Inflação dói, sensatez alivia!

PorAdalberto Silva,20 mar 2023 8:11

​Tenho lido os artigos de João Serra com merecida atenção e consideração, quanto mais não seja por normalmente abordarem matérias de interesse público, na perspetiva de alguém que no passado chegou a assumir as elevadas responsabilidades de Ministro das Finanças e de Governador do Banco Central, e que actualmente exerce o cargo de Conselheiro do Presidente da República.

Ainda que o autor faça questão de os subscrever na qualidade de “Doutor em Economia”, quiçá para assegurar de antemão a credibilidade técnica das suas análises, não consegue disfarçar a intencionalidade política nos seus artigos, patente na forma selectiva de recolha e tratamento de dados, de modo a chegar às conclusões previamente estabelecidas, sempre em desfavor da atual governação do país!

O último artigo, constante do jornal impresso A Nação de 9 de Março último, que aborda a situação conjuntural de alta inflação, vem demonstrar claramente os reais propósitos do doutor articulista: fazer passar a narrativa de uma gestão deficiente da coisa pública e de insensibilidade social à atual governação do país! Para isso, logo no título, até se dispõe a “fingir sentir dor, a dor que deveras não sente”!

Inflação alta é uma situação claramente inconveniente, quer para a economia no geral, porque desestimula os investimentos e compromete o crescimento económico, quer para as famílias, porque reduz o seu poder de compra, com a agravante de ser mais penalizadora para as pessoas de menor rendimento. Fosse para “ajudar a encher os cofres do Estado”, não seria necessariamente má de todo, uma vez que o cofre do Estado é de todos nós contribuintes e não do Governo, e uma das funções do Estado é redistribuir os recursos que arrecada, claramente em benefício dos mais desfavorecidos.

João Serra, tão empenhado em assustar-nos com a “devastadora” inflação, quase que se esquece de abordar a(s) causa(s) da mesma, que se entretém no descuido técnico de comparar a taxa de dezembro 22 com a do mês homólogo do ano anterior, quando neste caso, se há homologia em termos de calendário, não a haverá certamente em termos de condicionalidade! Pela seguinte e cristalina razão: a guerra na Ucrânia, o factor principal da actual situação inflacionista, teve início em fevereiro de 22, depois de dezembro de 21!

O antigo Ministro das Finanças é que parece ter ficado assustado ao analisar a Conta Provisória do Estado de 2022 e deparar com o grande aumento das receitas dos impostos, sentindo-se tentado a assumir-se como porta-voz das famílias e sugerir a redistribuição das receitas extraordinárias proporcionadas pela inflação! Se ao menos se lembrasse de que em 2005, quando ele era Ministro das Finanças, houve um grande aumento das receitas fiscais, na proporção idêntica à verificada agora, não por causa de nenhuma espécie de “windfall tax”, mas por medidas de reforma tributária (introdução do IVA) empreendidas pelo seu próprio Governo! Não temos memória de tanta sensibilidade para com a situação de agravamento fiscal das famílias naquela época!

Para reforçar a razão da sua sugestão de redistribuição das receitas de impostos “vindas com o vento”, ignora os efeitos de sentido contrário que a inflação provoca nas contas públicas, nomeadamente ao nível das despesas, e quase que desvaloriza outros factores que terão impulsionado esse crescimento extraordinário das receitas, tanto ou mais que a inflação, como foi a grande dinâmica de retoma da actividade económica, fazendo prever uma taxa de crescimento do PIB em 2022 a dois dígitos!

Uma análise mais circunspecta da Conta Provisória de 2022 recomendaria olhar para a evolução de outras rubricas, para se ajuizar melhor a aplicação que terão tido os referidos excedentes tributários de 10 milhões de contos.

Com efeito, ainda no lado das Receitas, verificou-se uma redução das Transferências Correntes recebidas na ordem dos 2 milhões de contos. No lado das Despesas, e muito por causa da inflação e das medidas de mitigação da mesma, registaram-se os seguintes aumentos: mais cerca de meio milhão de contos na Aquisição de Bens e Serviços, muito pela subida dos preços; mais 1,2 milhões de contos nos Subsídios, devido essencialmente a compensações às empresas petrolíferas e de electricidade resultantes das medidas de mitigação; mais 1 milhão de contos em Outras Despesas, devido a transferências a instituições de assistência pública; mais 1,1 milhões de contos de Encargos da Dívida, devido ao termo das moratórias ligadas à covid19; e o resto terá sido aplicado em compensações das contas de Investimento, com menos recebimentos e mais despesas de natureza social.

João Serra, apesar da velada intenção de passar a ideia de insensibilidade social do lado da governação, lá se lembrou do Programa de Mitigação elaborado pelo Governo, orçado em 8,8 milhões de contos, que conta com a ajuda dos parceiros de desenvolvimento do país. Como bem deve saber, o calendário de efetivação da Ajuda Pública dificilmente se ajusta ao tempo de resposta às necessidades emergenciais. Assim, como reconhece, uma boa parte do Programa de Mitigação já terá sido implementada, quiçá devido à presumível situação orçamental mais favorável!

Ainda assim, para não comprometer a sustentação da sua sugestão de redistribuição, acaba por considerar modesto o valor de despesa per capita de cerca de 160 euros que resulta do referido Programa de Mitigação! E para essa conclusão, estabelece a comparação com Portugal que, para o respectivo programa de mitigação dos efeitos da inflação, se propôs gastar 862 euros por cidadão (cinco vezes mais). Esta comparação não parece muito feliz se se levar em conta o PIB per capita que nesse país europeu é sete vezes superior ao nosso. Por esse prisma, até estaríamos relativamente bem! E nem precisávamos de fazer comparação com Luxemburgo, o país de maior riqueza per capita do mundo!

Uma análise mais sensata e global da Conta Provisória de 2022 deveria levar a um estado de espírito menos alarmante, quando a mesma, também, apresenta macroindicadores com valores que traduzem uma evolução muito positiva das Finanças Públicas do país. Com efeito, num ano só, o Défice Público reduziu-se em 3,1 pontos percentuais para 4,2% e o stock da Dívida Pública diminuiu em 15,2 pontos percentuais para 127,2% do PIB programado. Um feito extraordinário que faz augurar uma maior capacidade para continuar a implementar as medidas que se mostrarem necessárias para suavizar os malefícios da inflação.

Haja sensatez! 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1111 de 15 de Março de 2023.

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Autoria:Adalberto Silva,20 mar 2023 8:11

Editado porAndre Amaral  em  7 dez 2023 23:28

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