Por isso, sempre tive o entendimento de que é necessário desmistificar, principalmente junto dos mais jovens,a narrativa pessimista e distorcida acerca dos anos 90,que, alguns teimam, amiúdes vezes, em contar com o único propósito de enganar os mais incautos e distraídos. Devemos dar a devida glória aos tempos áureos desta Nação. O despertar de um povo.
E como sou mesmo abençoada e, para facilitar a minha vida, recebi de um amigo e colega, um dossiêintitulado “Legado dos anos 90”,o qual, devo confessar, me causou admiração, primeiro, pela qualidade do trabalho, com gráficos, números, legislação e tudo doque preciso para tentar, com minhas limitações, escrever sobre os anos 90, e segundo causou-me espanto por isto vir de um jovem de pouco mais de 30 anos. Isso demonstra que nada está perdido, que é possível, e que os jovens podem e devem se interessar pela política no sentido de defender ideias que, de facto, têm um único propósito, o de servir e bem servir o país e os Cabo-Verdianos. Bravo César Varela e muito obrigada, por ser esse farol de esperança para a juventude.
Como dizia, precisamos desmistificar e falar sem tabus de alguns temas, como a institucionalização do poder local, da liberdade sindical, da liberalização da economia, das famosas privatizações, da integração das comunidades emigradas, da promoção da equidade de género e da participação política da mulher, e de todas as liberdades, nomeadamente a de reunião, de manifestação, de expressão, que são grandes ganhos do povo cabo-verdiano, ganhos esses que advieram, unicamente, convém dizê-lo desabridamente, do 13 de Janeiro de 1991.
O Estado de Direito Democrático é um legado dos anos 90 e da governação do MPD.
Daindependência até 1990, vigorou em Cabo Verde um regime de partido único, um Partido-Estado, centralizador e autoritário no qual a dignidade humana era fustigada completamente. No então regime antidemocrático, não se podia falar e, ontem, ouvi uma expressão interessante de um outro jovem que parafraseava o seu Prof, dizendo:“eram proibidos grupos de mais do que um”. Pois, era essa a realidade, opressão, torturas físicas e psicológicas e fome, muita fome de direitos e até de Alimentos. A famosa Empa, quem não se lembra?!
Os anos 90 foram,de facto, os melhores anos desta nação em termos de liberdades, de desenvolvimento e de afirmação de um povo. Constituem, não menos verdade, a década de ouro de toda a história de governação que um dia Cabo Verde conheceu.
Da institucionalização do Poder Local Democrático
Se antes não existia o poder local, era porque tudo se achava centralizado, e o mais próximo das comunidades eram os tribunais populares, constituídos por pessoas afetas ao partido que mais não faziam do que perseguir e torturar todos que diferente pensavam.
Com o MPD, o Poder local democrático foi instituído, em 1992, com as primeiras eleições autárquicas, no quadro de uma reforma que culminou na descentralização e na criação de Municípios com impacto hoje visíveis em todas as ilhas. Este processo de descentralização política ganhou um novo dinamismo com a aprovação do Estatuto dos municípios em 1995, transferindo novas responsabilidades e recursos materiais, humanos e financeiros às autarquias locais, que, sendo o Estado mais próximo da população, passaram a desempenhar um papel importante no processo de desenvolvimento de Cabo Verde.
Os anos 90 trouxeram esse ganhoe o MPD é, de facto, o partido do poder local democrático, um partido que abinitiotem apostado em todos os municípios, diminuindo assim as desigualdades entre si. E isso é visível até hoje. O povo reconhece-o e os resultados das eleições autárquicas o têm comprovado, pelo que cabe dizer que o dinamismo e desenvolvimento que têm vivido alguns municípios é deveras notável.
Tudo ainda não está feito, é verdade. Temos ainda desafios, e os últimos 15 anos do PAICV vieram desacelerar, digamos, até retroceder, esse processo, desviando os fundos dos municípios para as associações camaradas, de que é exemplo acabado o famoso caso Fundo do Ambiente. Desde 2016, com a política de proximidade do Governo do MPD, os municípios, todos eles sem distinção de cor partidária, têm conhecido avanços importantíssimos, que impactam de forma positiva na vida das pessoas.
A implantação do poder local é um Legado dos anos 90. Foi e tem sido um ganho para o desenvolvimento igualitário e sustentável de Cabo Verde.
Da Liberdade de Associação, Manifestação e de Expressão.
Hoje, qualquer jovem,à distancia de um clique, pode expressar e criticar livre e abertamente os partidos e qualquergovernante. Hoje,o jovem não tem qualquer preocupação. É do seu livre arbítrio decidir sese associa ou, então, se cria alguma associação. Hoje,qualquer jovem no país ou na diáspora pode, a qualquer momento, manifestar, publicamente,a opinião sobre questões que lhe são caras ou que o incomodam, sem qualquer preocupação com represálias.
Mas, isso nem sempre foi assim! Até meados de fevereiro de 1990, a realidade era bem diferente, monstruosa e triste, deveras triste.
