Nação expectante

PorHumberto Cardoso, Director,2 ago 2021 7:09

O debate sobre o estado da Nação é já na próxima sexta-feira, dia 30 de Julho. O governo e as forças políticas representadas no parlamento vão oferecer cada um o seu ponto de vista sobre a situação actual do país e esgrimir os argumentos de sustentação das respectivas posições.

Do debate parlamentar ninguém espera que saiam acordos ou compromissos de acção conjunta. Mas, pelo menos, devem servir para iluminar os desafios que se colocam ao país, revelar a complexidade das questões postas a todos e, sendo possível, deixar pistas para eventuais soluções ou caminhos a trilhar para ultrapassar a encruzilhada onde o país se encontra de momento.

Da parte das pessoas que pela comunicação social vão seguir o debate, o mais natural é que haja uma postura expectante no sentido amplo em que observam, estão atentas, preocupam-se, põem-se na posição de vigilantes e há o desejo que, qualquer que seja o caminho escolhido, tudo corra bem. Passaram somente três meses que o eleitorado deu uma maioria ao governo para lidar com uma das situações mais difíceis vividas em Cabo Verde. Mesmo com o mal-estar actual causado em parte ou intensificado pela situação pandémica, há a confiança em algum grau de que dificuldades poderão ser ultrapassadas e que soluções duradoiras e sustentáveis serão eventualmente encontradas.

Pode-se estar a viver momentos difíceis a vários níveis – económico, social e até psicológico, mas a verdade é que no domínio do político o ambiente numa certa perspectiva poderia ser considerado privilegiado. O governo está no início de um mandato de cinco anos, as próximas eleições com possibilidade de impacto real na governação só vão acontecer daqui a quatro anos e a oposição está a dar os primeiros passos na reestruturação que terá que fazer após uma liderança desastrosa de mais de cinco anos. Por outro lado, com a pandemia e a maior dependência do Estado, resistências a uma acção decisiva do governo para se ir além do status quo dificilmente poderão vir da própria sociedade civil. O ambiente excepcional, se favorável ao exercício do poder sem obstrução, traz, porém, consigo maiores responsabilidades. A qualidade da liderança mais do que nunca será escrutinada. Falhas em se mostrar à altura dos desafios serão seguramente punidas de forma mais severa.

Hoje é claro para qualquer observador que para o bem-estar dos países é mais importante ter uma liderança visionária e competente do que ser dono de recursos naturais ricos como o petróleo ou outros minérios com alta procura mundial. A grande questão que se coloca a todas as economias é como evitar que constrangimentos de crescimento as coloquem numa armadilha dentro da qual uns mesmo com ajuda externa, outros com transferência de fundos da União Europeia e outros ainda com venda de recursos naturais não têm como impedir o empobrecimento relativo marcado por grandes desigualdades sociais e por bolsas crescentes de pobreza. E sem resolver esta questão não se consegue acompanhar a dinâmica desenvolvida pelos países que na base de acréscimos contínuos em produtividade e competitividade melhoram de forma sustentada o nível de rendimento das suas populações. A marca de uma liderança capaz nos tempos de hoje passará certamente por criar condições para fugir à armadilha. Crucial para isso será saber identificar os constrangimentos que a enformam e a mantêm ao longo do tempo e que seguramente têm origens históricas e sócio-culturais e agir de forma consequente para os ultrapassar.

Em Portugal, na semana passada, em sede do debate sobre o estado da nação, a grande questão foi identificar o que vem impedindo a convergência de Portugal com a Europa apesar dos enormes recursos transferidos ao longo de décadas. Este país está na iminência de receber somas volumosas no quadro do que se convencionou chamar de bazuca financeira e é grande a preocupação de não se repetir os erros anteriores. O Primeiro-ministro português disse que “os próximos anos vão ser decisivos e que é necessário mobilizar todas as energias e forças para recuperar e reconstruir o país, aproveitando a chance actual de dispor de recursos disponibilizados pela Europa”. Também na Itália, ao ir buscar o célebre e competente Mario Draghi para o governo, e noutros países está-se a concordar que é de suma importância assegurar lideranças que percebam o seu papel no mundo de hoje e em particular na actual conjuntura da crise pandémica. Papel esse que passa por renovar a ideia de servir com dedicação e competência e não se deixar cair na tentação de se servir do cargo, abrindo portas à corrupção e mantendo o país preso aos constrangimentos que não o deixam sair da armadilha do crescimento rasteiro e do empobrecimento garantido.

Em Cabo Verde, a conjuntura actual dos grandes desafios derivados da crise pandémica, mas também de uma maior facilidade na movimentação política, constitui um especial desafio ao governo. Se não conseguir ver as oportunidades e ousar fazer as reformar a todos os níveis que se impõem a sua fragilidade ficará patente para todos. Se pelo contrário souber aproveitar a crise e ser capaz de movimentar o país com reformas e engajamento das pessoas, das empresas e da administração pública poderá fazer história. Os tempos e a sua crise são aptos a revelaram talentos e prestações muito especiais. Há que pôr de lado as tentações vulgares para o eleitoralismo permanente a inquinar as relações dentro do Estado e entre o Estado e as autarquias numa perspectiva que protege interesses corporativos nos organismos públicos e favorece derivas autocráticas nos municípios. Todos sairiam a ganhar se uma reorientação da política finalmente trouxesse a economia que pudesse renovar a esperança de que, não obstante a pandemia e as suas sequelas, dias melhores poderão estar à frente.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1026 de 28 de Julho de 2021. 

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,2 ago 2021 7:09

Editado porSara Almeida  em  8 mai 2022 23:20

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