Por onde começar? Lá dizem as Escrituras que, no princípio era o Verbo. Ele criou o tempo. Não se sabe, no entanto, se integrado no passado, presente ou futuro. A escolha ficou ao livre arbítrio dos homens, porque, nessa altura, as mulheres não votavam. A verdade é que agora votam e elegem Presidentes, que é mais fácil, por ser impar. Impar de um só; não confundir, por favor, com impor, império, imperial e, muito menos, imperativo.
Comecemos, pois, pelo princípio, pelo primeiro, pelo primo, sem pares:
A novela presidencial chegou ao fim, docemente. Se não chegou, o ano – esse – está chegando, sem que se saiba, afinal, quem concebeu o guião daquela, nem como vai terminar o enredo. O facto, contudo, faz história. E foi muito pedagógico e útil, sem dúvida. Sempre serviu, para distrair e ocupar incautos, disfarçar acções e atingir objectivos outros.
Existe uma sistémica tentação neste país de se olhar para o bico dos pés, ou pior, para o nosso umbigo, em vez de encarar o horizonte. Os políticos teimam em priorizar ganhos imediatos, sem cuidar as consequências, a prazo. Tropeçam, é claro, repetidamente, hipotecando, paulatina e irremediavelmente, o futuro comum.
A evolução do direito acompanha, necessariamente, a complexidade das sociedades. Factos recentes reclamam legislação sobre branqueamento político e trafico internacional de benesses.
Na Europa, pelos vistos, a guerra vai continuar. É que, se há uma coisa de que os europeus entendem mais do que ninguém, é de guerras. Ontem, como hoje, seja do ponto de vista da prática, como da teoria, dentro ou fora das suas fronteiras. Haja, pois, saco, para compreender e perdoar essa fortaleza de carácter, sempre revelada, ao longo dos tempos.
As chuvas, este ano, foram suficientes para animar o espírito rural, do Povo das Ilhas. Ainda bem, porque, no tocante a urbanidade, o moral das tropas anda mesmo de rastos.
Em Agosto, resolvi ir de férias a São Nicolau, com a mulher e netos. Escusei-me, assim, de levar o violão, habitual companhia de solitude. Felizmente! Porque, pouco tempo depois, um amigo meu que viajou do Sal, abraçado ao seu cavaquinho, pagou 50 (cinquenta) euros, pelo instrumento musical, conforme factura emitida pelos serviços da Cabo Verde Airlines. Espero que não se lembrem de taxar o transporte pessoal de livros e laptop, também.
Em Setembro, celebrou-se o centenário do nascimento de Amílcar Cabral. Um cabo-verdiano ilustre, intelectual, político e estratega, que se notabilizou, designadamente, por organizar e conduzir, com sucesso, a luta de libertação nacional dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Uma data que poderia ter sido comemorada pacífica, justa e livremente por todos, não fosse a teimosia de uns tantos em se apropriarem de figuras e datas que constituem, afinal, património e memória histórica de toda a Nação.
Segundo a doutrina Monroe – trave mestra da sua política externa – o Haiti devia interessar, sobremaneira, aos Estados Unidos da América, pois, está mesmo à soleira da porta. É, no entanto, uma questão menor, que não os incomoda. Já a Palestina, do outro lado do Atlântico, a milhares de milhas de distância, obriga os Yankees a tudo, para garantir a metralha e o domínio judeu sobre todo o território e arredores. Razões estratégicas, né, porque, como sabemos, a América é uma sociedade igualitária e sem preconceitos rácicos… Prova disso, as duas eleições seguidas de Obama, para a presidência dessa grandiosa nação. Do Sudão, nem falo, porque está afastado da soleira e é de relativo interesse estratégico, para os grandes do planeta. Dá para crer que, dia a dia, o Homem está perdendo toda a sua humanidade.
A partir de Janeiro, vamos passar a pagar taxa de carbono, sobre o custo das passagens de avião ou de barco, de uma ilha para outra. Na ausência de uma agenda autóctone, consistente e coerente de governação e desenvolvimento do país, o pessoal cá do burgo vai-se abrigando à sombra das agências internacionais, sem se preocupar com fincar os pés no chão das ilhas. Dá menos trabalho, ganha-se o nome de “bom aluno” e é up to date, como é luxo, agora, dizer. Da toxicidade do facebook e similares, porém, reparos nenhuns.
Era uma vez, a influência francesa, em África. Quem diria que as Cruzadas e o seu prolongamento a Sul, teriam este desfecho. A história tem destas; prega partidas ao presente.
O ditador de Damasco caiu, finalmente. Dos exemplos do Iraque e da Líbia, os povos da região conhecem, todavia, o preço a pagar, pela Liberdade.
No dia 1.º de Dezembro, o MpD tropeçou nas autárquicas, com estrondo. Um resultado negro, em passarela vermelha, num Partido que nasceu Esperança. Em boa verdade, não se pode dizer que não fosse coisa esperada. Só, talvez, não se imaginasse a dimensão do boléu. Resta, agora, saber quem vai catar os cacos e refazer o verde.
A abstenção foi a rainha da festa, com direito a meação. Ela tem causas físicas, psicológicas e políticas, mas ela tem, igualmente, significados. Quando se relega a matriz para o segundo plano, o pacto não escrito de confiança e identidade torna-se periclitante. Na verdade, quem deixa de ter referência, deixa de ser referência.
Antes que amanheça o Ano, luzes, muitas luzes, que a vida e a morte moram paredes a meias e o futuro não se mostra brilhante. A esperança, porém, é a última a morrer. Haja, pois, vida! Boa, de preferência, porque a má vida, felizmente e para tranquilidade das consciências, nem mesmo ao cão é já permitida.
Que ao amanhecer do Ano, o presente seja de Festas Felizes e ponte para realizações de sucesso, na paz e morabeza, matrizes nossas, de sempre.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1204 de 24 de Dezembro de 2024.