Mas Hegel confere às ideias uma dimensão histórica e um desenvolvimento no tempo que supera as divisões apresentadas por Kant entre sujeito e objecto, fenómeno e númeno, finito e infinito, necessidade e liberdade. A dialéctica hegeliana é o método pelo qual estes opostos são ultrapassados por um terceiro termo segundo a ordem posição, negação e superação ou reconciliação, vulgarmente referida como tese, antítese e síntese. Como em Heraclito, há uma unidade e luta dos contrários, pela qual se desenvolve o devir incessante do mundo natural e humano.
Desde a juventude que Hegel se propôs pensar a vida em todas as suas manifestações, da história à política e ao direito. Depois da história da consciência abordada na fenomenologia do Espírito, passa à história universal ou do mundo, compreendida como manifestação do espírito dos povos – oriental, grego, romano e germânico – e personificada nas figuras ou personagens históricos que concretizaram as aspirações desses povos, de Alexandre a César, até Napoleão, no seu tempo, representando a modernidade pelo seu Código Civil, mais do que pelas conquistas. A historicidade tem um sentido que se desenvolve até atingir o fim da história, a realizar no futuro, com o Estado moderno teorizado por Hegel nos Princípios da Filosofia do Direito e do Estado. Para Hegel o Estado realiza o universal: os interesses individuais são superados e integrados na família, e esta na sociedade civil, até ao Estado, que representa o interesse universal. A particularidade não é suprimida, mas integrada no plano da universalidade. A regulação da vida social é feita pelo direito, que representa mais uma ordem racional introduzida na sociedade do que um modo de coerção. Para Hegel, a história realiza a progressão da ideia e prática da liberdade como manifestação da razão e de uma teodiceia – presença de Deus na historicidade.
No plano mais elevado do pensamento temos o Espírito Absoluto representado pela Arte, Religião e Filosofia., abordadas, respectivamente, na Estética, na Filosofia da Religião, e na História da Filosofia. Na Estética, a arte apresenta-se como uma representação sensível e finita, através das obras, de uma ideia de beleza. Quanto mais estiver dependente da matéria, menos realiza essa ideia, e quanto mais se libertar da materialidade, mais se aproxima de uma forma inteligível do belo – é por isso que a poesia ultrapassa as artes plásticas. A religião funda-se na vontade de um encontro com o que nos transcende, realizando-se a mediação entre a finitude humana e o infinito divino com o cristianismo: o divino e o humano reconciliam-se em Cristo, fazendo o Absoluto deixar de ser um além inacessível para se manifestar no mundo. É na filosofia que se realiza o Absoluto na sua plena forma, integrando todos os momentos pelos quais se vai constituindo, desde as primeiras formas no mundo antigo, passando pelo medieval até ao moderno. O sistema hegeliano apresenta-se como o culminar desse processo histórico, na medida em que integra em si as etapas que o antecederam: a verdade é filha da história.
O facto de sermos limitados e finitos impede-nos um acesso ao Saber Absoluto, mas esta renúncia a um sistema como o de Hegel não implica que nos conformemos com a tendência actual para o relativismo. A verdade, o bem, o belo e o justo continuam a fazer sentido como horizontes do pensar e do agir humano. Também precisamos de encontrar um sentido para a história, o que Francis Fukuyama fez retomando a ideia hegeliana de um fim da história, mas transpondo-a para a forma da democracia liberal. Ainda que o nosso horizonte actual seja o da incerteza em todos os campos, a procura de uma inteligibilidade do mundo e de uma ética para a acção continuam a ser uma tarefa a assumir actualmente.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1236 de 6 de Agosto de 2025.