A real leitura dos dados macroeconómicos em Cabo Verde

PorGilson Pina,30 jun 2025 9:54

Gilson Pina, PH.D. Doutorado em Economia
Gilson Pina, PH.D. Doutorado em Economia

Ao concluir a licenciatura, qualquer aluno de Economia fica com uma confirmação irrefutável: qualquer teoria económica só é válida se for testada empiricamente. Num sentido mais lato, para além da economia, qualquer opinião só pode ser considerada relevante se estiver fundamentada em dados e factos. Caso contrário, não passa de uma opinião sentimental.

Para o ano de 2024, o Ministério das Finanças projetou um crescimento económico de cerca de 6,5%, com base nos seus pressupostos mais otimistas. Entidades como o FMI ou o Banco Mundial, por sua vez, projetaram um crescimento de cerca de 6,0%.

Para o mesmo ano, a taxa de desemprego foi projetada em 8,2%, com uma taxa de inflação que poderia atingir os 2,8%. Este cenário baseava-se no pressuposto de uma consolidação orçamental contínua, em que o défice público não ultrapassaria os 2,9%, ao mesmo tempo que se observaria uma redução contínua da dívida pública. Este era o contexto macroeconómico em que se baseou a apresentação do orçamento para 2024.

Os dados provisórios do contexto macroeconómico em Cabo Verde mostraram que o PIB estimado pelo INE para o ano de 2024 cresceu cerca de 7,3%, enquanto a taxa de inflação ficou pelos 1,4%. Por sua vez, a taxa de desemprego desceu de facto para valores abaixo de um dígito, tendo ficado nos 8,0%, valor inferior ao projetado pelo Ministério das Finanças. A consolidação orçamental foi confirmada, com uma redução do défice público e a confirmação da trajetória decrescente da dívida pública.

A posição externa cabo-verdiana melhorou de forma significativa, assim como o contexto monetário. Sendo estes dados pouco discutidos na praça pública, não serão abordados neste artigo, mas poderão ser objeto de futuros textos. É possível que estes sejam menos discutidos, visto exigirem mais do que uma simples opinião sobre o assunto.

Por sua vez, os dados sobre as finanças públicas são o que são. Não se trata de uma opinião, mas sim de meros registos contabilísticos. Além do controlo interno, há uma forte pressão do controlo externo, o que confirma que Cabo Verde tem uma das melhores performances de registo de dados a nível das finanças públicas. Por isso, os dados sobre défices e dívida também não são muito discutidos, pelo menos no que se refere ao seu registo e aos valores observados.

O mesmo Instituto Nacional de Estatística (INE) que, há 10 anos, estimava o PIB em cerca de 1%, é o mesmo que estima os valores observados nos últimos anos, que têm crescido, em média, cerca de 7% (excluindo a recessão de 2020, provocada pela pandemia da CoVid-19). A metodologia não mudou e o controlo das entidades externas continua o mesmo, pelo que se pressupõe que o que mudou foi o contexto macroeconómico.

Das variáveis que compõem o contexto macroeconómico, o desemprego e o PIB têm sido os temas mais criticados pela opinião pública. A questão mais frequentemente colocada é a veracidade e credibilidade desses dados. Será que a economia cabo-verdiana tem, de facto, estado a crescer cerca de 7%? Trata-se de um crescimento genérico ou apenas de uma parte da economia que está a inflacionar estes valores?

Existe um conjunto de abordagens que podem ser utilizadas para explicar o contexto dos dados macroeconómicos de Cabo Verde. Entretanto, uma vez que os dados das finanças públicas são auditados e confirmados pelo Tribunal de Contas, é possível estabelecer uma correlação simples entre esses dados e o contexto macroeconómico.

O PIB pode ser calculado de acordo com três perspetivas diferentes: a do rendimento, a da produção e a da despesa.

No que se refere ao rendimento, esta forma de cálculo demonstra todos os rendimentos obtidos pelos agentes económicos num determinado ano. Os dois principais agentes da economia são as famílias (consideradas trabalhadoras) e as empresas (consideradas empregadoras). Os rendimentos das famílias correspondem aos salários (simplificando) e o rendimento das empresas são os lucros.

Tendo em conta a realidade da economia cabo-verdiana, podemos afirmar que a tendência desses rendimentos pode determinar a tendência do crescimento económico. Em primeiro lugar, a fraca dinâmica dos mercados financeiros e a participação tímida das famílias e das empresas nas operações financeiras levam a crer que os movimentos do setor real são amplamente suficientes para explicar a dinâmica económica em Cabo Verde.

