Para um Natal de paz e esperança

PorHumberto Cardoso, Director,26 dez 2022 7:10

Nas últimas semanas a questão da segurança capturou mais uma vez a atenção das pessoas e da comunicação social na sequência de vários assassinatos verificados na capital do país.

Os relatos de violência grotesca que vinha acontecendo já tinham despertado a sociedade para o que já se tornou na habitual onda de crimes que recorrentemente atravessa a urbe. Em Outubro de 2021, quando algo similar aconteceu, o departamento de estado americano classificou de crítica a situação da criminalidade em Cabo Verde e desaconselhou viagens para o país. Na passada segunda-feira, o presidente da república veio alertar para o facto de “a criminalidade na Cidade da Praia está a atingir níveis dramáticos e que a situação é extremamente preocupante”.

A reacção da polícia nacional foi accionar o seu costumeiro plano de prevenção no período de Natal e de Fim do Ano ao mesmo tempo que reiterava a intenção de continuar a fazer a sua parte, mas não sem apontar a omissão dos pais no controlo e educação dos filhos. Para o governo e os partidos políticos na última sessão plenária deste ano foi mais uma oportunidade para as habituais escaramuças no parlamento que terminam sem assunção de responsabilidades e sem soluções, mas a lembrar como, nas sucessivas governações, recursos e meios têm sido “despejados” sobre os problemas de segurança. O presidente da república ainda veio apelar no sentido de se mobilizar todos os esforços do governo, das autarquias locais, das empresas, das organizações não governamentais e das igrejas para se criar uma cultura da paz e da não-violência.

O mais normal é que se fique por essas reacções já elas próprias habituais e esperar que a onda passe. “Varrer os problemas para debaixo do tapete” é uma prática estabelecida que nem situações de crise das mais graves como a da pandemia da Covid-19, acompanhada de uma profunda recessão económica, conseguiu abalar. E as consequências já se fazem sentir nos mais diferentes sectores da vida do país, umas mais visíveis e outras a despontar. Em matéria de segurança, num relatório de 25 de Outubro de 2021, as autoridades americanas alertaram para o facto de o crime na cidade da Praia estar a tornar-se mais violento e que por causa disso as ruas ficam desertas de gente logo após o escurecer. Também apontaram que o número de armas de fogo no mercado tinha aumentado e o seu uso no cometimento de crimes que antes era raro tinha-se tornado prevalecente.

Um ano depois, a percepção geral é que os crimes são mais violentos e as armas mais abundantes. A própria polícia diz, de acordo com o despacho da Inforpress de 15 de Dezembro, que em 2021 apreenderam um total de 355 armas de fogo e que neste ano de 2022 já iam em 523, um aumento de 47%. Nas apreensões de armas brancas, segundo o porta-voz da PN, passaram de 1.820 unidades, em 2021, para 2.751 neste ano, numa escalada de 51%. Num ambiente que é claramente de violência crescente, compreende-se o apelo do presidente da república para uma cultura de paz e de não-violência. Só que, perante a incapacidade evidente das instituições, apanhadas como estão em lutas político-partidárias, em lidar com o problema, o aparente desconhecimento das suas causas que nem a proliferação de estudos sociais e teses universitárias parece elucidar e o falhanço em mobilizar a sociedade com a promoção de civismo e reconstituição do capital social, não se vislumbra como se pode inflectir a tendência actual e repor a tranquilidade pública com diminuição significativa do sentimento de insegurança.

Há muito tempo que Cabo Verde, o país da Morabeza, devia ter tomada a questão da segurança como estratégica para o seu desenvolvimento. Nenhuma mancha devia ofuscar a imagem de país seguro a projectar para atrair turistas, visitantes, investidores e residentes. Sendo o país que, como bem refere o referido relatório das autoridades americanas, não tem os problemas habitualmente fracturantes de natureza étnica, linguística e religiosa, nem tem exemplos de violência política, deveria ser capaz de ultrapassar com relativa facilidade conflitos de origem sócio-económico que eventualmente surgissem.

Uma via possível talvez passasse por um forte engajamento de toda a colectividade nacional no desenvolvimento do país com ênfase posto na solidariedade e inclusão. Talvez não deixando instalar a cultura de dependência, mas trabalhando para resultados e investindo no capital humano, se pudesse combater as desigualdades e manter a confiança num contrato social (win-win) em que todos ganhariam e a prosperidade estaria ao alcance de todos. Infelizmente, o caminho tem sido outro e nestes tempos de crise a corrida aos recursos, particularmente os públicos por uma via ou outra, acabou por se tornar marcante. O resultado viu-se no aumento das desigualdades, na atitude de secundarizar resultados e de varrer problemas para debaixo do tapete a favor dos “ganhos à cabeça” e ainda em maior dependência do Estado.

A oportunidade que as crises poderiam oferecer para se reverter a tendência com espírito de solidariedade e maior sentido do bem comum não tem sido aproveitada. Pelo contrário, a situação actual cuja gravidade é sentida por todos, tem levado ao recrudescer dessa corrida por uma via que tende a configurar um jogo de soma nula. Um jogo terrível que, ao terminar com uns poucos ganhadores, gera em contrapartida muitos perdedores devido às ineficiências criadas a todos os níveis, à destruição de uma cultura de cooperação essencial para se ter estruturas produtivas e criar riqueza e ao desenvolvimento de um sentimento de injustiça que mina a comunidade. A perspectiva de mais um ano difícil e cheio de incertezas, em 2023, não augura uma melhoria neste quadro. O que já claramente se constata em matéria de segurança pode bem vir a revelar-se noutros sectores com problemas por resolver ou que sofrem a erosão provocada por esse mal-estar que afecta de uma maneira ou outra as instituições e a sociedade em geral.

Seria da maior importância que houvesse uma forte liderança nos diferentes níveis e sectores do país no sentido de se reverter as tendências negativas nas instituições e na sociedade cabo-verdiana. Paradoxalmente, o que se nota é a tentação de se fazer o aproveitamento da situação de crise para que, ao chegar ao seu término – não se sabe quando e como – alguns indivíduos e grupos estejam melhor posicionados em termos políticos, político-eleitorais, económicos, sociais, etc. Também não ajuda nestes tempos difíceis esse avivar do saudosismo do regime de partido único sob disfarce do culto de Cabral que estranhamente é patrocinado por diversas entidades do Estado quando o sistema de valores da Constituição da República é-lhe completamente oposto. Mantém acesa uma guerra cultural que só fragiliza a unidade do país.

Com o ano de 2023 a despontar e a guerra na Ucrânia sem um fim à vista e cheio de incertezas um sentido de urgência devia impor-se para se deixar de “fazer o mesmo” favorecendo alguns. Já provou que não funciona e mantém o país vulnerável e num círculo vicioso cada vez mais difícil de romper. Tomando de exemplo os ucranianos que lutam e morrem pelo mesmo sistema de valores do Cabo Verde moderno e que inclui liberdade, pluralismo, justiça e solidariedade, o foco deve estar na realização do potencial do país e das suas gentes com ganhos para todos. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1099 de 21 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,26 dez 2022 7:10

Editado porSara Almeida  em  26 dez 2022 7:10

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