África cresce, mas não se desenvolve: a realidade por trás dos números

PorSeco Ussumane Sidibé,30 set 2025 11:45

Nos últimos dez anos, África registou uma taxa média de crescimento económico de 3,8%, acima da média mundial, segundo o African Economic Outlook 2024, do Banco Africano de Desenvolvimento. Para 2025, a previsão é ainda mais otimista: mais de 4%.

À primeira vista, o continente parece avançar a passos largos. No entanto, por trás destes números, a realidade é dura e contraditória: mais de 460 milhões de africanos continuam a viver em pobreza extrema, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Como é possível crescer tanto e, ainda assim, permanecer pobre?Há várias explicações. O PIB pode subir, mas o PIB per capita cair devido ao rápido crescimento populacional. No entanto, no caso africano, o problema central vai além disso: a riqueza gerada concentra-se em pequenas elites, enquanto a maioria permanece excluída. Má governação, corrupção generalizada e falta de vontade política em transformar recursos em bem-estar coletivo perpetuaminstituições extrativas, que beneficiam círculos restritos de poder, muitas vezes políticos e militares, condenando milhões de cidadãos à pobreza estrutural.

Confunde-se frequentemente crescimento económico com desenvolvimento. Crescer significa produzir mais riqueza; desenvolver é transformar essa riqueza em educação de qualidade, saúde acessível, emprego digno e bem-estar coletivo. Sem essa transformação qualitativa, o crescimento de África continuará a ser apenas um número nas estatísticas, sem impacto real na vida das populações.

Grande parte do crescimento africano tem vindo da exportação de recursos naturais, petróleo, gás, ouro, diamantes ou de empréstimos internacionais para infraestruturas. São fontes que geram receitas, mas pouco valor acrescentado e quase nenhum impacto sustentável na maioria da população. A falta de industrialização mantém o continente preso a uma lógica colonial: exportar matérias-primas em bruto e importar produtos acabados a preços elevados. Essa dependência externa bloqueia a criação de empregos qualificados e impede a emergência de uma classe média robusta.

A história económica recente mostra que nenhum país se desenvolveu sem apostar em capital humano. A Coreia do Sul, devastada pela guerra nos anos 1950, transformou-se numa potência tecnológica apostando em educação e inovação. A Finlândia, que nos anos 1960 era essencialmente rural, tornou-se referência mundial em educação. E a China, que nos anos 1990 tinha taxas de pobreza superiores às de muitos países africanos, em apenas três décadas ergueu-se como a maior economia industrial e tecnológica do planeta. O que estes casos têm em comum? Educação como prioridade estratégica, vista não como despesa, mas como investimento decisivo.

Em África, pelo contrário, a despesa pública em educação raramente ultrapassa 4% do PIB e é vulnerável a crises fiscais e instabilidade política. Em muitos países, professores trabalham meses sem salário, escolas funcionam sem condições mínimas e universidades carecem de financiamento para investigação científica. Sem jovens preparados para inovar, empreender e competir num mundo globalizado, o continente permanecerá refém da exportação de matérias-primas e da ajuda externa.

O bloqueio, contudo, não é apenas económico; é também político. Em muitas eleições africanas, o debate sobre políticas económicas quase não existe. Os partidos apostam em promessas vagas, no carisma ou em identidades étnicas, mas raramente apresentam programas consistentes para industrializar, gerar emprego ou atrair investimento produtivo. Chegam ao poder sem planos claros e tornam-se reféns de soluções impostas de fora. O saudável seria o contrário: cidadãos escolherem líderes pelas suas propostas económicas e cobrarem resultados concretos.

O papel das instituições financeiras internacionais, em especial o FMI, agrava essa dependência. A instituição privilegia o pagamento da dívida, muitas vezes à custa de cortes em saúde, educação e agricultura. Em países como Guiné-Bissau, centenas de médicos e professores ficaram sem subsídios; em Angola, a retirada abrupta dos apoios aos combustíveis desencadeou protestos que terminaram em violência e mortes. Governos africanos recebem o rótulo de “bons alunos” do FMI, mas falham no essencial: melhorar a vida das pessoas. E nunca se fala em sair da dependência da dívida, apenas em geri-la indefinidamente.

Há também uma visão limitada sobre o papel do Estado. Em muitos países africanos, ainda persiste a ideia de que cabe ao governo ser o principal empregador e controlador das grandes empresas, uma herança dos modelos económicos adotados logo após a independência, que continua a condicionar as políticas públicas atuais. O problema é que o setor público já não tem capacidade para absorver os milhões de jovens que entram todos os anos no mercado de trabalho. O resultado é um desemprego massivo, que gera frustração, estimula a emigração e, em alguns contextos, alimenta a instabilidade social.

O futuro exige uma mudança de paradigma. Em vez de perpetuar um Estado centralizador, África precisa apostar na valorização das pequenas e médias empresas, na criação de ecossistemas favoráveis ao empreendedorismo e no fortalecimento da produção local. Só assim a juventude africana poderá tornar-se um verdadeiro dividendo económico, e não uma bomba-relógio social.

Mais do que crescer, é preciso transformar.

O continente não precisa apenas de números altos no PIB; precisa de traduzir esse crescimento em desenvolvimento. Isso exige lideranças visionárias que invistam em educação, ciência e tecnologia, que modernizem a agricultura, que fortaleçam a indústria e que saibam dialogar com o setor privado. Exige também uma nova relação com as instituições internacionais, que privilegie soberania e inclusão.

O futuro de África não pode continuar a ser ditado por relatórios técnicos do FMI ou por estatísticas que mascaram a pobreza real. O debate económico tem de sair dos gabinetes e chegar às universidades, aos parlamentos, aos media e, sobretudo, à vida quotidiana das pessoas. Cada nação deve encontrar a sua estratégia própria, mas o destino coletivo do continente será decisivo para que a pobreza global seja ou não erradicada nas próximas décadas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1243 de 24 de Setembro de 2025.

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Autoria:Seco Ussumane Sidibé,30 set 2025 11:45

Editado porAndre Amaral  em  30 set 2025 11:45

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