O turismo é o ouro e diamante de Cabo Verde

PorBruno Spencer,6 out 2025 8:09

​Antes da independência, vinham turistas para Cabo Verde. Lembro-me que naquela altura não havia o chamado «Cais Acostável», no Porto da Praia. Os cruzeiros vinham e fundeavam lá fora: era através dos seus botes que os turistas desembarcavam na chamada «Ponte».

Um facto que na altura se passava, embora eu não tenha presenciado o acto porque era criança, era que, quando os turistas vinham, os pobres que pediam esmola pelas ruas, eram recolhidos e metidos num local, para que os estrangeiros não os pudessem ver. O regime salazarista de então não queria que o mundo soubesse que havia pobreza em Cabo Verde. Os turistas vinham, mas o número era muito inferior ao número de hoje.

O dia 27 de Setembro é considerado pela OMT, Organização Mundial do Turismo, como Dia Mundial do Turismo. Segundo a OMT, o objetivo deste dia é aumentar a consciência sobre o papel do turismo na comunidade internacional e demonstrar como ele afeta os valores sociais, culturais e outros em todo o mundo.

Sendo Cabo Verde um país que vive em grande parte do turismo, o dia não podia passar despercebido entre nós. Como se sabe, 25% do nosso PIB vem desse setor económico. Por outro lado, segundo os dados estatísticos, já em 2023, 11.196 trabalhadores trabalhavam no setor do turismo. A tendência para o futuro, com o desenvolvimento desse setor, é que vamos ter mais aumento do PIB, bem como mais aumento de postos de trabalho.

Contando com os turistas de cruzeiros, o número de turistas ultrapassa dois milhões ou mais em Cabo Verde

Segundo dados estatísticos, Cabo Verde recebeu no ano de 2024, 1,1 milhão de turistas. Os dados recolhidos são provenientes dos estabelecimentos hoteleiros, seguindo as normas da OMT, mas se tomarmos em conta os turistas vindos de cruzeiros, o número de turista é muito maior. Os turistas de cruzeiros normalmente não pernoitam no país que visitam.

Na década de 90, com a privatização e nova orientação económica, Cabo Verde deu grande impulso para o desenvolvimento do turismo

Durante todo o período colonial, o nosso país viveu isolado, Portugal nunca quis que se devolvesse o turismo por duas razões: primeiro, para que o mundo não conhecesse Cabo Verde e segundo, desenvolvendo o turismo, iria fazer concorrência a Algarve na Metrópole. Depois, tivemos 15 anos da Primeira República em que o turismo não era prioritário e a economia era estatizada. O regime da Primeira República só deu conta de que o modelo seguido estava em falência nos finais dos anos 80. É a partir desses anos que se fala na política de extroversão económica e turismo. Lembro-me que se dizia que os alemães iam construir dez hotéis na ilha do Sal. Também foram nos finais dos anos 80 em que várias bolsas de estudo foram concedidas aos alunos para formação no exterior. Há dois casos que se passaram na Primeira República que comprovam que o Estado nunca deve ser dono ou proprietário de algum empreendimento turístico. O papel do Estado é fiscalizar, regular, etc. Sobre os dois casos: primeiro, lembro-me que havia uma agência de viagem no Plateau, no local onde é hoje a Papelaria Académica. O proprietário do mesmo era o Sr. Albino Santos que me contou que vendia antes e depois da independência os bilhetes de passagem para os passageiros que iam para Lisboa ou para outros destinos. Depois, surgiu um problema: os passageiros ficavam retidos no Sal. Ele foi pessoalmente à ilha para ver o que se passava. Falou com o representante da TAP para saber o motivo pelo qual seus passageiros ficavam retidos; o mesmo lhe disse, “temos ordens para dar prioridade aos passageiros da Agência Nacional de Viagem, depois havendo lugares, damos às outras agências”. O Sr. Albino regressou à Praia e não teve outra solução, senão fechar a dita agência. A Agência Nacional de Viagem era uma empresa criada pelo Estado. Outro facto passado que me entristeceu foi o serviço prestado pelo Hotel Praia- Mar. Tinha vindo para Cabo Verde um grupo de descendentes cabo-verdianos dos Estados Unidos da América, vinham para conhecer os seus familiares. O grupo convidou várias pessoas para um jantar no referido hotel. O prato posto na mesa era de má qualidade e ficou na mesa e o estabelecimento não teve sequer a hombridade de dar alguma resposta sobre o porquê de a refeição não estar em condições para os clientes. Hoje, não, porque o Hotel foi privatizado e apresenta um bom serviço e também hoje não temos agências que tenham alguma proteção do Estado em detrimento das outras: o mercado é livre para a concorrência.

