Crescer mais para não ter que partir

PorA Direcção,13 jun 2025 8:38

Na sexta-feira passada, 6 de Junho, o INE divulgou os dados do desemprego em Cabo Verde a descer para 8%, a partir de 10,3% em 2023. Ontem, 10 de Junho, o Banco Mundial actualizou em alta as previsões de crescimento do país para 2025 de 5,3% para 5,9%. Em 2024 o PIB cresceu 7,4 e a expectativa para 2026 é de continuar acima do potencial de crescimento podendo atingir 5,3% de acordo com os dados mais actuais do Banco Mundial.

Está-se, de facto, perante boas notícias: na conjuntura actual de muitas incertezas as taxas de crescimento de Cabo Verde continuam acima das previsões de crescimento de 3,7% para a África Sahariana e de 2,3% para a economia global, mesmo considerando que, segundo o INE, 47,5 % dos empregados trabalha na informalidade.

As boas notícias, porém, não devem desviar o foco do país da situação extremamente séria e delicada que se vive hoje no mundo. É um facto assente que as ameaças de guerra comercial já causaram estragos terríveis. Também é evidente que as tensões geopolíticas, resultantes do reposicionamento de potências emergentes, e a quebra da ordem internacional, que tinha reinado nos últimos 80 anos, já estão a redefinir as relações internacionais e a elevar os níveis de risco para a paz mundial. O que não é muito claro é que haja ambiente em Cabo Verde para se compreender a gravidade da situação e mostrar a devida ponderação perante os extraordinários desafios que se colocam.

Vários factores contribuem para que as expectativas de todos sejam altas, entre os quais estão o nível crescente de educação, o acesso universal à informação, que dá conta de oportunidades existentes no mundo, e a crença que todos devem ser capazes de realizar os seus sonhos. O problema é quando tudo isso choca com a realidade e há que ter alguma razoabilidade considerando os recursos existentes, a necessidade de organização e capacitação para produzir riqueza e o tempo exigível para a materialização dos objectivos. De facto, não é razoável esperar a gratificação instantânea de todos os desejos, a satisfação de todas as reivindicações e solução imediata de todos os problemas, como prometido pelos populistas.

A democracia, pelo contrário, ajuda a aderir à realidade quando funciona em pleno com as suas regras e procedimentos. E é assim porque propicia o diálogo, chama à ponderação e abre espaço à negociação e ao compromisso. No processo cria-se dinâmica social, política e económica ao promover a iniciativa e criatividade do indivíduo e ao incentivar o desenvolvimento do sentido de responsabilidade para a comunidade. Responsabilidade essa que deve acompanhar o exercício da liberdade e é essencial para cumprir o contracto social com vista à prosperidade de todos. Como é de esperar em situações normais e particularmente em processos de desenvolvimento nada é linear, nem tudo acontece como planeado, não se pode ter tudo e desigualdades tendem a reproduzirem-se, não obstante os esforços para as eliminar.

Um dos problemas mais complexos com que o mundo se depara actualmente é o das migração de pessoas de uns países para outros. Os que são emissores ficam com os problemas de perda de mão-de-obra, fuga de cérebros e eventualmente perda de produtividade em sectores-chave da economia. Em contrapartida, poderão ter ganhos significativos com remessas enviadas pelos seus emigrantes e futuramente com investimentos e transferência de tecnologia, know-how e espírito empreendedor. Nos países receptores preenchem-se vagas em sectores necessitados de mão- de-obra, rejuvenescem em termos demográficos, mas têm que lidar com o problema da integração dos imigrantes e as questões políticas que podem surgir da gestão de entradas.

