Obviamente, que os olhos do Mundo estavam postos no que iria ser feito com os grandes blocos comerciais. China e Europa não são apenas parceiros comerciais dos americanos, são compradores da sua dívida, compradores dos seus produtos, e, aparentemente, os novos inimigos.
A estratégia americana deste segundo mandato de Trump tem sido semelhante a um gestor de insolvências que assume a gestão de uma empresa em agonia financeira, cortando custos e tentando aumentar receitas. Começámos por assistir à suspensão de todo o apoio financeiro dos Estados Unidos a países terceiros e organizações em todos os continentes. Em simultâneo foi lançado um “ataque” contra as ineficiências do Estado, eliminando edifícios inteiros de funcionários públicos. Finalmente, criam-se impostos alfandegários com o objetivo de aumentar a receita entre 600 mil milhões e 1.3 triliões de dólares. Talvez para aqueles que se preocupam com o equilíbrio emocional de Donald Trump fosse interessante ter alguma preocupação pelas contas públicas americanas, porque os sinais de crise surgem no horizonte.
A implementação de tarifas não é algo novo no Mundo, nem é algo novo nas presidências americanas. A este propósito, recordo as eleições de 1888 onde um republicano derrotou o presidente democrata em funções com a promessa de tarifas como resposta à Longa Depressão iniciada uma década antes. Benjamin Harrison (o tal candidato eleito presidente), neto de um ex-presidente e descendente de um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, marcou o seu mandato pela implementação de tarifas e forte investimento na marinha de guerra dos Estados Unidos. “Curiosamente” na sua tentativa de reeleição em 1892 foi derrotado face à insatisfação da população pelo impacto das tarifas e pela estratégia de gastos públicos.
É precisamente esse o foco que devemos ter neste momento, ou seja, tentar avaliar o impacto da aplicação de tarifas e deste modelo de política comercial que surge em contraciclo com as últimas décadas após a segunda guerra mundial. Que resposta dará a Europa? Qual o contra-ataque que os chineses irão aplicar? Que Mundo teremos após esta crise? E sim, teremos uma crise.
A resposta do Mundo ao “ataque” de Trump
Muito mais que a resposta de um determinado país ou bloco de países, a resposta das bolsas foi imediata e bastante elucidativa. A queda dos índices bolsistas em todo o mundo representou o pior momento dos mercados acionistas desde o Covid. Desde o anúncio da aplicação de tarifas, os principais índices entraram num movimento de queda abrupta que em três dias baixaram entre 10% a 20% do seu valor.
O crash que todos estamos a assistir é a consequência natural de dois dos fenómenos mais temidos pelos investidores: a incerteza e o aumento brutal nos custos de produção com o natural impacto na redução de margens das empresas.
Empresas tecnológicas ou da indústria automóvel, que possuem as suas cadeias de produção espalhadas pelo mundo, em especial no sudoeste asiático, sofreram imediatamente. No entanto, não pensemos que só estas são afetadas. A indústria têxtil tem hoje as suas fábricas em países onde Trump foi particularmente agressivo e os bens alimentares, como o café, terão os seus preços impulsionados pelas novas tarifas.
Indo ao detalhe dos governos nacionais, as reações variaram entre respostas imediatas e proporcionais e o apelo às negociações. A China, principal exportador para o Mundo atual, aplicou tarifas similares e bloqueou a venda do Tik Tok nos Estados Unidos. O Reino Unido optou pela via negocial, estando em marcha a finalização de um dos maiores acordos comerciais da história.
Já a União Europeia, no seu momento atual de forte desunião e necessidade de encontrar um rumo enquanto bloco, vacilou entre a ameaça de tarifas e necessidade de negociação. Países como a Alemanha, que já estavam numa situação económica difícil, podem ver agravados os seus indicadores, em especial na sua indústria.
Oportunidades e Ameaças
Perante um cenário de quedas abruptas das bolsas, a lembrar as piores crises financeiras da História, e a escalada entre a relação entre países, é difícil conseguirmos ver oportunidades em tudo isto. Em apenas dois dias, as empresas cotadas nos Estados Unidos perderam 6 mil milhões de dólares em valor acionista, mais do dobro do PIB de Cabo Verde, num movimento que se repetiu nos restantes países.
