Com outra atitude os 50 anos podiam ter sido outros

PorA Direcção,27 jun 2025 8:56

O Banco Mundial no seu último relatório de actualização económica de Cabo Verde datado de 23 de Junho voltou a chamar a atenção para os riscos para o crescimento do país nos próximos anos. Referiu conflitos globais e regionais, possibilidade de alguma travagem na dinâmica da economia mundial, aumento de preços dos combustíveis e também mudanças climáticas que, além de secas, ainda incluem a elevação do nível médio do mar e prejuízos nas regiões costeiras, afectando directamente o turismo.

Esta edição da Actualização Económica de Cabo Verde 2025 inclui entre os riscos internos as pressões políticas em antecipação das próximas eleições em 2026 que podem o reduzir o ritmo das principais reformas no país. Para o BM, falha em avançar com reformas no Sistema Empresarial do Estado constitui um risco orçamental significativo.

De facto, já é perceptível o ambiente político que já se está a instalar no país a menos de um ano das eleições legislativas. E claramente que não será propício à manutenção da boa vontade e da disponibilidade para se avançar com reformas em nome do crescimento económico. Pelo contrário, na actual conjuntura a polarização de posições, que normalmente antecede períodos eleitorais, na ânsia de cada um dos partidos se esforçarem para apresentar as suas propostas alternativas, tende a extremar-se. Da parte da situação entra-se por uma via em que o marketing político parece sobrepor-se ao que devia ser uma atitude mais ponderada nos actos de governação. Da oposição fica-se com a forte impressão de que também não há ponderação nas críticas dirigidos até ao ponto de desejar que tudo corra mal.

Se nos ciclos eleitorais anteriores fenómenos similares aconteciam, actualmente, com o uso quase compulsivo das redes socias pela generalidade da população e a exploração das mesmas com conteúdos especialmente dirigidos pelas forças políticas, ganham uma dimensão nunca vista. Nesse sentido vê-se o marketing político caminhar para bem perto dos limites da decência e as críticas a raiar a maledicência. O narcisismo de uns provoca manifestações virais de cega aceitação ou indignação de seguidores numa dinâmica em que as pessoas vão se confinando em bolhas entre as quais o diálogo é impossível. Num ambiente desses não há preocupação com a verdade, opiniões sobrepõem-se aos factos e às supostas amnésias de uns procura-se compensar com paramnésia, ou seja, com memórias distorcidas ou falsas.

A controvérsia que se gerou à volta da inauguração do terminal de cruzeiros em S. Vicente é típica do que vem acontecendo no actual ambiente pré-eleitoral. Em contraposição à pompa do actos oficiais, fica-se à espreita de “incidentes” que os desqualificam. Não se cuida de fazer um real e crítico pronunciamento sobre a importância e o impacto futuro do investimento ou da obra feita. Em S. Vicente o “incidente” foi o facto do barco de cruzeiro já no porto não ter avançado para atracagem por decisão do comandante do navio, alegando condições climatéricas. Em outras circunstâncias são às vezes acontecimentos fortuitos, mas que no ambiente de conspiração que as redes sociais vêm alimentando tornam-se em indícios de corrupção ou de incompetência. Passam de indício para “facto”, ou “quase”, quando possibilitem especulação nos jornais, quando transformados em arma de arremesso político no parlamento ou sugeridos como matéria para inquérito parlamentar.

A pressão política, que o Banco Mundial identifica como um dos factores de risco, por afectar negativamente as reformas necessárias para o crescimento, é produto dessa falta de diálogo, da ausência de um espírito de compromisso e de uma disponibilidade para negociar. Aliviar esse tipo de pressão é fundamental. De facto, problemas como transportes internos, continuam por resolver; ainda não são explorados o potencial das pescas; a agricultura precisa efectivamente ir além da subsistência; deve-se encontrar um papel para a indústria; os serviços têm que sair da informalidade para contribuírem mais para a produtividade e a competitividade do país; há que contornar a fragmentação do mercado do país para conseguir ganhos de escala, aumentar a diversificação da economia e assegurar melhor distribuição de riqueza. Só pela via do diálogo e com um engajamento colectivo e com cada no seu papel de governo ou oposição, mas unidos na prossecução do interesse geral, é que será possível estar em posição de equacionar devidamente e, com tempo e ao longo de legislaturas, resolver os problemas actuais.

Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de perder mais tempo e não confrontar os problemas que continuam a deixar o país vulnerável aos choques externos e internos e com uma economia pouco diversificada e fortemente dependente do turismo. A extraordinária recessão de 2020 devia ter sido um aviso claro a toda a sociedade cabo-verdiana. Infelizmente, passadas as dificuldades da pandemia, a tentação foi continuar a fazer o mesmo e a manter a mesma atitude. Não se optou por fazer da grave crise de 2020 uma oportunidade para um novo recomeço.

É um facto assente que, sem uma mudança de atitude, a tentação vai ser de, como até agora, quase rejubilar quando alguma coisa corre mal e pode-se culpar o governo, com o intuito de o desgastar e conquistar o eleitorado. Está-se a pagar caro por essa atitude, isso porque, na verdade, à medida que o tempo passa, as dificuldades vão se acumulando, os problemas vão se tornando cada vez mais intratáveis e vão-se perdendo oportunidades que exigem comprometimento estratégico durante vários anos para se estar em posição de as aproveitar. São exemplos disso os problemas hoje sentidos com o sistema de ensino, com a saúde, com os transportes, com a segurança e com a falta de estruturação de uma economia que privilegia a informalidade e pode pôr em risco a expansão do turismo por falta de higiene, como informou ontem a IGAE.

Nem após 50 anos de independência e com um conjunto de indicadores do Banco Mundial a demonstrar que Cabo Verde ficou para trás quando comparado com realidades insulares similares, o país mostra vontade de fazer diferente. Ao invés de enfrentar a realidade está-se agora a oferecer-lhe a consolação de se projectar para o ano 2075. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1230 de 25 de Junho de 2025.

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Autoria:A Direcção,27 jun 2025 8:56

Editado porAndre Amaral  em  27 jun 2025 12:19

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