Por conseguinte, falar da dinâmica dos rendimentos em Cabo Verde pode explicar como tem sido a dinâmica do PIB no país. Contudo, ironicamente, o cálculo do PIB pela ótica do rendimento ainda não tem sido uma opção de apresentação dos cálculos do INE, a nível trimestral, que, por sua vez, tem apresentado os dados do PIB apenas na ótica da despesa e da produção.

Voltando ao assunto, é possível explicar qual foi o comportamento do rendimento em Cabo Verde no ano de 2024. Como foi mencionado, o PIB cresceu 7,3% em 2024. Como podemos afirmar que este PIB teve a contribuição de todos e que estes valores são verdadeiros, sem pôr em causa a credibilidade do INE?

Como mencionado anteriormente, o registo das finanças públicas em Cabo Verde é um dos principais ativos deste país. Sobretudo com o novo sistema SIGOF, que permite a bancarização do tesouro e em que tudo é registado no sistema. Já não existem operações bancárias fora do sistema (ainda estão fora algumas embaixadas e o CNE, mas isso não interfere com a justificação pretendida). Tudo é contabilizado de forma instantânea e corretamente registado.

Porque falar do SIGOF para explicar o comportamento do PIB? As correlações são mais evidentes. Primeiro, é necessário começar pela definição dos impostos. Os impostos correspondem à única forma de transação em que não existe qualquer compensação subjacente. Ou seja, os agentes pagam impostos simplesmente porque é necessário e não recebem nada em troca pelo pagamento (pelo menos de forma direta). Isto significa que, quando um agente económico paga o imposto, é porque de facto aquele valor foi devido e pagaria menos se fosse possível. Ninguém paga um imposto mais do que o que lhe é legalmente exigido.

Ao conjugar estas duas informações, a fiabilidade dos registos do SIGOF e o pagamento de impostos pelos agentes económicos (famílias e empresas), é possível antever a dinâmica do rendimento em 2024 com total segurança.

De acordo com as informações provisórias da Conta Geral do Estado para 2024, o total dos impostos arrecadados no ano teve um aumento de 13,8%, muito superior ao aumento do PIB no mesmo ano.

Ao fazer zoom no comportamento dos impostos, por rubrica, e de forma mais direta, constata-se que há uma relação explicada pelos dados entre o crescimento do PIB e dos Impostos.

No que se refere ao Imposto sobre o Rendimento (IUR), tanto para pessoas coletivas (empresas) como para pessoas singulares (famílias/trabalhadores), este teve um crescimento de mais 17,9% em 2024. Analisando os dados por separado, o IUR das pessoas singulares aumentou 14,0% e o IUR das pessoas coletivas cresceu 22,5% no mesmo período.

O IUR corresponde a uma taxa fixa sobre o rendimento das famílias e empresas, sendo que esta taxa é dividida por escalão para as famílias. De facto, o rendimento das famílias e das empresas aumentou significativamente em 2024, o que mostra que houve partilha de rendimento entre os agentes e que, em conjunto, contribuíram para a dinamização da economia. As famílias tiveram mais rendimento em 2024 e as empresas tiveram mais lucro no mesmo ano (deve-se salientar que os impostos sobre rendimento são devidos pelas operações do ano anterior, mas neste caso, apenas se refere à diferença do período, pois o efeito é contínuo).

Outra rubrica dos impostos que pode evidenciar a dinâmica do rendimento da economia prende-se com os impostos indiretos sobre bens e serviços, mais especificamente o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). O IVA evidencia a dinâmica do consumo e a parte que é devido ao Estado. 15% do valor das despesas com bens e serviços revertem para o Estado sob a forma de imposto. Há uma divisão entre o IVA cobrado nas alfândegas pelas importações e o IVA cobrado pela DGCI (Direção-Geral de Contribuições e Impostos), referente às transações a nível interno. Para este exercício, é conveniente focar apenas nas operações internas, pois estamos a falar da dinâmica económica interna do país. Assim, as empresas/lojas retêm este valor e entregam-no ao Estado. Em 2024, o valor entregue ao Estado no âmbito do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA-DGCI) aumentou 19,8%.

Ainda neste tipo de imposto, podia-se também falar da dinâmica do Tributo Especial Unificado (TEU), que teve um aumento de 17,1% em 2024, mas o contexto é igual ao do IVA-DGCI, pelo que seria repetitivo.