Nada mais triste do que um povo oprimido pelos seus pares, mas, como dizia o saudoso Norberto Tavares,marram mon, marram pé, marram boca, mas bu ca pode marram pensamento. E graças a alguns jovens destemidos, entre os quais avulta o candidato a presidente da República Carlos Veiga, hoje, somos verdadeiramente livres. Como dizia alguém, tiraram-nos o adesivo da boca e as amarras dos pés e das mãos. Note-se, esses jovens foram valentes porque tiveram a ousadia de sonhar e de pensar um Cabo Verde verdadeiramente livre, em defesa da dignidade do povo.
Antes de 1990, o Estado tinha o exclusivo da propriedade dos meios de informação e comunicação, pois, o artigo 11 da Constituição autoritária de 80 assim o determinava. Não se tolerava qualquer manifestação de oposição, nem qualquer expressão pública de discordância. Os únicos que podiam manifestar-se eram as extensões do partido (JAAC-CV, OMCV, OPAD-CV,etc.) E era impensável o fazerem em discordância com as diretrizes do PAICV, na altura, partido único, mais do que isso, Partido-Estado.
Com a abertura política, o MPD ganha as primeiras eleições democráticas no país com maioria qualificada. Foi uma resposta clara do povo às injurias e torturas, à opressão e aos desmandos do partido único. O novo poder político, já, agora, democrático, arquiteta uma nova nação, verdadeiramente livre, como dita o artigo 1º da CRCV de 1992, ou seja, uma República Soberana unitária e democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana da paz e da justiça.
Assim se inicia uma nova fase, uma moderna e densa Constituição, que garante ao povo das ilhas Dignidade e Liberdades, até, então, negadas pelo partido único,primeiro, o PAIGC, depois, o PAICV.
Assim, mesmo antes da CRCV, em 91, por Dec-Lei nº 172/91, a comunicação social deixou de ser monopólio do Estado, tendo o sector sido inteiramente aberto àiniciativa privada. Importa, de igual modo, dizer que foi revisto o estatuto dos jornalistas, pelo Dec-lei nº 171/92, de 30 de novembro.
Mas a Constituição de 92 veio consagrar de forma explícita, tornando-o formal, um direito já prenhe de dignidade constitucional, ou seja, os direitos à Liberdade de expressão e informação, a liberdade de imprensa, a liberdade de associação, a liberdade de reunião e manifestação.
As liberdades de expressão e de informação, aliberdade de imprensa, a liberdade de reunião e manifestação são legados dos anos 90 e têm contribuído para o desenvolvimento do país - um país com uma imprensa livre e verdadeiramente democrático. Tudo está bem? Não, ainda temos desafios a serem ultrapassados, mas acreditem, estamos no bom caminho, hoje, temos até jornalista/deputada, que critica o Governo, o que considero legítimo, o quedemonstra a maturidade da nossa jovem democracia. Coisa inimaginável antes dos anos 90, então, isso é um ganho dos anos 90.
Da Liberdade Sindical
Da mesma forma, o regime autoritário de partido único, que vigorou, em Cabo Verde, antes de 90, não reconhecia aos cidadãos o Direito à Liberdade Sindical, mormente o direito à Greve.
Qualquer tentativa de protesto, por mais pacífica que fosse, era logo considerada um grande perigo para a segurança nacional e os seus mentores sofriam consequências, represálias de várias ordens, torturas físicas nas mãos da policia política, as quais, em alguns casos, terminaram em mortes. Os famosos e temidos choques elétricos que levaram muitos Cabo-Verdianos à morte não podemos esquecê-los.
Os sindicatoseram entendidos como correias de transmissão do Paigc/Paicv junto de trabalhadores e tinham o mesmo estatuto da JAAC (Juventude Africana Amílcar Cabral) e da OMC(Organização das Mulheres Cabo-verdianas). Eram vistos como organizações sociais do Paicv, ou seja, extensão do partido. Essas organizações, que, de facto, não defendiam, nem protegiam os cidadãos, serviam não somente para controlar, segregarquem não alinhasse com os credos do regime, mas, também, para perseguir os que ousavam pensar diferente. Quem não se lembra dos “melhores filhos da pátria”
Na mesma esteira, a UNTC-CS, organização social do paicv, passou a ser oficialmente reconhecida como central sindical única do país, conforme, BO, nº 28,Dec-lei nº50/80 de 12 de julho.
Tudo isso foi posto em causa pelo MPD, após as eleições de 1991, e por Dec-Lei nº170/91 de 27 de novembro, institui-se a Liberdade de associação sindical. Ou melhor, o pluralismo sindical.
A CRCV de 92 veio dar dignidade constitucional à liberdade sindical, no seu artigo 61º, o direito de escolher livremente o sindicato, no artigo 62º, e ainda o Direito à greve, no artigo 64º.
A liberdade sindical e o direito à grave são ganhos da década de 90, resultantes da ousadia coragem, humildade e respeito para com a dignidade da pessoa, de um conjunto de jovens, liderados pelo Dr. Carlos Veiga, atual candidato à Presidência da República de Cabo Verde.