Na mira de todos estarão certamente a poluição, as ameaças à biodiversidade e os plásticos. Questões como as alterações climáticas serão discutidas. Considerando que os oceanos constituem 71% da superfície da Terra e a elevação do nível do mar afectará a todos com efeitos catastróficos em muitos lugares e particularmente nos espaços insulares. Sendo os oceanos grandes produtores de oxigénio e o maior centro de sequestro de carbono para além do seu potencial de produção de alimento, de energia e de metais valiosos, certamente que se procurará chegar a algum tipo de consenso quanto à sua gestão. Já há países que garantem que se vão responsabilizar por pelo menos 30% da sua zona exclusiva.
A dúvida é se realmente é desta vez que haverá o engajamento necessário para isso. A inacção nessas matérias que vem de muito atrás mereceu um pedido de desculpa do secretário-geral da ONU, António Guterres, logo no começo da conferência. Chegou mesmo a dizer, que “fomos lentos e muitas vezes relutantes a reconhecer que as coisas estavam a ficar piores”. Continuou afirmando que “ainda estamos na direcção errada”. Realmente depois da primeira conferência de Nova Iorque, em 2017, não se avançou muito no sentido de salvaguarda dos oceanos. Pelo contrário, houve retrocessos no que respeita aos acordos de Paris em matéria de alterações climáticas e agora na sequência da pandemia e da guerra na Ucrânia tornou-se mais difícil avançar com a transição energética.
Fala-se actualmente em aumentos dos investimentos nos combustíveis fosseis quando se devia estar a tratar da diminuição da sua utilização e da mudança para as renováveis. O caminho para o futuro, porém, tem que ser o que leva à descarbonização da economia e à redução dos riscos associados ao efeito de estufa e a variações extremas de temperatura. De outro modo é todo o planeta que fica à mercê da maior violência e frequência dos ciclones, das grandes e inesperadas inundações, de secas prolongadas, do degelo dos glaciares e consequente elevação do nível do mar com todas as consequências inerentes. É evidente que melhor posicionado para navegar e beneficiar desse futuro estarão os países que previram com devida antecedência a actual situação e souberam preparar-se no tempo certo com investimentos, tecnologias e mudanças comportamentais adequados.
Um futuro marcado pela importância central do mar na economia devia ser óbvio para um país arquipélago como Cabo Verde e para países com extenso litoral e tradição marítima como, por exemplo, Portugal. O facto de não o ter sido no caso de Portugal levou o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, numa intervenção no âmbito da conferência dos oceanos, a dizer aos jovens para não confiarem nos decisores e lutarem por si contra as alterações climáticas e a favor dos oceanos. Aparentemente a inacção das autoridades nessa matéria não se deve ao desconhecimento. Recentemente em Portugal até se criou um ministério do Mar precisamente para dar atenção especial aos problemas do mundo oceânico e procurar explorar os seus recursos de forma sustentada. Do que se pode depreender das reacções de Guterres e do presidente da república portuguesa é que talvez na prática não tenham sido consequentes em termos de políticas viradas para o sector. Algo similar terá acontecido também em Cabo Verde.
Cabo Verde em 1995 e muito antes de Portugal teve o seu primeiro ministério do Mar. O ministério desapareceu anos depois e voltou a reaparecer no governo que resultou das eleições de 2021. Por aí vê-se que durante a maior parte do tempo o sector não era tido como central, mas sim subsidiário de outros como se pode constatar no caso da sua junção ao ministério da agricultura ou quando foi integrado no sector dos transportes. É uma opção que não deixa de ser paradoxal num país arquipelágico e com uma vasta zona económica exclusiva. De facto, para suprir a falta de recursos em terra deveria fazer todo o sentido que se procurasse explorar as sinergias que actividades múltiplas com base no oceano designadamente a pesca, aquacultura, transportes, investigação científica, controlo da poluição, turismo e desporto náutico pudessem facultar.
Nem mesmo no campo da fiscalização das águas territoriais e da zona económica exclusiva do país, onde se devia exigir uma atenção especial porque de soberania, de segurança e de controlo dos recursos naturais, se soube fazer a aposta certa. A opção foi de se ter Exército “em terra” talvez com questões de regime e de segurança interna em mente. A Guarda Costeira criada nos anos 90 ficaria num estado incipiente enquanto deficiente se mantinha ao longo dos anos a fiscalização das costas, do mar territorial e da zona económica exclusiva do país. Isso sem falar em todas as outras missões que constitucionalmente foram-lhe atribuídas em matéria de busca e salvamento, protecção do meio ambiente e controlo da poluição marítima, de apoio à protecção civil e combate aos diferentes tráficos.
O resultado disso tudo é que Cabo Verde, com a sua secular vocação marítima, podia ter-se especializado na prestação de vários serviços de segurança no sector do mar e provavelmente ser útil nesta região do Atlântico Médio e da costa ocidental africana quando ainda hoje tem por estruturar e operacionalizar uma guarda costeira à altura das suas necessidades, ameaças e desafios. Uma boa notícia é que nos últimos dias se passou a ter um Contra-almirante na chefia das Forças Armadas e talvez se consiga finalmente adequar as FA ao que realmente o país precisa. Também em outros sectores a tradição de um país de marinheiros, de pescadores, de industrialização na base de conserveiras em várias ilhas, de escolas do mar podia ter sido potenciada. Infelizmente, as opções foram outras e o resultado é que, apesar dos enormes investimentos feitos, a capacidade de captura de peixe continua insuficiente, as conserveiras dependem de facilidades renovadas anualmente pela União Europeia, a formação profissional em diferentes sectores está aquém das necessidades do mercado e a investigação é incipiente.
Num mundo onde cada vez mais se fala da economia azul e da economia verde o facto de Cabo Verde não estar em posição de beneficiar com soluções próprias e testadas e ser um exemplo a seguir é revelador da falta de visão que terá marcado décadas de governação do país. A exortação de Marcelo Rebelo de Sousa também aqui se aplica. Convenhamos que não devia ser de hoje ter-se uma a estratégia para a transição energética. Eficiência energética e utilização eficiente da água há muito que deviam constituir uma prioridade das políticas do Estado e razão suficiente para mudanças comportamentais com impacto positivo na competitividade, na qualidade de vida e do meio ambiente e na diminuição da dependência de combustíveis fósseis.
Em áreas em que um país é claramente frágil ou mostra desvantagens, o facto de se encontrar soluções inovadoras para as ultrapassar pode revelar-se útil quando outros países se virem em situações similares e precisam de assistência. Michael Porter no livro “A Vantagem Competitiva das Nações” aponta o exemplo de Israel com as soluções de poupança de água e do Japão com os amortecedores para as más estradas do país que depois conquistaram o mundo. A via, porém, para lá chegar não pode ser o acumular de projectos que mais cumprem uma agenda de parceiros internacionais do que fazer parte de uma estratégia própria do país no quadro de uma agenda de futuro. Ao seguir sem critério, corre-se o risco de acabar por ficar com um “cemitério” de projectos e uma dívida pública pesada. Com uma agenda própria o futuro tem a chance de cumprir as promessas feitas.
Nestes tempos críticos, é fundamental não se deixar enredar em slogans ou simplesmente ir atrás das ofertas de dinheiro em nome do salvamento dos oceanos, das alterações climáticas e da transição energética. Resultados duráveis que beneficiam a todos exigem políticas consistentes e sustentáveis.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1074 de 29 de Junho de 2022.