A política cabo-verdiana, os seus atores, ainda não se deram conta disso. A casa parlamentar, mesmo com as remodelações, cheira a naftalina. Ninguém se revê naquilo nem no que diz aquela gente. E o “ vira o disco e toca o mesmo” quando não causa repulsa, indiferença - aborrece.
A casa parlamentar e a postura dos governantes é apenas o matadouro da dignidade nacional e da democracia. O nascedouro são as campanhas eleitorais. Que campanha nos acompanha?
Eleições vão, eleições vêm, e as campanhas eleitorais permanecem iguais a si próprias. Cavernosas, incomodativas, barulhentas, deseducadoras, e miseráveis, tanto na sua forma como no seu conteúdo. As campanhas eleitorais nos moldes em que têm sido realizadas, para além de serem uma verdadeira afronta ao bom senso e à ética atestam o estado de involução de Cabo Verde. Cidadãos que se candidatam a liderar (uma ilha ou país), que em princípio seriam os de boa índole e os mais aptos em termos de competências pessoais e técnicas, convertem-se em demagogos da pior estirpe. Exploram a miséria, ludibriam o sofrimento económico da população com mirabolantes promessas ou com uma “filantropia” momentânea que, a mim, revolta o estômago e já impacienta. Após as eleições, convertem-se todos em pessoas idóneas como se se conseguisse libertar de condutas arteiras com a mesma facilidade de quem se liberta de uma roupa suja trocando-a por outra acabadinha de lavar.
Após a contagem dos votos, não se fala no programa do partido vencedor (até porque isso durante toda a campanha parece um acessório), mas dos bilhetes de identidade, na compra de consciência, na trafulhice e na ilusão dos pobres. É tanto lodo de todo o lado que a CNE, a comunicação social, movimentos cívicos e cidadãos apartidários, ficam cautelosos e por vezes manietados com medo de, por via de desinformação e tentativa de manipulação, verem empurrados o seu bom nome para a pocilga. O que acaba por fazer algum sentido já que Bernard Shaw alerta que nunca se deve lutar com um porco porque fica-se todo sujo e ainda por cima o porco gosta.
Porque será que campanha após campanha ainda deparamos com o mesmo cenário? Se as campanhas eleitorais servem para apresentar propostas, ideias, alternativas para o desenvolvimento da ilha ou país e pretendem convencer os eleitores ao ponto de levá-los de forma consciente a votar em X, Y, ou Z, que sentido fará esse escarcéu todo? Não haverá outro repertório?
Partindo do princípio que o público-alvo seja a população - poderemos questionar - qual a percepção que os candidatos às eleições fazem da população para acharem que só à custa de campanhas abjectas sairão vitoriosos nas urnas. Ou melhor, como nós, população, somos percepcionados por aqueles que nos governam ou por os que o ambicionam fazer? Compreender a percepção que a classe política possui da população pode ser uma interessante via para perceber muito das suas decisões e comportamentos (em tempos de campanha eleitoral e não só).
A percepção da realidade é uma construção que nos permite a leitura da realidade, mas não quer dizer que corresponda de facto à realidade. Na construção da perceção interferem vários fatores tanto intrínsecos como extrínsecos aos indivíduos o que faz desse processo algo extremamente complexo e heterogéneo. E porquê a importância de conhecer as percepções? O estudo das perceções liga-se diretamente ao estudo das atitudes, na medida em que as atitudes variam de acordo com a percepção que se tem de alguém/ grupos sociais ou acontecimentos. O que quer dizer que um mesmo indivíduo/grupo pode ter comportamentos completamente diferentes, dependendo das percepções que tem das pessoas ou coisas. Nesta perspetiva seria interessante saber como a população, os cidadãos eleitores, são percecionados pela classe política. Que imagem tem de nós, população? O que pensam a nosso respeito? Pela qualidade (ou falta dela) de desempenho político, arrisco a dizer que essa perceção não é lá grande coisa.
Talvez nos tomem por reles, pobres coitados, ignorantes, egocêntricos, interesseiros, ingénuos e de memória fraca, e por isso não se esforçam por fazer melhor.
Mas por outro lado, o que se poderá esperar do candidato que ganhe nas urnas tendo como parceira a batota? Que se converta de seguida num democrata vertical e exemplar? Que encoste os seus interesses privados e passe a trabalhar para o bem-estar da população e desenvolvimento colectivo? Não sejamos tolos. Nesse jogo de troca do voto por um pedaço de terreno, uma promessa de emprego, o desbloqueio daquela licença, ou por míseros trocados, vai-se cavando o país. Resultado? Um país adiado. Está tudo por fazer. E o que mais ordena é o disfuncionamento, a institucionalização da incompetência, a injustiça e a ausência do Estado lá onde dele mais se necessita.
Falta a população se respeitar e exigir respeito por parte dos que a representam. Penalizar nas urnas a demência, a cretinice e a pouca vergonha, já pode ser um bom começo. E, quem sabe ganhando o balanço, passemos a acompanhar de perto a gestão do país e a exigir mais do que as migalhas que de vez em quando se lembram de nos atirar para acalmar a nossa fome de um país renovado.
Mindelo, 18 de Março de 2021
Antónia Môsso