos próximos dias pela primeira vez na história do país e depois de ter sido contemplada com aumentos significativos no orçamento para fazer face a reivindicações salariais antigas e progressões e promoções, não deixa de ser estranho. Experiências de outros países alertam sempre para a importância de manter foco na governação e mostrar capacidade de liderança para fazer as reformas no momento certo a fim de não ser apanhado por interesses corporativos e outros instalados em certos sectores da administração pública ou ligados ao Estado.

A situação do país não é fácil e os vários anos de estagnação tiveram impacto nas pessoas, aumentando incertezas em relação ao futuro. Há que gerir as expectativas para que a atitude certa seja a de as pessoas cooperarem entre si para o seu ganho pessoal e para o bem do país e não caírem na tentação de cada um procurar “arrebatar” para si próprio o máximo que puder dos recursos públicos. Para isso conta muito num mundo tentado pela pós-verdade, pela demagogia e pelo populismo insistir numa governação honesta. Convém também pôr em devida perspectiva a situação do país, sem cair na tentação de usar o passado como arma de arremesso político, confrontar os muitos projectos ilusionistas que ainda dominam o discurso político com a realidade crua dos factos económicos e mostrar ser capaz de rever políticas, traçar outras estratégias e desencadear iniciativas realistas que ponham o país no caminho seguro do desenvolvimento. A resposta ao fiasco da CEDEAO, por exemplo, não devia ser, sem qualquer avaliação prévia, a criação de um ministro-adjunto para Integração Regional junto do primeiro-ministro. O país já não tem mais folga para ilusões, titubeações e teimosias.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,1 jan 2018 6:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  30 nov 2018 3:23

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