Ultrapassar obstáculos e crescer mais para combater a pobreza

PorA Direcção,14 nov 2025 8:22

Em discussão está o Orçamento do Estado (OE) de 2026. Considerando que as legislativas vão se realizar entre abril e junho, trata-se de um OE que vai ser executado em grande medida na próxima legislatura e por outro governo, mesmo que seja da mesma cor política.

Em qualquer das circunstancias é um OE para o futuro e como tal deverá merecer a devida atenção e ponderação no processo da sua aprovação. Em simultâneo servirá para que os cidadãos tenham já uma primeira noção de como os partidos veem o país a confrontar os desafios actuais e os do médio e longo prazo.

O relatório da política monetária d oBanco de Cabo verde prevê “um abrandamento do crescimento da economia nacional, de 7,2 por cento em 2024, para 5,5 por cento em 2025, 4,8 por cento em 2026 e 5,0 por cento em 2027”. Parece estar em convergência com as previsões do FMI e do Banco Mundial que apontam para taxas até 2029 próximas do potencial de crescimento do país à volta de 5%. Essas taxas poderão variar para mais ou para menos, conforme a realidade externa for favorável ou não, designadamente para o turismo e para as exportações. Em 2024, a taxa do PIB conseguiu atingir 7,2%, mas também pode ir em sentido contrário se houver quebra na dinâmica da economia mundial ou, então, como aconteceu este ano, se o país for fustigado por algum desastre natural.

É evidente que, se Cabo Verde quer ver melhorado essas previsões, tem que fazer subir o potencial da sua economia, aumentando a sua produtividade e competitividade. Esse é o grande desafio que tanto se coloca aos partidos da governação quanto aos caminhos a seguir para atingir esses objectivos como também exigirá da sociedade cabo-verdiana um outro engajamento e atitude para vencer os múltiplos obstáculos à realização desse desiderato. Não é à toa que não se tem conseguido avançar ao passo certo com as reformas necessárias para aumentar o potencial da economia, nem se conseguiu melhorar a eficiência do sector empresarial do Estado, nem ainda diminuir os custos de contexto e os custos dos factores.

Na sua última missão, no início de novembro, o FMI propôs-se analisar entre várias matérias as implicações da questão com CVInterilhas, o custo salarial da administração pública e a redução das despesas com bens e serviços. Incluiu também na análise o reforço de execução dos investimentos. Já na nota final da missão constatou “desaceleração no investimento”. Num padrão que parece repetir-se no fim dos ciclos legislativos, o FMI, mesmo nas entrelinhas, deixa transparecer com mais clareza as suas preocupações. Deve-se ter isso em conta, até porque quem for governo, provavelmente logo à partida, vai ser alvo de grande pressão para fazer correcções de percurso.

Ao novo governo, em2016, foi retirado apoio orçamental até que o acordo de privatização daTACV fosse assinado, o que viria a acontecer em fevereiro de 2019.

O quadro global que o FMI apresentado país,mesmo que com riscos, considerando as vulnerabilidades a choques externos, é globalmente positivo como se pode constar, de entre outros indicadores, das taxas de crescimento económico, dos números da inflação, da diminuição da dívida pública e das reservas de divisas, que poderão atingir em 2025 7,3 meses das importações. Mas não é de ignorar as insuficiências nas reformas e no investimento, nem a crescente rigidez orçamental com o aumento das despesas, em particular das despesas como pessoal, que de 23.431 milhões de escudos em 2023 passou para 29.177 milhões em 2025 e agora se prevê 32.936 milhões para 2026. Ou seja, se não se fizer as escolhas certas, o grande objectivo de aumentar o potencial da economia do país e abrir a possibilidade de a prosperidade chegar a todos pode não ser atingido.

Infelizmente, em Cabo Verde não se reflecte suficientemente sobre o ponto a que o país conseguiu chegar a partir do início da década de noventa, em que definitivamente se deixou para trás o modelo de desenvolvimento na base de reciclagem da ajuda externa e se fez a transição de uma economia estatizada para uma economia de mercado. Com as reformas feitas, o potencial da economia aumentou, assim com a produtividade e o volume de investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, e o país, no fim da década, já atingia os níveis mais altos elevados de crescimento. A estabilidade económica criada pelo acordo cambial e a estabilidade política suportada no sistema de governo parlamentar asseguraram que a prosperidade continuasse. É preciso que agora Cabo Verde dê um salto para que a riqueza nacional cresça mais com o esforço qualificado de maior número de pessoas e que os benefícios sejam abrangentes e cheguem a todos, eliminando definitivamente a pobreza.

Pode-se perguntar se há vontade e a energia para ultrapassar os obstáculos e crescer mais. A tentação, em certos círculos, será talvez a de fazer “o mais do mesmo”, a passo e em sintonia com as recomendações e os programas da cooperação e dos financiadores internacionais e seguindo a agenda das organizações multilaterais. Afinal, o país está a crescer à volta de 5% do PIB e, com o alargamento do Estado Social, pode-se dar uma resposta para à pobreza e à pobreza extrema existentes. O problema é que não se consegue manter estado social sem crescimento económico dinâmico e sustentável.

De facto, dificilmente se obtém níveis altos de crescimento quando recursos são alocados para despesas cada vez mais pesadas como pessoal da administração  pública, em detrimento de investimentos públicos. Para além disso, reforçam-se certos interesses corporativos, geralmente inibidores da inovação, e se desincentiva o investimento directo estrangeiro e o investimento privado nacional, essenciais para a criação do emprego e para o aumento das exportações.

Perante a complexidade da situação há quem se sinta atraído por soluções simples, de quebrar as regras do jogo e de negar o diálogo plural na busca de soluções. Promete-se um mundo de “almoços grátis” e não se reconhece o quanto é preciso em termos de instituições, de conhecimento e de cultura cívica e de espírito crítico e cooperativo para construir a riqueza das Nações. Posturas messiânicas de resgate, por serem logo à partida de exclusão de parte da comunidade, produzem círculos viciosos que perpetuam a pobreza.

No passado foram as lutas de classes e a luta contra exploração do homem pelo homem. Agora são as lutas contras as elites. Como facilmente pode-se observar, tais vias tendem em desembocar em violência e mais pobreza, enquanto o que já foi provado é que a prosperidade caminha passo e passo com a liberdade. Importa não cair no canto da sereia dos messias, nem se deixar ficar pela inércia que favorece os interesses instalados. Na discussão da OE devia-se ver mais ousadia, guiada pelo conhecimento, para o país ter mais possibilidades de vencer.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1250 de 12 de Novembro de 2025.

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Autoria:A Direcção,14 nov 2025 8:22

Editado porAndre Amaral  em  14 nov 2025 15:19

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