Cabo Verde atingiu o nível de desenvolvimento que particularmente o deixa exposto ao fenómeno das migrações. Sempre foi um país de emigrantes, mas as razões eram fundamentalmente outras. Um país sujeito a secas periódicas e a fomes terríveis forçava a saída de uma parte da população para vários continentes à procura de sobrevivência e de sustento para os familiares que ficavam para trás. As saídas actualmente parecem seguir mais o padrão típico dos países de rendimento médio que atingem o patamar dos 4 mil dólares de rendimento per capita. A motivação já não é a sobrevivência, mas sim, a procura de novas oportunidades. O perfil dos novos emigrantes é o de pessoas já com um nível médio-alto de escolarização, e com formação e experiência profissional e rendimento suficiente que permite viagem e relocalização para uma nova vida em outros países.

Naturalmente causa preocupação um fluxo migratório para o exterior de gente qualificada que cria escassez de mão-de-obra em sectores importantes da economia. A solução não passa, porém, por reivindicações contraditórias de querer facilidade de visto para viajar e ao mesmo pretender coibir emigração à procura de oportunidades de trabalho e de carreira. Estudos comparados da relação entre emigração e crescimento do PIB per capita deixam entender que em geral o fenómeno surge a partir dos 4 mil dólares per capita, atinge um máximo aos 10 mil dólares, diminuindo à medida que o país se torna mais desenvolvido.

O facto de se a estar a assistir actualmente ao que é chamado, em certos sectores, de emigração massiva, deve-se mais ao estádio de desenvolvimento em que Cabo Verde se encontra actualmente do que à questão posta por alguns se é real ou não que o país cresceu a 7,3 %, em 2024, e tem uma previsão de crescimento de 5,9% para 2025 e 5.3 para 2026, muito superior às médias mundial e da África Subsaariana. Pode-se é perguntar se, 50 anos após a independência, Cabo Verde não devia estar num outro patamar. Imagine-se se não tivesse perdido os primeiros quinze anos com políticas económicas estatizantes contrárias à iniciativa privada que bloquearam o investimento externo, impediram o desenvolvimento do turismo e não exploraram a possibilidade nos anos setenta e oitenta, a exemplo das Maurícias, de uma industrialização para a exportação, criadora de empregos e de uma mão-de-obra mais qualificada.

Só a partir dos anos noventa o país viria a ter a chance de aumentar o seu potencial de crescimento, mas muitas oportunidades ficaram para trás, irremediavelmente perdidas. A isso deve-se ainda somar as marcas que essas políticas deixaram nas instituições estatais e na cultura centralizadora, avessa ao mérito e promotora da dependência e do assistencialismo que permeia a vida do país a vários níveis. As reformas que se impõem para aumentar a produtividade e a competitividade do país, para elevar o potencial de crescimento a níveis mais elevados e permitir que os jovens e outros profissionais possam optar por ficar e se realizarem no país, estão por fazer, não obstante as promessas dos sucessivos governos.

Por causa disso já há quem, alimentando ressentimento contra as “elites”, queira ir por caminhos que minimizam o diálogo e os compromissos e inevitavelmente resvalam para o autoritarismo e correspondente perda de direitos. Basta um só olhar para o espectáculo de tropas nas ruas da cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, para concluir que, de facto, o inimaginável pode acontecer quando a política é substituída pela exploração de sentimentos de medo e de ódio ao outro. Com o mundo sob a ameaça de uma recessão global, o desastre que a via populista representa revela a sua completa dimensão.

Cabo Verde mostra capacidade de crescer mesmo com as dificuldades que apresenta nos transportes, na segurança, na educação e na saúde que têm sido foco de preocupação das pessoas. Como os 50 anos de independência já demostraram, só a democracia, por manter sempre a possibilidade de se encontrar vias para ultrapassar as dificuldades e remover os obstáculos, pode trazer soluções. Para isso é fundamental que não se caia em derivas autoritárias, que haja confiança nas suas instituições e que prevaleça na comunidade nacional um espírito de pertença e de solidariedade. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1228 de 11 de Junho de 2025.

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Autoria:A Direcção,13 jun 2025 8:38

Editado porAndre Amaral  em  13 jun 2025 23:27

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