Fundação para a Ciência, Inovação e Tecnologia: uma oportunidade perdida?

PorJoão Duarte Fonseca,23 dez 2024 8:29

João Duarte Fonseca - Professor Universitário, Geofísico
João Duarte Fonseca - Professor Universitário, Geofísico

O Programa de Governo da VIII Legislatura Constitucional da República de Cabo Verde (2021-2026) contempla a criação de um “sistema estruturado para o financiamento da Ciência, Tecnologia e Investigação”. Em linha com esta diretiva, o Plano Estratégico para o Desenvolvimento Sustentável (2022-2026) reconhece que “[a]ciência, a tecnologia e a inovação (CT&I) são uma das forças motrizes mais poderosas para alcançar o crescimento e a redução da pobreza, e promover o desenvolvimento humano geral”.

De modo a operacionalizar a reforma estrutural subjacente a essa visão, foi instituído o Programa Nacional da Ciência (2022-2026) que estabeleceu como seu objetivo central a criação, sob forma de Fundação, de uma instituição vocacionada para a captação de fundos de financiamento e para apoiar os investigadores cabo-verdianos na elaboração e apresentação de projetos de investigação a concursos de financiamento.

Em Setembro de 2021, a Secretária de Estado do Ensino Superior (SEES) desafiou um conjunto de académicos cabo-verdianos na diáspora, com décadas de experiência na temática do financiamento da ciência, a formar um grupo de trabalho ad hoc, para colaborar na elaboração de uma proposta de estatutos da Fundação, primeiro passo para a sua formalização. O grupo de trabalho, de que tive a oportunidade de fazer parte, correspondeu com entusiasmo a esse desafio e declarou, de imediato, que trabalharia pro bono nesse projeto.

Em Março de 2022, o grupo apresentou uma proposta de estatutos para a criação de uma Fundação para a Ciência, Inovação e Tecnologia (FCIT). A primeira versão dos estatutos foi socializada durante um workshop sobre Ciência para o Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde, que teve lugar na Praia em Março de 2022, durante o qual o processo de reforma do sistema de CT&I foi objeto de considerações muito encorajadoras por parte dos representantes do Governo.

Entretanto, o grupo de trabalho propôs – e a SEES aceitou – que um dos seus elementos (o signatário deste artigo) se deslocasse para a Praia no período crítico de arranque da FCIT, para apoiar mais diretamente a SEES nesse processo. Esta iniciativa recebeu o apoio do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, que autorizou uma licença sabática em Cabo Verde durante um ano e, ainda, da Universidade da Beira Interior, que, no âmbito de um protocolo assinado para o efeito com o Ministério da Educação de Cabo Verde, custeou as despesas da deslocação e estadia. A licença sabática iniciou-se em Março de 2023, para coincidir com a data estimada para o arranque da instalação da FCIT.

Beneficiando desta “antena” em Cabo Verde, o grupo de trabalho continuou a trabalhar em sintonia com a equipa da SEES com vista a viabilizar o arranque da FCIT. Neste novo quadro, foi dada prioridade a duas ações: 1) organização de formações em financiamento de projetos e gestão da ciência, destinadas a académicos e investigadores nacionais; e 2) produção de um Livro Branco da Ciência, que funcionasse como veículo de divulgação das medidas identificadas e priorizadas pelo Governo nesse sector para implementação durante a VIII Legislatura Constitucional.

A primeira ação, que beneficiou de um financiamento da UNESCO – Cabo Verde, revelou-se um grande sucesso, sobretudo, por mérito da comunidade académica e dos investigadores de Cabo Verde. Apenas 24 horas após a divulgação pública da ação, estavam inscritos cerca de 160 participantes, no conjunto das três formações que viriam a ter lugar na Praia, na Assomada e no Mindelo, em Outubro de 2023. Esta adesão maciça foi bem a prova da avidez por parte da comunidade científica em aderir às melhores práticas da sua atividade. Os formadores, oriundos da Universidade de Lisboa, foram unânimes em reconhecer o elevado potencial e motivação dos participantes.

A segunda ação, para a qual foi mobilizado financiamento junto da Universidade da Beira Interior, avançou até ao momento em que foi necessário dar luz verde à gráfica para proceder à impressão do livro, pois em Junho de 2023, o processo deparou com um obstáculo: passados mais de 12 meses sobre a data de início do processo de socialização, os estatutos da FCIT não se encontravam ainda publicados no Boletim Oficial, o que, de certa forma, esvaziava os objetivos e o impacte da publicação. Foi por isso entendido que a publicação – já paga à gráfica – deveria permanecer em stand-by até à publicação dos estatutos.

Decorrida mais de metade da legislatura, é motivo de preocupação – e um profundo sentimento de frustração – a ausência de progressos numa área claramente contemplada no Programa do Governo como sendo decisiva para o desenvolvimento sustentável de Cabo Verde. Para que os elevados objetivos do Programa Nacional da Ciência – com destaque para a criação da FCIT – possam ser bem-sucedidos, urge que se recupere o atraso na criação da FCIT, na convicção profunda de que esses passos são fundamentais para alinhar Cabo Verde com o paradigma da Sociedade do Conhecimento. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1203 de 18 de Dezembro de 2024.

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Autoria:João Duarte Fonseca,23 dez 2024 8:29

Editado porSara Almeida  em  23 dez 2024 8:29

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