Há dois objetivos possíveis nesta tática “suicida” por parte do governo americano. Por um lado, obrigar à negociação entre países, procurando acordos comerciais mais vantajosos. No entanto, mesmo num cenário de diminuição das taxas agora impostas e definição de novas condições bilaterais entre países e blocos, isto representaria uma pressão inflacionista e uma, mais que possível, quebra de vendas e resultados. A ideia de proteção e apoio à indústria nacional vai, eventualmente, colidir com a realidade de um “novo mundo” onde as cadeias de produção são transcontinentais. No entanto, há aqui, claramente, uma tentativa de reduzir a força da China na atual balança comercial mundial.
Em segundo lugar temos a desvalorização do dólar, que resulta num efeito prático e imediato de alívio na dívida americana. A economia dos Estados Unidos está em máximos de endividamento e uma redução no valor da sua moeda permite sentir uma menor pressão no cumprimento da dívida. Não obstante esta “vantagem” ela apresenta um fator de risco elevadíssimo. Os americanos precisam que o dólar continue a circular por países terceiros, sendo a principal moeda nas transações comerciais, e isso pode sofrer um revés com uma diminuição significativa dessas mesmas trocas comerciais.
As ameaças reais desta política de tarifas resultam em variáveis que impactam diretamente na vida das pessoas: aumento imediato do custo dos bens (inflação), redução drástica das margens das empresas e do seu valor e consequentes ajustes por parte dos seus decisores (despedimentos) e, na combinação destas duas, uma queda significativa no consumo o que leva a falências e à queda da economia nacional.
Perante este cenário, como podemos ver oportunidades? Admito que não é fácil, mas em todas as crises há um outro lado da moeda. Uma “nova ordem mundial” obriga os países a “acordarem” e olharem para dentro das suas fronteiras. A Europa recebe a “motivação” para ser realmente uma União Europeia e apostar na sua “independência”.
O mercado europeu apresenta, praticamente, o mesmo número de habitantes que os Estados Unidos, e, no entanto, o seu potencial e mercado interno é muito menor (no que diz respeito às suas empresas). A Europa, ao longo das últimas oito décadas, tornou-se um continente de turismo, serviços e regulamentação. A sua indústria foi desmantelada, a sua produção foi deslocalizada e as suas leis foram fatores de contração e constrangimento. A sua dependência perante a China e os Estados Unidos é absurda, e, até nos podemos recordar, da dependência energética europeia que levou a uma crise aguda de preços face à guerra na Ucrânia.
Este pode, e deve ser o momento para as economias gritarem pela sua independência e abandonarem de forma definitiva o falso conforto do plano Marshall.
Um olhar para Cabo Verde
Uma nota final breve para o impacto para Cabo Verde. A nossa balança comercial não tem dimensão para sofrer com esta primeira guerra de tarifas. A nossa atenção deve ser direcionada para outras variáveis. O peso do turismo na nossa economia é imenso, e uma crise nos países de origem desses mesmos turistas poderá resultar num cenário bastante preocupante para os nossos agentes económicos.
Por outro lado, existe o fator das remessas dos emigrantes, que continuam a representar um valor muito significativo para as famílias cabo-verdianas. É muito natural que estes valores sofram uma redução perante a queda dos valores disponíveis na nossa comunidade na diáspora.
São assim mares desafiantes os que temos pela frente e não são recomendáveis populismos ou promessas que impliquem despesas para as quais não temos verbas. Devemos focar-nos nas pessoas e na dinamização de oportunidades económicas ao alcance do nosso país. O sector das pescas clama por uma modernização, a aposta em novos mercados, em novos serviços e o aproveitamento estratégico da nossa posição geográfica e legislativa num quadro de equilíbrio entre os três continentes que Cabo Verde “toca”, sem esquecer o potencial de outras latitudes. Focando em especial as pescas, e reforçando a necessidade de modernização, eu iria mesmo mais longe, é fundamental termos a capacidade de explorarmos novos recursos. A nossa pesca é ainda artesanal e de subsistência, sendo que o modelo tradicional está esgotado e sem margem de crescimento. Façamos uma posta efetiva e nacional na utilização de novas tecnologias e na transformação do nosso sector pesqueiro numa verdadeira indústria capaz de aproveitar a profundidade dos nossos mares e as riquezas marinhas que estão ao nosso alcance.
África pode ter, nesta fase, “escapado” a esta primeira onda de tarifas, recebendo “apenas” 10% de penalização nas suas exportações (onde Cabo Verde se inclui), mas é fundamental ter a perceção que o Mundo está numa ópera dramática, com cenários desafiantes e que podem testar os países num nível que estas gerações nunca viram. Impõem-se uma verdadeira união e a aposta no trabalho e na proteção das nossas pessoas aproveitando a geografia que nos protege.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1219 de 9 de Abril de 2025.