Argumenta-se que a África precisa de criar o seu próprio modelo, adaptado à sua realidade histórica, cultural e social. Embora essa ideia pareça, à primeira vista, uma afirmação de identidade e soberania, ela pode esconder uma armadilha perigosa: a de recusar princípios universais de progresso humano sob o pretexto de preservar uma originalidade ainda mal definida.
A pergunta essencial é: o que exatamente se entende por "modelo europeu"? Se estamos a falar de sistemas de saúde pública que funcionam, de estradas bem construídas, de acesso universal à educação, de liberdade de imprensa, de segurança pública, de respeito pelos direitos humanos e de um Estado de Direito funcional então não estamos a falar de um modelo europeu. Estamos a falar do mínimo que qualquer sociedade deve oferecer aos seus cidadãos.
A Europa não nasceu com esses valores prontos. Construiu-os ao longo de séculos, muitas vezes com erros e dores profundas: guerras, ditaduras, desigualdades. Mas houve um ponto em que sociedades europeias começaram a consolidar uma consciência coletiva que valoriza a vida humana e o bem comum. Isso permitiu a evolução institucional e social que hoje muitos admiram. O verdadeiro “modelo”, se é que existe, é o da evolução progressiva, baseada na responsabilidade política, no investimento público e na cidadania ativa.
Durante o pós-independência, muitos países africanos, na busca de afirmar a sua autonomia, seguiram o caminho do comunismo ou do socialismo estatal, adotando modelos autoritários, fechados à iniciativa privada, e muitas vezes hostis à liberdade individual. O resultado foi trágico: milhões de africanos mergulharam na pobreza extrema, na fome e na repressão. Só após décadas de crise e desilusão é que várias nações começaram a abrir as suas economias, permitindo algum nível de recuperação e inovação.
Esta lição histórica precisa ser lembrada, quando refletimos sobre o passado, o presente e o futuro do continente. O erro não foi tentar ser diferente da Europa, o erro foi recusar, por ideologia, o que já se sabia que funcionava. O desenvolvimento não é ocidental, é humano.
Rejeitar o progresso só porque foi alcançado primeiro na Europa é um erro de leitura histórica. É como se um paciente recusasse um tratamento eficaz só porque foi descoberto fora do seu país. A verdadeira independência intelectual e política não está em rejeitar o que vem de fora, mas em saber adaptar e integrar aquilo que serve ao bem do povo.
Claro que a África tem as suas especificidades culturais, climáticas, políticas e deve construir soluções próprias. Mas isso não implica negar o que já se provou funcionar em termos de dignidade humana. A liberdade, a justiça, a infraestrutura, a transparência, a inclusão social não são valores ocidentais: são aspirações universais.
A insistência em criar um "modelo puramente africano" pode, na prática, servir como escudo para justificar a inércia, a má governação ou a ausência de reformas estruturais. A busca por autenticidade nunca deve ser usada como desculpa para a mediocridade. É possível sim, e desejável, que a África chegue ao nível de bem-estar, segurança e liberdade que vemos em muitas partes da Europa e isso não é copiar, é evoluir.
A verdadeira descolonização passa, portanto, por libertar também o pensamento e isso inclui não ter medo de desejar o melhor para os africanos, mesmo que esse “melhor” já tenha sido alcançado por outros.
Estudante de Relações Internacionais na Universidade de Aveiro
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1228 de 11 de Junho de 2025.