Graduação a País de Rendimento Médio-Alto: um marco, não um destino

PorLuís Carlos Silva,14 jul 2025 9:26

​Provavelmente não há melhor notícia para Cabo Verde nesta década do que o anúncio da sua graduação a país de rendimento médio-alto, reconhecida pelo Banco Mundial. Desde 1986, apenas cinco países no mundo conseguiram semelhante progressão. Em África, Cabo Verde junta-se a um grupo restrito de sete economias com esta classificação.

É a segunda vez que o país é graduado (a primeira foi em 2003) e este feito representa o reconhecimento internacional de um percurso de décadas: marcado por reformas consistentes, estabilidade institucional, compromisso com a boa governação e um profundo sentido de responsabilidade nas políticas públicas.

Mas este reconhecimento não deve dar lugar ao triunfalismo. A graduação não é um ponto de chegada, mas um marco no caminho. Cabo Verde continua a enfrentar constrangimentos estruturais sérios. A excessiva dependência do turismo torna a nossa economia vulnerável a choques externos, como ficou provado durante a pandemia. O nível de endividamento público, apesar da notável trajetória de redução, continua elevado e limita as margens de manobra do Estado. A produtividade da economia é baixa, o tecido empresarial é frágil e os choques climáticos representam uma ameaça real e crescente. A base tributária é estreita e a pressão sobre o investimento público aumenta com as exigências de desenvolvimento.

Reconhecer estes desafios não diminui o significado da graduação. Pelo contrário, confere-lhe ainda mais legitimidade e utilidade. Esta conquista deve servir de catalisador para um novo ciclo de ambição nacional. A meta deve ser clara: atingir nos próximos quatro anos o rendimento per capita de 7.000 dólares — o patamar ótimo dentro da categoria — e iniciar, com base firme, o processo de transição para país de rendimento elevado. Pode parecer difícil, e para muitos até impossível, mas nós estamos habituados ao difícil. Crescemos sempre a contrariar expectativas e a fazer história com poucos meios. E há provas de que é possível. Seychelles, também pequeno, também insular, também africano, é hoje o único país do continente com o estatuto de rendimento elevado. Se um país com características tão semelhantes alcançou esse patamar, Cabo Verde também pode fazê-lo.

Para isso, precisamos de acelerar a transição energética, diversificar a economia e acrescentar valor aos sectores que já sustentam o nosso crescimento. O turismo tem de ser diversificado, mais integrado e mais redistributivo. A economia digital, a inovação tecnológica, as indústrias criativas, a economia azul e a agricultura resiliente precisam de ser centrais na nova matriz de desenvolvimento. A educação técnica e científica deve deixar de ser apenas discurso e passar a ser verdadeira alavanca de mobilidade social. E o investimento na proteção social tem de ser acompanhado de reformas que assegurem a sua viabilidade futura.

É por isso que nos deve preocupar (e muito) o rumo que algumas propostas políticas estão a tomar. O discurso de que tudo pode ser gratuito - transportes, saúde, ensino superior - está a ganhar espaço sem que ninguém apresente qualquer cálculo, qualquer estimativa orçamental, qualquer plano de sustentabilidade. Ora, qualquer política pública, para ser séria, tem de ser financeiramente viável. A ausência de contas públicas que acompanhem essas promessas não é uma falha menor. É um sinal de que a proposta não passou pelo crivo da responsabilidade.

Este tipo de abordagem, por mais sedutora que pareça, não é apenas tecnicamente irresponsável. É politicamente perigosa. Porque mina a confiança nas instituições, gera falsas expectativas, desequilibra as contas públicas e compromete os recursos das próximas gerações. Prometer tudo a todos sem dizer quem paga, como paga e com que consequências, é não só uma forma de populismo: é uma ameaça real à estabilidade que construímos.

É neste contexto que vale a pena recuperar uma lição essencial de Friedrich Hayek: “O planeamento central das necessidades leva inevitavelmente ao planeamento das liberdades.” O que Hayek nos recorda é que, quando o Estado promete tudo sem limites nem critérios, acaba por concentrar demasiado poder, por asfixiar a economia e, inevitavelmente, por ter de escolher quem tem acesso a quê, e quem fica de fora. As promessas sem financiamento escondem um outro tipo de desigualdade: a que será imposta quando os recursos escassearem e os critérios forem arbitrários.

O modelo que nos levou à graduação foi exatamente o contrário: equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, entre solidariedade e rigor. Foi esse modelo que fez de Cabo Verde um país confiável, respeitado e estável. É com esse mesmo modelo que devemos encarar o futuro.

Com a graduação, celebramos os 50 anos da independência com um feito concreto, verificável e inegável. Mas o maior tributo à geração da independência não será esta celebração — será a coragem de prepararmos, desde já, os próximos 50 anos. Isso exige visão, exige compromisso, exige reformas. Mas exige, acima de tudo, que saibamos dizer não às propostas mirabolantes do populismo, e sim a um projeto de desenvolvimento nacional sério, inclusivo e sustentável. O mundo já reconheceu o nosso potencial. Cabe agora a nós prová-lo com responsabilidade e ambição.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1232 de 9 de Julho de 2025.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Luís Carlos Silva,14 jul 2025 9:26

Editado porSara Almeida  em  15 jul 2025 21:19

pub.
pub
pub.
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.