Com a mudança política nos anos 90, o turismo passou a ser um sector prioritário. Também os incentivos para os investimentos, a chamada Lei da Utilidade Turística motivou muitas pessoas a investirem no sector. Tivemos também nessa altura o investimento ptaliano no Sal e na Boa Vista na hotelaria que continuam até hoje.

Low Cost e lei sobre alojamento local

O valor dos bilhetes de passagem pesa muito na ida de um destino para outro. Países como a República Dominicana recebem muitos turistas por causa do preço dos bilhetes de passagem que não são elevados. O tão falado voo Low Cost que vai iniciar no próximo mês de Outubro é de grande relevância para Cabo Verde. A par disso, há a chamada Lei do Alojamento Local. Esta lei permite que proprietários que recebem turistas em suas casas, sem legalização perante o Estado, virem agora a se legalizar. O tipo de turista dos voos Low Cost não é o turista que vai para hoteis 5 estrelas. Com os Low Cost vamos poder ver muitas pessoas a investirem no imobiliário para receberem esse tipo de turista.

Diversificar a oferta turística

Os dados estatísticos dizem que são duas ilhas que mais turistas recebem em Cabo Verde: Sal e Boa Vista. Deverá haver toda uma política para que outras ilhas possam também receber mais turistas. Ora, isso passa forçosamente para que os meios de transporte internos sejam eficientes e eficazes e também que haja mais estabelecimentos hoteleiros nessas ilhas para poderem acolher os turistas. O nosso produto turístico que está sendo mais vendido é sol e mar, mas temos também montanha, vulcão, património histórico, cultura e outros.

O turismo é a fonte onde todos os animais vão beber

Por ser um sector transversal, o turismo está intimamente ligado aos outros sectores. O turismo gera receitas como impostos, divisas e outros. A mão-de-obra é necessária; desta forma cria-se vários postos de trabalho, o que vai diminuir o desemprego. A grande vantagem do turismo, sobretudo na hotelaria, é o consumo de vários produtos como pesca, animação e outros. Se nós em Cabo Verde conseguirmos criar condições para que os hotéis importem menos e consomam mais, os produtos de Cabo Verde seriam uma grande vitória para nós.

Também não podia deixar passar um facto dito por um gerente de um grande hotel, no Sal, há alguns anos atrás, numa entrevista concedida a um jornal de Cabo Verde. Dizia o gerente que, às vezes pela morte de um primo, o trabalhador fica em casa, fazendo grande falta no trabalho. Também falou dos compromissos assumidos com operadores económicos nacionais que não cumprem com as obrigações. Ora, para desenvolver o sector, esse tipo de comportamento nunca deve existir.

Quando se celebra o Dia Mundial do Turismo, é de justiça louvar o Hotel Morabeza, na Ilha do Sal, porque é o pioneiro no desenvolvimento do turismo em Cabo Verde. Construído antes da independência, o estabelecimento labora até hoje e tem mais de 50 anos de existência.

Também um gesto de louvor para Escola de Hotelaria e Turismo sediada aqui na Praia, que tem formado bons profissionais que, quer para onde vão, são sempre bem acolhidos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1244 de 01 de Outubro de 2025.

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Autoria:Bruno Spencer,6 out 2025 8:09

Editado porAndre Amaral  em  8 out 2025 17:19

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