Para concluir esta análise, é necessário referir o comportamento da rubrica "Contribuições para a segurança social", que registou um aumento de 26,2% em 2024. Contudo, é importante salientar que este indicador se refere apenas a uma parte dos trabalhadores e não tem o respaldo do setor privado. Para uma análise mais aprofundada deste impacto, é necessário recorrer aos dados do INPS, que serão objeto de outro texto.

Perante estes factos, pode-se concluir que as rubricas dos impostos influenciadas pela dinâmica do setor privado (isto é, só são arrecadados se houver de facto um aumento de rendimento da economia, mais concretamente das empresas e das famílias) tiveram um desempenho excecional em 2024, confirmando que a atividade económica tem evoluído muito bem.

Esta correlação mostra que, de facto, os valores do INE estão talvez a pecar por defeito, pois a dinâmica dos impostos tem superado a dinâmica da evolução do PIB. Deve-se referir que os impostos refletem o PIB na economia. Todavia, deve-se ter em conta que o aumento dos impostos também pode ser justificado pelo aumento das taxas (que não foi o caso destas rubricas, pois houve uma diminuição das taxas de imposto) ou pela melhoria na arrecadação das receitas. Reconhece-se que uma boa parte se deve à melhoria da Administração Tributária (DNRE), mas a verdade é que a maior parte se deve precisamente ao aumento da dinâmica da economia.

Antes de terminar, convém fazer uma breve introdução aos dados do desemprego. O valor apresentado pelo INE difere da projeção do Ministério das Finanças em apenas 0,2 pontos percentuais. Esta projeção incorporou não só as medidas ativas de emprego, como também medidas para dinamizar o setor privado e políticas de rendimento e preços.

Tendo em conta as teorias macroeconómicas, de facto pode-se confirmar que se justifica que o valor apresentado pelo INE para a taxa de desemprego esteja abaixo do valor apresentado pelo Ministério das Finanças. Por um lado, as receitas tiveram um melhor desempenho e, por outro, a taxa de crescimento do PIB foi superior ao projetado, o que se traduz numa melhoria do resultado do mercado de trabalho.

Aliás, é uma falácia considerar que as medidas ativas de emprego não influenciam a procura de trabalho. Se assim fosse, nenhum país se focaria nas mais diversas formas de medidas ativas de emprego.

Sem entrar em números, o mercado de trabalho entra em equilíbrio quando a oferta de trabalho pelos trabalhadores é igual à procura de trabalho pelas empresas. Qualquer alteração nas curvas levaria a um excesso de procura ou de oferta. Para que haja alteração das quantidades (neste caso, um aumento do trabalho contratado), é necessário que haja alterações das curvas. Um dos impulsionadores da alteração das curvas é precisamente o aumento da produtividade do trabalho. De facto, as medidas ativas de emprego visam fomentar a produtividade e facilitar a contratação de mão de obra. Além disso, com o aumento da produtividade da mão de obra, a produção aumentará e o rendimento das empresas também, o que poderá tornar-se mais favorável para aumentar a procura de mão de obra.

Juntando a explicação do parágrafo anterior com o resultado da dinâmica económica, criticar os dados do INE sobre o desemprego é não ser sério em relação à teoria económica. Por conseguinte, uma opinião só pode ser considerada relevante se estiver fundamentada em dados e factos. Caso contrário, não passa de uma opinião sentimental. É por isso que o sentimentalismo da emigração dos jovens tem estado sempre em destaque. Aliás, a taxa de desemprego é calculada dividindo-se o número de desempregados pelo número de população ativa. Ao sair os jovens desempregados e os jovens empregados, significa que o denominador será mais afetado do que o numerador. Ou seja, o número de desempregados também é população ativa. Ao sair, significa que está a contar para a redução do denominador e a aumentar a fração da taxa de desemprego. E quando os jovens que já estavam empregados também saírem, o rácio será prejudicado duas vezes. Vão diminuir a população ativa e, consequentemente, aumentar a taxa de desemprego.

Mesmo assim, o que se verificou foi uma diminuição da taxa de desemprego, não porque houve uma saída massiva dos jovens, mas sim porque a economia apresentou uma dinâmica que o suportou.

Para concluir, não se pretende com esta parte final dar anuência de ânimo leve às saídas dos jovens. Não se trata de um alarme, mas a situação preocupa. Aliás, o país deve retirar ensinamentos positivos desta situação e continuar a apresentar medidas concretas para acudir às aspirações dos jovens, de modo a poder enfrentar os desafios do futuro. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1230 de 25 de Junho de 2025.

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Autoria:Gilson Pina,30 jun 2025 9:54

Editado porSara Almeida  em  30 jun 2025 23:22

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